Festim para os sentidos

O prazer do vinho é uma experiência sensorial total - e subjetiva – não apenas conduzida pelo gosto.

 


A prova de vinho não é feita com o propósito de se transformar um exercício académico, mas existe toda uma ciência por trás do que influencia as nossas experiências de degustação. O gosto é persuadido por todos os sentidos - não apenas o paladar e o olfato, mas também pelo som, visão e tacto. Imagine que está a relaxar num sofá confortável numa sala VIP, o P-Diddy a disparar pelos altifalantes, todos banhados numa iluminação vermelha sexy. É apenas impressão, ou aquele Pinot tem um sabor mais agradável do que o habitual? A mente absorve todas as pistas do ambiente e isso informa o paladar.
Em 2014, o neurocientista cognitivo Charles Spence, da Universidade de Oxford, conduziu um estudo psicológico que descobriu que a cor e o som podem afetar em 10% o gosto das pessoas. O Campo Viejo Colour Lab revelou que a iluminação vermelha realça as notas mais frutadas do vinho, enquanto a luz verde destaca a frescura. O som e a música também podem influenciar o gosto. A música clássica pode levar as pessoas a classificar um vinho como mais caro e a música etnicamente apropriada pode ajudar a destacar a tipicidade do vinho. A música descontraída motiva as pessoas a comer e beber mais, incentivando os clientes a permanecerem mais tempo, enquanto a música alta aumenta a velocidade de mastigação e faz-nos comer mais rápido - um truque que alguns restaurantes usam para incentivar uma maior rotatividade de mesas durante a hora de almoço. A lição é que o prazer do vinho é uma experiência sensorial total - e subjetiva – não apenas conduzida pelo gosto. 
A harmonização de comida e vinhos foi alvo de controvérsia recente quando Tim Hanni, chefe profissional e Master of Wine baseado nos Estados Unidos, referiu que a ideia do emparelhamento perfeito de vinhos é absurda, alegando que é “arrogante” e faz com que muitos consumidores “sintam-se estúpidos”. Hanni também argumentou que a combinação de comida e vinho não tem qualquer potencial na China.


Especialistas em vinho e sommeliers comentaram no portal da revista The Drinks Business (https://www.thedrinksbusiness.com/2019/02/tim-hanni-mw-food-and-wine-pairing-is-bullshit/) que é possível elevar a experiência de comida e vinho com a combinação certa. A maioria dos sommeliers reconhece que a cozinha asiática, com as suas inúmeras especiarias, temperos, molhos e condimentos, representa uma camada adicional de desafio, mas insistem que é possível conseguir boas harmonizações e são uma parte crítica do conjunto de ferramentas usadas para converter e educar os consumidores. Sete anos de experiência enquanto júri da categoria de harmonização do Hong Kong Wine and Spirit Competition (HKIWSC) mudaram progressivamente noções preconcebidas sobre quais vinhos combinam melhor com a gastronomia. Inegavelmente, é o molho - e não a proteína -, o fator norteador em muitas maridagens asiáticas.
“Como o vinho é relativamente novo para muitos asiáticos, estes têm medo de experimentar. Acredito firmemente que, para aumentar a cultura do vinho na Ásia, devemos educar as pessoas sobre como combinar a cozinha local com o vinho”, disse Nikhil Agarwal, sommelier da Índia e CEO da agência de marketing e consultoria All Things Nice. Entre as harmonizações preferidas de Agarwal conta-se o Vada Pao - um bolinho de batata frito picante servido dentro de um pão - com um Viognier e Chardonnay do Languedoc. “Adoro combinar comida indiana com vinhos de todo o mundo. A gastronomia tem muito a oferecer. Gosto especialmente de combinar pratos hiperlocais com vinhos estrangeiros”.


Agarwal também obteve resultados positivos com um jantar vínico que combinava comida tailandesa - notoriamente difícil de harmonizar devido às suas complexas conjugações de sabores - com vinhos indianos. E recomenda que os eventos de harmonização sejam relacionados entre si, por exemplo com comida de rua ou iguarias regionais. O muito aromático Biryani com rosés levemente secos ou Kebabs carbonizados com tintos tânicos de corpo médio a encorpado funcionam bem.
Marie-Paule Herman refere que uma outra abordagem ao introduzir novos vinhos num mercado previamente desconhecido passa por criar associações étnicas entre vinho, comida, cultura, música e arte. Herman é sommelier da Maximal Concepts, que opera alguns dos restaurantes mais populares e exclusivos de Hong Kong, incluindo o requintado restaurante chinês Mott 32. “Países como Portugal e Geórgia beneficiariam caso mostrassem não apenas os seus vinhos, mas também o estilo de vida dos seus cidadãos através da música, comida e artes ”, disse. Herman disse que o Riesling é o vinho mais indicado para emparelhar com a cozinha asiática. “Toda a comida asiática combina bem com Riesling - vinhos secos com pratos salgados e estilos secos com pratos picantes”.
Admite, no entanto, que as refeições partilhadas ao estilo de banquete típicas da Ásia dificultam a harmonização, embora não considere que os sommeliers devam desistir completamente do ‘pairing’. “Existem certos tipos de vinhos e alimentos que os hóspedes nunca imaginariam que combinassem bem. Por exemplo, uma combinação com Jerez pode alterar completamente a experiência de degustação. Provei um prato de cogumelos com aipo e trufas emparelhado com Oloroso que foi fantástico, e o Manzanilla combina muito bem com caranguejo frito e alho”. Apesar dos desafios, Herman referiu que os menus de degustação, a harmonização de vinhos e os jantares vínicos são ótimas maneiras de apresentar aos consumidores novos vinhos, castas e estilos. “Aprendem e desfrutam ao mesmo tempo. Para um sommelier, é a melhor sensação quando os convidados voltam e perguntam especialmente por nós, porque lhes ensinamos algo novo”.

James Teng, head sommelier da The Middle House Shanghai, concorda que a comida rica em umami combina bem com Jerez, Saké e vinho de arroz chinês e diz que a comida que tem um “efeito refrescante” no corpo, como o caranguejo, requer o “efeito de aquecimento” do álcool para equilibrar o Yin e Yang do corpo. No geral, porém, considera que o emparelhamento entre comida e vinho é uma ideia “importada do Oeste” que não parece verosímil na Ásia. “Para muitos locais, a combinação entre comida e vinho é um artifício. Os menus de degustação funcionam melhor em restaurantes que servem gastronomia europeia ou em locais onde os pratos são servidos um a um, como nos restaurantes franceses, mas creio que não funciona nos restaurantes chineses”. Uma tendência de harmonização que Teng acredita resultar na China é a de disponibilizar rótulos reconhecidos em jantares de negócios, onde os anfitriões procuram obter “reconhecimento” ao servirem vinhos caros aos clientes e convidados.


Paul Eun, wine manager do restaurante Mayfield Hotel e Nakwon, na Coreia do Sul, referiu que a cultura do vinho está a desenvolver-se a vários níveis: Champagne e espumantes estão a ganhar espaço ao whisky nos clubes noturnos e discotecas, enquanto a cultura do vinho é incentivada diariamente pela venda de vinhos acessíveis nos supermercados. Eun acredita que, na Coreia, o vinho pode ser combinado com as estações, o clima e o género, com marcas como “gentleman’s wine”, por exemplo.
A harmonização “deve ser vista como parte do estilo de vida. Fui certa vez servido de Champagne durante uma experiência de compra numa loja de luxo em Hong Kong, o que achei uma ideia muito fresca”. Outra tendência de emparelhamento na Coreia do Sul é o apoio a celebridades, com vinhos associados a empresários e desportistas, visando o ganho de notoriedade, como o presidente do grupo Samsung, Lee, ou o famoso jogador de golfe Se-ri Park. Mas a harmonização entre comida e vinho tem potencial para expandir ainda mais o mercado de vinhos da Coreia do Sul, disse Eun. “Os coreanos são amantes de carne. A carne marinada e o churrasco coreano acompanham tintos tânicos e combinam bem com variedades como a Touriga Nacional”. A carne marinada precisa de vinho tinto estruturado para suportar a proteína e o sabor dos pratos coreanos, pesados, com molho de soja, acrescentou. “O lançamento do guia Michelin Seul aumentou o interesse nos prazeres gastronómicos e acredito que degustar menus com vinhos tornar-se-á cada vez mais popular na Coreia do Sul”, disse. Eun sugere a oferta de menus mistos de degustação que incluam tanto vinhos como soju (bebida popular na Coreia, com alto teor de álcool) para apresentar o vinho aos sul-coreanos que ainda não estão familiarizados.
À medida que os asiáticos amantes de comida e vinho tornam-se mais sofisticados nas suas escolhas, a promessa de um especialista em harmonizações já não é suficiente para atraí-los para eventos ou jantares. Agora, procuram experiências combinadas que juntem comida, vinho, decoração, entretenimento, artes e cultura, que possam compartilhar com amigos e publicar nas redes sociais. O truque para vingar na Ásia é não ficar preso às regras e convenções das harmonizações. Em vez disso, esqueça as regras, estimule todos os sentidos e ‘embrulhe’ a experiência com elementos complementares.

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