Quinta do Vale Dona Maria, 20 vindimas de afirmação

Fotografia: Arquivo
Manuel Moreira

Manuel Moreira

Um dos precursores da nova vaga de vinhos do Douro fez um balanço de duas décadas à frente da Quinta do Vale D. Maria, numa prova vertical memorável.


Muitos personagens têm moldado a história vitivinícola do Douro. Uns mais notáveis que outros, que transpõem gerações, servindo de inspiração e que, através do seu carisma, visão e capacidade de mobilização, têm aberto fronteiras, providenciado soluções e contribuído para a actual visibilidade e notoriedade dos vinhos da região. Cristiano Van Zeller, através dos vinhos da Quinta do Vale Dona Maria - que chegam às 20 vindimas pela sua mão -, deu o seu contributo, através de avanços e recuos, de sucessos e alguns insucessos. Errar para acertar!

Após a venda da Quinta do Noval, em 1993, da qual era responsável e co-proprietário, sempre munido de espírito inquieto e atento, Cristiano Van Zeller procurou aproveitar o potencial de uma região demasiado dependente do Vinho do Porto, mas sem dele abdicar.

Assim, participou no início do projeto da Quinta do Crasto, em 1994, cujo sucesso solidificou a vontade de ter o seu próprio projeto. Este arrancou no ano seguinte, com a compra da Quinta do Vale da Mina, mas foi em 1996 que a Quinta do Vale Dona Maria foi adquirida à família da sua esposa. Esta “ruína”, como o gigante Cristiano se lhe refere com carinho, tinha um potencial incrível, que logo tratou de demonstrar.

Deitou as mãos à obra, num esforço notável de reconstrução, não só dos edifícios, mas também das vinhas velhas com mais de 50 anos, onde pontifica uma variedade enorme das mais tradicionais castas da região. A sua qualidade era já revelada pelo usufruto que uma empresa do grupo Symington dela fazia. 

Foi também nesta data que nasceu o primeiro exemplar da Quinta do Vale Dona Maria. Contou neste ponto com a ajuda dos amigos Dirk Niepoort e Jorge Roquette, que proporcionaram o espaço para vinificar e envelhecer os vinhos. Era verdadeiramente andar com a “vindima às costas”. Foi neste contexto que nasceram os primeiros vinhos que, mesmo numa colheita menos prestigiada, resultaram encorajadores. 

Só em 2001 ficou concluída a adega própria, tendo sido a primeira vindima 100% feita nos lagares da Quinta Vale D. Maria. Nesse ano nasce o primeiro Vinho do Porto LBV. O percurso destes vinhos ficou marcado pela chegada da recém “graduada” enóloga Sandra Tavares da Silva, em 1999, hoje a conferir apoio à enologia. Juntou-se mais tarde à equipa a enóloga Joana Pinhão (em 2007), que assumiu a sua primeira vindima em 2010, e agora Francisca, sua filha, incorporada no projeto, cara visível na comunicação e marketing.

Estas duas décadas de vindimas consolidaram a abordagem de Cristiano à região, ao explorar ao detalhe o potencial da propriedade, tendo hoje vinhos que expressam o caracter de várias parcelas. Em 2009, surge o primeiro Quinta Vale D. Maria Vinha do Rio tinto e, em 2011, o Quinta do Vale D. Maria Vinha da Francisca tinto. 
A estes seguem-se, como primeiras edições, o Vale D. Maria VVV Valleys tinto 2013, bem como o Vale D. Maria VVV Valleys branco 2014, que mostram o carácter único dos vales dos rios Pinhão, Torto e Douro. Já em 2015, o Vale D. Maria Vinha do Martim branco vem completar a oferta.

A Quinta Vale D. Maria

Localizada no coração da região do Douro, ao longo do vale do Rio Torto, a história da Quinta Vale D. Maria remonta ao século XVIII. Os 45 hectares de vinhas albergam 41 variedades de uva diferentes, plantadas em encostas com exposição a sul, sudeste, sudoeste, leste e oeste. Algumas vinhas têm a tenra idade de 12 anos e outras tão velhas como 100 anos.
 
A Quinta Vale D. Maria está integrada desde Julho de 2017 no grupo Aveleda, assegurando a continuidade da identidade e qualidade dos vinhos produzidos. Com esta parceria estreitaram-se ainda mais os laços familiares já existentes. “No ano de lançamento da colheita de 2015, e após definirmos um novo percurso para a Quinta Vale D. Maria, tornando-nos parte integral da empresa dos nossos primos, Aveleda. Quisemos fazer uma reflexão sobre aquilo que foi o nosso percurso nos últimos 20 anos. Desta forma, conseguimos ver como os vinhos têm refletido a nossa visão e forma de estar na vida: o respeito pela identidade do Douro, o caráter de cada vinha, práticas de viticultura e enologia tradicionais, sempre com um prazer enorme no que fazemos”, afirma Cristiano van Zeller. Já Martim Guedes, da Aveleda, afirmou que a empresa “pretende conhecer o Douro pelas mãos da Quinta Vale D. Maria”. A Quinta Vale D. Maria – Vinhos S.A., nova designação social da empresa, exporta cerca de 65% da sua produção para mais de 35 países, através do posicionamento dos vinhos nos restaurantes e lojas de maior prestígio mundial.

Os vinhos

Com um património vitícola tão rico, os vinhos da Quinta Vale D. Maria resultam de um blend de 41 castas diferentes, onde se encontram, entre outras, o Rufete, a Tinta Amarela, a Tinta Francisca, o Sousão, a Touriga Franca, a Tinta Roriz e muitas outras típicas do Douro, procedentes das vinhas velhas da Quinta Vale D. Maria, com idades superiores a 60 anos, vinhas com exposição Sul, Sudeste, Sudoeste, Nascente e Poente. Todas as uvas são pisadas em lagares antes da fermentação, e vinificadas depois durante sete a 10 dias a temperaturas de 22° a 27°, com pigeages manuais. Os vinhos são tirados a limpo para barricas novas de carvalho francês, de 225 ou 300 litros, provenientes de diversas tanoarias (Seguin Moreau, François Frères, Taransaud, Louis Latour e Berthomieu), onde se processa a fermentação malolática. Todos os vinhos estagiam depois durante 21 meses em barricas de carvalho francês, na sua maioria novas, outras de um ano.

Trabalho originalmente publicado na edição nº 341 da Revista de Vinhos (Abril de 2018).