O gigante escondido

Fotografia: Daniel Luciano
Luís Alves

Luís Alves

A pergunta, no domínio da possibilidade, faz sentido: existe, na região do Grande Porto e ainda num contexto urbano, algum produtor com uma mancha de vinha que quase toca os 200 hectares? A resposta é afirmativa. A Quinta das Arcas, em Sobrado, no concelho de Valongo, é um latifúndio numa região de minifúndio e impressiona pela proximidade à segunda maior cidade do país.

 

O percurso entre vinhas faz-se de jipe, por estradões que rasgam os bardos. Nos espelhos laterais, pode ler-se: ‘Objects in mirror are closer than they appear’. O que em tradução livre é algo do género: ‘Os objetos no espelho estão mais perto do que parecem’. A metáfora que se pode extrair é particularmente descritiva da Quinta das Arcas. De facto, o que vemos no espelho são vinhedos sem-fim, dado que nos poderia fazer transportar para outras geografias. Mas não. Estes vinhedos estão mais perto do que parecem. Estão mais perto do grande centro urbano do Porto do que outro qualquer produtor de vinho. Do centro da cidade portuense a Sobrado distam uns muito rápidos 20 minutos de carro. Tempo não suficiente para nos ajustarmos à mudança de cenário: de uma urbe para um pequeno gigante dos Vinhos Verdes.


Apesar da dimensão generosa, a Quinta das Arcas nasceu há apenas 35 anos, pelas mãos de Esteves Monteiro, fundador e proprietário. Atualmente, os filhos Mário e António Monteiro seguem o trajeto do pai nos destinos da empresa e questionados sobre a localização que beira o Grande Porto, rapidamente apontam as vantagens e desvantagens: “sabemos que não é comum uma mancha vitícola tão perto de um grande centro. Isso traz-nos vantagens, desde logo pela proximidade aos canais comerciais e também às pessoas que nos querem visitar. Mas acarreta também desvantagens, por esta não ser uma região tipicamente associada à produção de vinho”.


A perseverança e a combatividade de Esteves Monteiro fizeram erguer um monstro, no melhor sentido da palavra. Quase 200 hectares de vinhas, divididos em quatro quintas: as Arcas, a Quinta da Gandra, a Quinta da Costa e a Quinta de Villa, esta última no concelho vizinho de Penafiel. Se a região norte não fosse o bastante, em 1998 avançaram para o Alentejo. A Herdade do Penedo Gordo, em Borba, é pertença do grupo desde essa altura e abriu caminho para uma aventura a sul.

Onde está o granito?

Se a equipa de marketing da Quinta das Arcas estiver atenta, vender os vinhos do grupo pode muito bem constituir-se como uma tarefa que tem algumas etapas facilitadas desde o início. A primeira, já referida, tem que ver com a distância ao Porto – facto geográfico de que a concorrência terá dificuldade em bater-se. A segunda razão competitiva é a de especificidade dos solos. Ali, por terras de Valongo, onde esperávamos encontrar o granito típico do norte agrícola, encontrámos um predominante xisto. “Os nossos solos são, grosso modo, diferentes de outros produtores”, explica Mário Monteiro. “Esse é um ponto importante de diferenciação, especialmente num mercado com tantos produtores de vinho”. O resultado nos vinhos é o de uma mineralidade mais expressiva e uma estrutura mais robusta. Apesar de parecer ter sido uma escolha a dedo, Mário Monteiro esclarece: “Não foi uma opção pensada. Foi antes uma circunstância. Poderíamos ter investido noutro local, no sentido do aumento da área. E fizemo-lo. No concelho vizinho de Penafiel e também no Alentejo. Mas continuamos também aqui a investir e com uma grande pujança”.


O investimento canaliza-se sobretudo para o aumento da área de plantação e também para a forma como essa produção chega, ano após ano, à adega. Neste domínio, destacam-se dois pontos de relevo, ainda que em dimensões totalmente distintas: o modo de produção integrado e o modo de produção biológico. Do primeiro, a Quinta das Arcas foi pioneira na sua implementação. “Fazemos um uso mínimo de fitofármacos nas nossas vinhas e cumprimos as regras que este tipo de produção exige”, explica Mário Monteiro que vê na produção integrada uma aposta a manter. Já sobre a produção biológica, esta tem a sua expressão numa vinha já velha, com seis hectares. Apesar dos vinhos interessantes, coloca-se a dificuldade em tornar rentável, sobretudo numa região com uma pressão elevada de doenças.
Ainda sobre assuntos de campo, da vinha e da viticultura, a Quinta das Arcas aposta, em Sobrado como em Penafiel, em castas autóctones, pela boa adaptação que têm à região e pela capacidade de sofrimento a fenómenos climatéricos, como os que se têm verificado com alguma violência nas últimas campanhas. Esta escolha tem também, como é natural, um razão comercial e de respeito pela histórica da região. “Fazemos uma escolha de castas que são tradicionalmente dos Vinhos Verdes e vamos ao encontro do que são as expectativas dos consumidores que esperam encontrar de um produtor de vinhos verdes aquele tipo de castas”, esclarece António Monteiro.

As estrelas da companhia: Arca Nova e Conde Villar

De um lado uma linha clássica, do outro uma aposta menos convencional. O Arca Nova abriu o portefólio da empresa e mantém como o vinho no primeiro lugar do top dos mais vendidos: um milhão de garrafas por ano. Com um equilíbrio assinalável e uma acidez e fruta que se distinguem, o Arca Nova chegou aos dias de hoje em boa forma. Pela quantidade já muito assinalável de produção, a relação qualidade – preço mantém-se interessante.
Numa linha menos convencional, o Conde Vilar nasceu com o objetivo de ser um contraponto do Arca Nova. Mais irreverente, também com uma imagem mais moderna, estaria destinado a canais que o ‘irmão’ mais tradicional não chegasse. A realidade veio mostrar que ambos poderiam coabitar nos canais de distribuição, o que ainda hoje continua a acontecer.

Depois dos Verdes

A aventura fora da região dos Vinhos Verdes fez-se para sul, a quase 400 km de Valongo. Borba foi o destino e Herdade do Penedo Gordo o objetivo, cumprido em 1998. Seguiu-se a plantação de uma área de vinha em 2000 e 2004 foi o ano da primeira vindima. Atualmente tem já 110 hectares. “É uma lógica totalmente diferente”, explica António Monteiro. “Os investimentos naquela grande região estão muito virados para a terra, que é muito valorizada. O Alentejo deu à Quinta das Arcas uma visão diferente. Veio-nos dar outras formas de trabalhar o vinho. Termos duas realidades tão diferentes dentro do mesmo grupo traz-nos, neste caso, sinergias concretas.


A Herdade do Penedo Gordo vai ter uma nova adega, num projeto global de três milhões de euros e uma capacidade instalada de cerca de dois milhões de litros de vinho, substituindo as infraestruturas antigas. Em Borba, faz-se também uma aposta no enoturismo desde há alguns anos. A Herdade tem uma pequena unidade hoteleira, pensada originalmente para receber clientes. As expectativas foram sendo superadas e hoje a possibilidade de ter o enoturismo como um negócio autónomo está a ganhar forma. Realidade semelhante à de Sobrado, mais virado para as experiências, seja pelos ‘trails’ entre as vinhas, seja, por exemplo, pelas visitas à quinta.

A visão comercial

A Quinta das Arcas, enquanto grupo, desenhou uma estratégia comercial que não é tradicional e que cumpre um caminho próprio. Os vinhos não se encontram no grande retalho por opção. “Sabemos que essa escolha acarreta vantagens e desvantagens. A grande vantagem é podermos crescer à nossa medida, sem a necessidade de termos de ter um crescimento explosivo ou artificial que possa não ser sustentando”, explica Mário Monteiro, para depois apontar a perda de visibilidade da marca como a principal desvantagem. Os vinhos que constituem o portefólio do grupo podem ser encontrados, ainda assim, um pouco por todo o país, através do canal Horeca, seja em território continental, seja nas ilhas, através de uma rede de distribuidores alargada.


Quinta das Arcas
Rua Central da Lomba
4440-392 Sobrado – Valongo
T. 224 157 810 / 224 110 070 
E. info@quintadasarcas.com