Almeja, Porto

Fotografia: Fabrice Demoulin
Miguel Pires

Miguel Pires

A restauração no Porto tem vindo a mudar, com cada vez mais opções e novos intérpretes. O Almeja é um dos casos mais recentes e um exemplo do que pode ser um bom restaurante de “casual fine dining”. Dos bons.


Almeja vem de “almejar”, que significa “querer ou desejar muito” e este acolhedor restaurante próximo do Bolhão, no Porto, vem preencher o desejo e uma lacuna existente na cidade em termos de cozinha contemporânea. De facto, na região é possível encontrar uma mão cheia de restaurantes de “fine dining” com um certo pendor clássico, um espaço mais vanguardista como o Euskalduna e uma série de locais mais descontraídos, com uma cozinha para agradar sem grande esforço. Ora, o Almeja, com espaço cuidado e acolhedor e uma cozinha de autor interessante e acessível, vem situar-se entre estes dois últimos modelos.

Por detrás do projeto está a dupla João Cura (o chefe) e Sofia Gomes (a responsável pela sala), um casal que se conheceu na Faculdade de Farmácia, em Coimbra. Sofia seguiu a carreira na área até abrir o restaurante, enquanto João desistiu no início e ingressou na Escola de Hotelaria da cidade. Depois de concluído os estudos, o jovem cozinheiro, de 29 anos, seguiu para Barcelona, onde trabalhou em vários restaurantes como o Dos Cielos, o Monvinic e o Cinc Sentits, todos com estrela Michelin. 

João Cura faz parte de uma geração recente de cozinheiros, que findo o curso (ou ainda no período de estágio) procurou completar a formação e ganhar experiência profissional fora do país. Nem sempre os que regressam vêm com os horizontes abertos e vontade de arriscar. Porém, isso não aconteceu com ele. É que em vez de procurar um emprego certinho num restaurante ou num hotel, o chefe do Almeja acabou por se instalar no Porto (após um período a fazer jantares privados), como proprietário e chefe de cozinha de autor, sem ter passado por outros lugares em Portugal, o que não é para todos. 
Só o tempo o dirá se o passo foi maior que a perna, mas pelo que experienciei num destes sábados de janeiro, ao almoço, estou em crer que o projeto tem argumentos para dar certo e merecer ser reconhecido. 

De forma ajuizada, João Cura foca-se numa carta não muito extensa, com cinco entradas, quatro peixes e mariscos, cinco carnes e quatro sobremesas, que vai sendo alterada ao ritmo das estações. Além das propostas poderem ser pedidas individualmente há um menu de degustação de cinco pratos (mais “entreténs” e petit fours), por 55,00€ e, durante a semana, outro de almoço, tipo menu executivo, de três pratos, por 15,00€.

Logo nos primeiros snacks do menu de degustação – rolo de bacalhau à Brás, croquete cremoso de carnes, madalena de linguiça e maçã – deu para ver certos pormenores que deixaram logo boa impressão, como o cuidado na confeção, o domínio da técnica e o primor na apresentação. Também desfrutei do pão feito na casa, do azeite e da manteiga acabada no restaurante. 
A primeira proposta do menu, a “mini horta de inverno”, trazia vegetais de diversas formas: crus, branqueados (i.e. ligeiramente cozidos), “glaceados” na manteiga e em picle. Tudo sobre uma emulsão de ervas aromáticas com um toque de nata (creio) e com pós de pistácio e de beterraba. Este prato tinha um quê de selvagem e de imperfeição. É que (por opção) João Cura está dependente dos vegetais que os produtores lhe enviam semanalmente (e onde, em determinadas semanas, pode cair um ou outro mais fibroso, como aconteceu) e tem tendência para os servir “al dente”, o que às vezes funciona bem, outras vezes menos. Porém, o prato era estimulante e a cada garfada surgiam novas revelações. Resumindo: no final este é um dos que fica na memória.
Já o “peixe de pesca à linha”, badejo, nesse dia, era um prato saboroso de contornos mais clássicos e adaptados ao inverno, com um molho de carne ligeiro, couve e um apontamento de puré de limão a espevitá-lo. O peixe vinha no ponto e o molho bem feito. Havia uns dispensáveis cubinhos de tomate fora de época em cima do peixe que não acrescentavam grande coisa mas que também não ofuscavam.

Era suposto que o prato de carne fosse lebre, mas como tinha acabado optámos pelo cabrito. João Cura costuma comprar uma peça inteira e ir servindo as várias partes. Calhou-me a costela, uma das partes mais saborosas, suculentas e tenras, quando o animal é de qualidade e o cozinheiro competente, o que foi, duplamente, o caso. Já o trigo sarraceno que acompanhava esteve bem em termos de sabor (vinha com alperces e beldroegas em picle que lembravam alcaparras), ainda que a confeção o tenha deixado demasiado solto para o meu gosto.

Como pré-sobremesa chegou um agradável e fresco granizado de soro de leite, tangerina e uns apontamentos de ovo com um creme elegante em baixo. Muito delicada esta proposta que fez a ponte para a sobremesa principal, o “banoffee, banana, amendoim e chocolate branco”. É raro funcionar mal esta ligação clássica de banana, caramelo e amendoim. Porém, não é muito habitual haver uma complexidade de sabores e algo intrigante pelo meio, como aconteceu neste caso. Gelado de chocolate branco caramelizado, puré de banana, uma telha da mesma fruta, molho de amendoim, um crocante deste fruto seco pelo meio e um bolo húmido de banana. Tudo isto numa conjugação harmoniosa e surpreendentemente equilibrada em termos de doçura. Muito bom, mesmo! 

Em termos de vinhos, as opções ficaram um pouco lá mais atrás em relação ao estilo do restaurante e das propostas do chefe, que pedem uma carta mais atrevida, com algumas propostas fora do baralho. Há um predomínio para vinhos de pequenos produtores, mas pareceu-me quase tudo demasiado aprumadinho, já para não falar que a oferta a copo é muito limitada. 
Em relação ao serviço podia ser um pouco menos formal, mas dou nota alta: o atendimento foi atencioso, eficiente e profissional, o que é de assinalar nos dias que correm, ainda para mais num novo projeto.

Em resumo, o Almeja é um espaço que enriquece o panorama restaurativo do Porto. Gostei do ambiente agradável, do serviço, da cozinha honesta com um toque audaz e até das imperfeições. Para seguir de perto, voltar e recomendar. 

Almeja
Rua Fernandes Tomás 819, Porto
T. +351 222 038 120
Horário: de terça-feira a sábado, das 12h30 às 15h30 e das 19h30 às 23h

Preço médio por pessoa: 30,00/35,00€ (com bebidas). Pagou-se por esta refeição 76,00 €. 
 

Classificação da crítica gastronómica

Cozinha, 17
Sala:17
Vinhos:15,5

Trabalho originalmente publicado na edição 340 (Março de 2018) da Revista de Vinhos.