A evolução no mundo do vinho

Se o mapa de consumidores de vinho a nível mundial mudou radicalmente ao longo das últimas décadas, o mapa vinícola mundial mudou de forma ainda mais radical e mais recente… 

Em março, dei inúmeras palestras em Tóquio para apreciadores de vinho japoneses, excecionalmente numerosos e educados, nas quais exaltei as qualidades recém-descobertas do vinho espumante inglês.

Se alguém me tivesse dito, mesmo tão recentemente como há 20 anos, que estaria a fazer tal coisa, não teria acreditado. Quando comecei a escrever sobre vinho, na década de 70, afirmei solenemente que os asiáticos nunca iriam “abraçar” o vinho, que havia algo na sua fisiologia que iria sempre impedi-los de apreciar sumo de uva fermentado. Nessa fase, a Ásia estava reconhecidamente prisioneira da cerveja e das bebidas espirituosas mas, atualmente,  alguns dos mercados mais dinâmicos de vinho estão na Ásia. E, imediatamente antes de voar para leste tinha, como de costume, assumido o papel de juíza na competição anual de degustação de vinhos “Oxford vs. Cambridge”. Todos os provadores com melhor desempenho em prova cega eram de origem asiática, assim como muitos dos melhores alunos dos mais recentes cursos WSET (Wine & Spirits Education Trust).

Mas, se o mapa de consumidores de vinho a nível mundial mudou radicalmente ao longo das últimas décadas, o mapa vinícola mundial mudou de forma ainda mais radical e mais recente. 

Um fator importante na deriva em direção aos pólos das regiões vinícolas do mundo tem estado, naturalmente, relacionado com as alterações climáticas. Embora nem todos os anos sejam generosos, os viticultores ingleses têm sido os principais beneficiários dos verões mais quentes e das uvas mais maduras, de modo que há agora mais de dois mil hectares de vinhas cultivadas por 470 produtores e 135 adegas no Reino Unido.

Mas, depois, Holanda, Bélgica e, em menor escala, Dinamaca, Suécia e Polónia, todas têm indústrias de vinho principiantes - indústrias propriamente ditas, não hobbies. Até a Noruega tem uma vinha, plantada recentemente (espero) à luz do aquecimento global.

Em grande parte do hemisfério sul, não é assim tão mais longe na direção do Pólo Sul que a vinha poderá atingir a terra, embora continuemos a ver plantações experimentais cada vez mais a sul, no Chile e na Argentina.

O aquecimento global também teve efeitos extraordinários em vinhas estabelecidas. A qualidade global dos vinhos secos alemães, brancos e tintos, que aumentou dramaticamente, deve tanto às alterações climáticas como à maior proficiência entre os produtores e vitivinicultores alemães e uma vontade real de fazer bom vinho seco. A região oriental do Canadá tem agora uma indústria vinícola adulta, a fazer o vinho a partir de uvas completamente maduras, tanto tintos como brancos. A nova e quarta edição do “The Oxford Companion to Wine” teve entradas não apenas em Ontário, mas também na Nova Escócia e Quebec.

Na América Ocidental, as indústrias vinícolas como as de Michigan estão a ser restabelecidas, em grande parte graças às alterações climáticas. Mas também devido ao aumento da qualidade dos híbridos que lá prosperam. Viticultores criativos contribuíram significativamente para isto, recentemente.

Na Borgonha existem designações outrora consideradas bastante marginais – as Hautes Côtes , acima da famosa faixa de vinhas de  Côte d’Or vem logo à mente – que estão agora a destacar-se. E aldeias como St-Aubin, St-Romain e até Pernand-Vergelesses, cujos vinhos foram em tempos considerados mais fracos que os de Meursault, Puligny-Montrachet, Chassagne-Montrachet e Aloxe-Corton, mas que são agora pelo menos equivalentes, por causa dos efeitos dos verões mais quentes.

O Loire merece beneficiar comercialmente da mais confiável maturação da uva enquanto alguns produtores em Champagne estão a começar a preocupar-se com a queda a pique dos níveis de acidez nas uvas, após estações de cultivo mais quentes – uma das razões, talvez, pelas quais Champagne Taittinger anunciou recentemente que estava a investir numa nova vinha no sul de Inglaterra.

É claro que as alterações climáticas não trouxeram de forma consistente estações de cultivo mais quentes e a maioria dos meteorologistas concorda que houve um aumento do que tão encantadoramente chamam de “eventos climáticos”, fenómenos dramáticos como inundações, geadas fora de época e, principalmente, secas.

 

A importância da água

 

A falta de preços acessíveis e água de boa qualidade tem vindo a moldar o mapa vinícola da Austrália, colocando os viticultores fora do mercado nas regiões do interior, como Riverland. Para alguns deles é mais rentável vender água que vender uvas. E muitos produtores australianos, em ambientes ligeiramente mais amigáveis para as vinhas, estão a ser forçados a repensar a combinação de castas, questionando-se se variedades habituadas aos verões muito quentes de regiões de Espanha, Portugal e Itália não são uma proposta melhor a longo prazo que o triunvirato tradicional (francês) de Shiraz, Cabernet e Chardonnay.

Até à primavera excecionalmente molhada deste ano, muitos produtores da Califórnia começaram a preocupar-se com a sustentabilidade do negócio, tendo em conta o longo período de tempo em que a seca lá – onde a irrigação é a rigor – persistiu. Até no Chile e na Argentina já não se pode confiar irrefletidamente na água derretida dos Andes cobertos de neve.

As alterações climáticas estão a ter alguns efeitos negativos também na Europa. O perfil de Châteauneuf-du-Pape mudou consideravelmente. Antigos estudantes de vinho aprenderam devidamente as marcas distintivas das denominações: não apenas mais variedades de castas permitidas do que em qualquer outro vinho francês mas – suspiro – um nível mínimo de álcool de 12,5%! Hoje em dia, os níveis de álcool de 16% nos vinhos tintos não são, de maneira nenhuma, raros.

Na Áustria, nas encostas viradas a sul banhadas pelo sol do Danúbio, alguns produtores têm comprado terras ainda maiores que o limite norte da denominação de Wachau, em antecipação ao  terreno mais adequado para a vinha que os terraços (irrigados), agora considerados o centro de Wachau.

Itália tem visto uma sucessão de colheitas muito quentes e muito húmidas, com os produtores, como em todo o lado, a terem de ser mais criativos do que nunca nas estratégias para lidar com o clima completamente desconhecido.

Felizmente, as comunicações no mundo do vinho estão melhores. Praticamente todos os produtores de vinho têm, hoje em dia, conhecimento em primeira mão de várias outras regiões vinícolas. As gerações mais jovens – na Europa ou noutro lugar – geralmente têm feito vários estágios em adegas noutro continente ou hemisfério, por isso têm amigos em condições para dar conselhos sobre como lidar com os crescentes problemas meteorológicos que a galáxia está agora a lançar-nos.

Quem sabe para onde vamos mas, pelo menos, não nos faltam grandes vinhos para desfrutar enquanto lá chegamos. 

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