Nos EUA, tudo de novo

Há apenas 50 anos, comprar vinho na América envolvia uma seleção a partir de uma lista de vinhos da Califórnia, França e Itália para além de, talvez, um doce Riesling alemão. Hoje, que mudança! Mesmo para um profissional do vinho, a vasta gama de opções disponíveis em lojas urbanas de vinho na América e nas cartas de vinho pode ser desconcertante. Em primeiro lugar, há um número extraordinário de vinhos de outros Estados, como Washington, Oregon, Nova Iorque e Virgínia. Mas, a seleção de vinhos internacionais cresceu também exponencialmente. Vemos vinhos de regiões até agora desconhecidas em França (como, por exemplo, Cote Roannais), mas também de países cuja vinificação melhorou significativamente e que identificaram os EUA como mercado-alvo. Croácia, República Checa, Peru, China, Ilhas Canárias (em Espanha) e Índia – apenas para citar alguns!
 
 
É claro que para que os vinhos desses países acrescentem um verdadeiro ponto diferenciador no mercado não podem ser simplesmente outro Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay ou Tempranillo. Neste sentido, para adicionar à diversidade, estamos a ver variedades que até mesmo especialistas do vinho nunca ouviram falar: Fetească Neagră, Freisa, Listan Negro, Nosiola, Pelaverga, Vitovska; novamente, apenas uma pequena amostra.
Mas isto é novo e inovador o suficiente? Claro que não; os vinhos necessitam de ser saborosos se vão ter sucesso de forma permanente. Para as pessoas que desejam explorar o mundo sem sair de casa, e para os consumidores interessados que procuram a diversidade nas opções de vinhos, nunca houve melhor momento. De facto, as lojas de vinho e os restaurantes estão a fazer uma declaração pessoal, tendo uma ampla lista de opções para assegurar que os consumidores não ficam cansados ou entediados e tenham sempre uma razão para voltar – para encontrar a “novidade das novidades”.
Então, o que terão estas “novas/antigas” variedades? Aqui está uma seleção de alguns dos mais saborosos e interessantes vinhos que estamos agora a ver.
 

Pelaverga é uma variedade tinta (tecnicamente conhecida como Pelaverga Piccolo) de Verduno, na região italiana do Piemonte. Os vinhos são leves e picantes, muitas vezes apimentados, com taninos leves mas firmes. Engarrafamentos mais tradicionais destacam o carácter mineral da casta e as notas de especiarias; as versões modernas destacam os frutos vermelhos e os frutos silvestres, com notas evidentes de especiarias e bases minerais. Castello di Verduno (provavelmente mais tradicional), e Fratelli Alessandria são alguns dos grandes produtores. G.B Burlotto’s Verduno Elatis rosé, com Pelaverga no blend, é um espetacularmente subtil e fresco rosé.
Freisa é supostamente uma das variedades mais antigas de Piemonte. Como o próprio nome sugere, exala um aroma vibrante a frutos vermelhos, nomeadamente morangos selvagens e maduros, e framboesas. Uma uva notavelmente tânica, com acidez relativamente alta, que pode beneficiar de alguns anos de envelhecimento em garrafa; não deixe a cor clara enganá-lo. Borgogno, Burlotto, Mascarello e Vajra são brilhantes exemplos.
Vitovska, uma uva branca da zona ocidental eslovena, junto à fronteira italiana, perto de Trieste, produz vinhos elegantes, mineralizados, texturizados e complexos. Os vinhos exportados para os EUA são secos, embora também sejam produzidos meio-secos. Alguns dos vinhos são elaborados com contacto prolongado com a pele, dando-lhes mais firmeza e textura. Aromáticos, com notas cítricas, marmelos, palha e pera; estes mesmos sabores presentes no palato, levando a um final crocante, ligeiramente azedo e picante. Os vinhos Vodopivec são particularmente notáveis.
Arménia, Canárias…
 
 
Areni é a mais emblemática variedade da Arménia, proporcionando vinhos tintos secos e doces de alta qualidade, capazes de longevidade considerável. Cultivados principalmente na província Vayots Dzor, a sul da Arménia, a gama inclui desde vinhos de corpo mediano a vinhos encorpados, sem falta de taninos; com notas de frutos silvestres, especiarias e um toque de fumo. Os vinhos de alta altitude de Zorik Gharibian (cultivados 1.300 metros acima do nível do mar), feitos com o apoio de Alberto Antonini, são elegantes, ambiciosos e complexos.
Kisi é uma casta branca da Geórgia, cultivada na parte oriental do país. Mais delicada e menos produtiva que o omnipresente Rkatsiteli, tem muito menos plantações, mesmo que seja considerada uma uva de qualidade superior. Relativamente suscetível à podridão, dá-se bem em zonas ventosas, como a localidade de Akhmeta, mais próxima dos ventos frios provenientes das montanhas caucasianas. Enquanto o Kisi é produzido tanto em inox como na qvevri (semelhante a uma talha), é através da última produção que é elaborado um vinho digno de envelhecimento, que realmente brilha. De cor âmbar dourada, texturizado e longo, sabores e aromas a mel, damascos secos, pera e pêssego seco são emoldurados com taninos firmes, que podem ir de rústicos a calcários ou a musculados. Vita Vinea, a família Dakishvili e Tchotiashvili são alguns dos notáveis produtores.
 

Listan Negro é a principal uva tinta indígena das Ilhas Canárias. Os solos vulcânicos da região são claramente evidentes nos vinhos, sejam tintos ou rosés, elaborados através de fermentação tradicional ou maceração carbónica. Bastante aromáticos, muitas vezes ligeiramente fumados mas bastante minerais, são muito característicos – especialmente o Los Bermejos rosé, que tem apenas peso e mineralidade suficientes para conduzir a um final longo e elegante. Alguns vinhos vêm demasiado carvalho novo, o que tende a obscurecer a singularidade da casta e a expressão do terroir.
 

Escusado será dizer que o surgimento destes vinhos é um bom prenúncio para os vinhos portugueses bem-feitos, de variedades autóctones. A promoção adequada e o apoio do mercado serão necessários para que os vinhos estabeleçam uma posição firme, mas o mercado dos EUA está, talvez, mais pronto que nunca para explorar variedades de uva que – mesmo que conhecidas no país de origem – pareçam novas e inovadoras para os consumidores mais aventureiros de hoje.
 
Artigo de opinião publicado no número 348, de Janeiro de 2018 | Revista de Vinhos
Partilhar
Voltar