Muito Douro

Já quase tudo tem sido dito e escrito sobre a mais antiga Região Demarcada e regulamentada de vinhos do mundo. Com paisagem vinhateira classificada como Património da Humanidade, a brutalidade da beleza natural que combina montanha e rio foi de algum modo suavizada pela grande empreitada humana de construção de muros e socalcos que amparam vinhas, muitas em declives especialmente acentuados. 

Num cenário único, que tantos consideram o mais belo dos quadros das paisagens vinhateiras, em que a viticultura é tantas vezes exercida sob condições extremas (lembremo-nos do modo inigualável em que a vindima é ali realizada), uma nova geração de profissionais generalizou na região uma prática que, nas duas últimas décadas, se limitava a uma meia dúzia de rótulos: a produção de vinhos DOC. 

Boa parte da nova geração de enólogos responsável por mudar a face, para bem melhor, dos vinhos portugueses, ali continua a operar, bastando citar alguns nomes para logo o curioso por vinhos aquiescer. E por entre esse lote de nomes, quase todos enólogos que também se tornaram produtores, surge o de Jorge Moreira, que acaba de assinalar 20 anos de enologia. Gabamos-lhe o garbo dos vinhos Poeira e de ter melhorado, muito, os vinhos da Real Companhia Velha e da Quinta de la Rosa.

O equilíbrio, que vários defenderam não ser possível, entre a produção de vinhos do Porto e vinhos DOC é hoje uma realidade. Uns e outros alcançam um protagonismo assinalável nos grandes mercados e nas mais influentes publicações internacionais. Seduzem pelo que são, intrinsecamente, mas sobretudo – e muito – pelo que o Douro é, pela imagem mental que automaticamente os forasteiros constroem quando se pronuncia o nome da região. Mas, tal como a paisagem e os vinhos que a constituem, esta é uma região complexa, que importa promover e explicar convenientemente. 

Por isso, em boa hora o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto empreendeu a iniciativa “Port Wine Day”, que neste 2016 sublinhou que já lá vão 260 anos desde a demarcação da região. Um pretexto de lembrança, que move também especialistas nacionais e estrangeiros, a restauração, a hotelaria, a agenda mediática. Muito.
Quem, como eu, teve oportunidade de regressar ao Douro em dias de setembro, percebe facilmente como tanto mudou. Unidades de alojamento cheias, salas de prova repletas de curiosos, dezenas e dezenas a passearem-se pelo meio de vinhas e de adegas. Há problemas que persistem, claro que sim, mas Bordéus, Champagne e a Borgonha também os têm. Haja capacidade de os identificar e vontade de os solucionar. 

Quem, como eu, trabalhou no Douro nos anos 90, sabe que naquele tempo nada disso acontecia ou sequer se previa. O Douro conheceu uma revolução tranquila, pela qual todos os agentes que direta ou indiretamente intervêm na região são responsáveis. Haja esperança que esse espírito de inquietação se mantenha e que a essência da paisagem e dos vinhos se preserve. Eu, como tantos outros, quero um Douro bem vivo, com gente de todos os mundos, mas onde seja sempre possível respirar... e ouvir o silêncio. O Douro é muito e todos queremos muito o Douro.
 

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