Tapisco - Tapas e petiscos de Sá Pessoa

Fotografia: Fabrice Demoulin
Miguel Pires

Miguel Pires

O Tapisco, em Lisboa, aproxima culturas e encurta as fronteiras entre os dois países da Ibéria, uma vez que a proposta passa por uma cozinha de matriz portuguesa e espanhola. O conceito original foi pensado e desenvolvido pelo conhecido chefe luso Henrique Sá Pessoa, em parceria com o grupo português Multifood.


 

Há fenómenos que, por vezes, temos dificuldades em entender. Por exemplo, nunca percebi porque tendo Espanha uma cozinha tão forte são tão raros, por cá, os casos de sucesso de restaurantes ou de chefes do país vizinho, sobretudo tendo em conta que noutras áreas do comércio o êxito de Zaras e afins é retumbante. De facto, de uma forma ou de outra, franceses, italianos, alemães e austríacos, entre outros, têm-se destacado, mas espanhóis, com uma ou outra raríssima exceção, nem por isso. O Tapisco, em Lisboa, não veio preencher completamente esse vazio, mas aproxima culturas e encurta as fronteiras entre os dois países, uma vez que a proposta passa por uma cozinha de cá e de lá. 


Poderia pensar-se que uma proposta com estas características chegaria a Lisboa pelas mãos de um grupo espanhol, mas não. O conceito original foi pensado e desenvolvido pelo conhecido chefe luso Henrique Sá Pessoa, em parceria com o grupo português Multifood.

Sá Pessoa, que possui uma estrela Michelin no Alma, tem ligações familiares a Espanha e sendo adepto da cozinha petisqueira de ambos os países percebeu que havia lugar para um espaço que juntasse alguns dos clássicos favoritos de ambos os lados, acrescidos de um toque autoral. E assim chegou a um menu que se reparte por cinco secções: “Tapiscos”, ou seja, tapas e petiscos, uns frios, como as saladas de polvo e de ovas, “esqueixada de bacalao” ou o tártaro de atum; outros quentes, como a “la bomba de Lisboa”, “croquetas de jámon ibérico”, choco frito, gambas al ajillo ou amêijoas à Bulhão Pato. Depois, propõe uma secção de “Ovos”, mexidos, rotos, e (de bacalhau) à Brás. Das “Brasas” (leia-se, do Josper), vem o lombo de atum, o bacalhau à lagareiro, a presa de porco ibérico, um entrecôte e legumes grelhados com molho romesco. De seguida há “Tachinhos”, uma paella negra, açorda de gambas, ervilhas com chouriço e um “estofado de lentejas com embutidos ibéricos”. E, por fim, nos doces, duas mousses (uma de chocolate negro com azeite e flor de sal e outra de turrón), uma “crema catalana”, um toucinho do céu, um sorvete de limão e um prato de queijos de ambos os países.
O espaço, cuidado e mais distinto do que uma habitual casa de petiscos (ou de tapas), tem cozinha aberta e um balcão que se estende em (quase) todo o comprimento. Aqui, senta-se uma dezena de pessoas, metade das quais se acomoda nas mesas em frente. 


A ementa, impressa nos individuais, dá a entender que poucas alterações se verificam ao longo do ano. Na verdade, os pratos são praticamente os mesmos desde que abriram, em fevereiro do ano passado. E se por essa altura, ou depois, no verão, quando lá estive, já tudo parecia bem afinado, o mesmo se verificou nesta visita realizada em dezembro. Ou seja, esta é uma daquelas casas em que se define um conceito e uma fórmula, testa-se, afina-se e mantém-se tudo praticamente igual por um extenso período de tempo, mesmo que as estações do ano e os produtos de época mudem. É um modelo, onde se procura a consistência, o conforto e não o rasgo criativo. Ainda assim, creio que um restaurante com este perfil, e sobretudo estando ligado a um chefe conceituado, deveria fazer uma ou outra mudança regular, sobretudo entre as principais estações (justifica-se, por exemplo, ter tomate o ano inteiro?). 


Dito isto, como é a experiência no Tapisco? Que nos sentimos bem nesta casa do Príncipe Real, em que um vermute não é sinónimo de Martini, onde a cerveja é bem tirada, a carta de vinhos, ainda que curta, é variada e, sobretudo, onde a comida é bem feita e aconchegante.  É verdade que a “esqueixada de bacalao” (lascas cruas de meia cura sobre tomate passado e cebola encurtida) é melhor no verão, quando o tomate tem mais gosto. Porém, tudo o que desfilou de seguida foi pura gulodice. As batatas bravas com molho de barbecue marcharam enquanto o diabo esfregava um olho e a “bomba de Lisboa”, um portento e por si só quase uma refeição, idem aspas. Em relação a esta última, imaginem a reunião numa esfera (do tamanho de uma bola de ténis) entre um bom empadão, um croquete e uma francesinha. Dá para perceber, não dá? 


No bacalhau à Brás, Henrique Sá Pessoa fez como uma açorda, à mistura cremosa dos ingredientes de base juntou-lhe uma gema a cavalo cozinhada a baixa temperatura (e cercada de salsa e azeitonas picadas). Assim, quando o cliente a rompe na mesa acrescenta ao prato uma dose extra de volúpia. Podia repetir-me para descrever o “tachinho” do estufado de lentilhas com pedaços de entrecosto e enchidos ibéricos. Este tipo de leguminosas, mesmo quando elaboradas só com água, já tem uma certa complexidade de sabor. Agora imagine-se quando cozinhadas com um bom caldo de carne e enriquecidas com enchidos de qualidade em dose sensata. 


No capítulo doceiro, tanto a mousse de chocolate com azeite e flor de sal como a de torrão de Alicante entram dentro de um estilo que costumo apelidar de sobremesas preguiçosas e algo infantis. Ou seja: são postres pensados para não darem muito trabalho, nem a quem os cria nem a quem os executa, muito menos no período do serviço. São feitas com tino e bons ingredientes, mas básicas. Não ficava mal a aplicação de uma maior dose de esforço e inspiração. 


A carta de bebidas do Tapisco não é muito extensa, mas vai além do básico, está bem pensada e adequada ao tipo de restaurante. Tal como na cozinha, há propostas de cá e do lado de lá da fronteira. A abrir, em destaque, vêm os vermutes, com oito propostas (de quatro marcas, todas espanholas), meia dúzia de cocktails, 12 vinhos a copo, uma sidra e cerveja à pressão. Em garrafa, as propostas superam a meia centena, com tintos e brancos portugueses (sem serem as marcas mais evidentes) em maioria. Depois há ainda cerca de uma dezena de fortificados, entre Xerez, Portos e um Madeira. De aperitivo (e com as primeiras entradas) bebeu-se um Nordesia rojo, um vermute, de que gosto muito, feito com uvas da casta Mencía e ervas típicas da Galiza. Depois, continuamos com o rústico mas elegante tinto bairradino Sidónio de Sousa Reserva (29,00€) de 2012, que foi pau para toda a obra, ou seja, acompanhou (e bem) desde o bacalhau à Brás ao estufado de lentilhas. 


Quanto ao serviço, a jovem equipa da casa foi boa a aconselhar e cumpriu a tarefa com simpatia, eficiência e um conhecimento muito razoável de tudo, o que nos dias que correm há que saudar. 
Em suma, mais do que um restaurante onde se espera encontrar criações com grandes rasgos de autor, o Tapisco é um porto seguro, onde se vai em busca de sabores que nos confortam.

 

CLASSIFICAÇÃO

Cozinha: 16,5
Sala: 16 
Vinhos: 16

 

Tapisco
Rua Dom Pedro V, 81, Príncipe Real, Lisboa
T. +351 213 420 681
Horário: de segunda a domingo, das 12h às 24h

Preço médio: 30€ (bebidas incluídas). Pagou-se por esta refeição 104,00€ (duas pessoas). 
 

Artigo publicado na edição nº 338, de Janeiro de 2018, da Revista de Vinhos.