Os vinhos ingleses

Atualmente, graças a verões mais quentes e a uma injeção massiva de capital, experiência e ambição, o panorama vínico inglês está transformado. Chardonnay e Pinot Noir substituíram Müller-Thurgau e Huxelrebee, e todos os vinhos mais admirados são elaborados à imagem de Champagne.

Foi o dia de final de verão mais magnífico em Inglaterra. Um céu azul brilhante com nuvens brancas e macias. Terrenos ondulantes e tranquilos pontuados por carvalhos antigos. Uma ‘village green’ (área aberta comum dentro de uma aldeia) com um posto de correios numa casinha de tijolo um pouco antiquada. No jardim, cuidadosamente tratado, os habitantes estavam sentados em mesas de madeira saboreando, ao sol, o café da manhã. O único indício de que nos encontrávamos no século XXI e não no início do século XX era o facto das manchetes dos jornais matinais mencionarem Donald Trump.

Estava de visita ao Windsor Great Park; aos 5.000 hectares de parque à volta do Castelo de Windsor; à casa de campo da rainha, a uma curta distância, a oeste, do Buckingham Palace – usada como terreno de caça por William ‘O Conquistador’ –; a uma zona de piqueniques criada pela rainha Vitória e agora supervisionada pelo duque de Edimburgo – que, como guarda-parque oficial, é responsável pelo limite de velocidade local de 60 quilómetros por hora, uma peculiaridade do príncipe Phillip.

Viera para ver evidências de um fenómeno inglês completamente moderno: uma vinha a ponto de lançar o primeiro engarrafamento. O vinho foi cultivado e produzido em Inglaterra na amena Idade Média; o "Domesday Book" lista 38 vinhas. Mas a era moderna da viticultura inglesa começa apenas em meados do século passado e tenho de confessar que, por duas ou três décadas, foi difícil ser particularmente entusiasta em relação ao vinho inglês. Havia demasiados produtores amadores. E demasiados vinhos que eram cruzamentos alemães, cujo único atributo era a capacidade de atingir um nível de açúcar fermentável em climas frios. Mas tudo isto mudou na década de 90 quando um casal americano, aconselhado por um enólogo francês, demonstrou o quão bom um vinho espumante Sussex, o Nyetimber, pode ser.

Atualmente, graças a este incentivo, a verões mais quentes e a uma injeção massiva de capital, experiência e ambição, o panorama vínico inglês está transformado. Chardonnay e Pinot Noir substituíram Müller-Thurgau e Huxelrebee, e todos os vinhos mais admirados são elaborados à imagem de Champagne, que constitui cerca de dois terços do que é atualmente produzido em Inglaterra, mais de 2.000 hectares de vinha. A maioria está no extremo sul do país mas, graças às alterações climáticas, a vinha está a avançar também para norte – e há muito que tem presença no País de Gales.

Houve quem se queixasse que o vinho espumante inglês é demasiado caro. Tende a valer a retalho 30€ a 40€ a garrafa, mais ou menos o mesmo que um dos champanhes baratos; talvez um reflexo da juventude relativa e dimensão reduzida da maioria das empresas de vinho inglesas. Garanto que não sou remotamente chauvinista, mas uma prova cega comparativa entre um espumante francês e um champanhe de valor semelhante em 2015, com alguns colegas provadores franceses, sugeriu que o melhor vinho espumante inglês – sempre enérgico, mas normalmente bem produzido e duradouro – pode mais do que manter a posição.

A maioria dos que investiram fortemente no vinho inglês vieram de fora do comércio do vinho, mas os financiadores mais proeminentes de espumante inglês, vindos de dentro, foram os Laithwaites, Tony e Barbara, que do zero criaram, em 1969, a maior empresa de venda de vinho por correspondência, com operações que dominam o mercado vínico do Reino Unido, operando também nos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Hong Kong. A Laithwaites tem vendido vinho espumante inglês desde a colheita de 1993 e desempenhou um papel importante no estabelecimento do produtor, agora proeminente, Ridgeview de Sussex, que criou a marca própria de espumante inglês da Laithwaites, South Ridge. Plantaram a própria pequena vinha pelos escritórios e centro de distribuição em Theale – perto de Reading, em Berkshire –, na viragem de século. Barbara tem o próprio projeto de vinha, Wyfold, perto de Henley, do qual cuida, juntamente com a co-proprietária Cherry Thompson. O filho Henry Laithwaite tem vinha própria – Harrow & Hope, perto de Marlow –  também no Vale do Tamisa, com a mulher, Kaye.

 

Uma realeza de projeto

 

Mas o projeto de vinha inglês mais próximo do coração do fundador Tony Laithwaite é o mais recente, em Windsor Great Park. Ele cresceu em Windsor e costumava brincar no parque enquanto criança. Lembra-se de sair para comprar doces naquela loja da aldeia. Foi ele que me cumprimentou naquela magnífica manhã soalheira, no topo da encosta de quatro hectares que foi plantada com Chardonnay, Pinot Noir e um pouco de Meunier, em 2011. O projeto surgiu quando Anne Linder de Laithwaites foi apaziguar um cliente insatisfeito que vivia nos terrenos do Castelo de Windsor, com uma garrafa de espumante Theale. Reparou que várias partes do Great Park pareciam promissores locais de vinha. Ele apresentou-a ao guarda-parque e o resto tornar-se-á história ou, aliás, história continuada, desde que Anne está a “escavar” nos arquivos, tendo encontrado registos de vinhas do século XII no Castelo de Windsor.

A Royal Farms está aparentemente muito interessada neste projeto vínico – ele acrescenta um produto particularmente interessante ao que podem vender na Windsor Farm Shop – e permitiu a Laithwaites escolher o local, uma encosta virada a sul, Mezel Hill, que vai desde algumas instalações agrícolas, que as Royals Farms prometeram renovar, até um belo lago rodeado de carvalhos velhos. Não foi de forma totalmente secreta que Tony ficou satisfeito pelo facto de, quando as vinhas de Henry foram devastadas pela geada, em abril de 2016, a “sua” vinha ter ficado intocada. No entanto, tem a parte inferior encharcada e as vinhas da parte inferior da encosta estão em estado crítico. Antes de iniciarem o cultivo, soube que enviaram amostras de solo para um laboratório em Champagne, sem divulgarem a origem, e obtiveram “luz verde” no sentido de que o mesmo seria apropriado para a produção de espumante. O meu colega “Master of Wine” e especialista em vinho inglês, Stephen Skelton, foi contratado para aconselhar acerca das plantações. Sugeriu drenar algumas, mas estavam com alguma pressa. Acabou por ser uma das plantações de maior densidade no país, com 6.500 videiras por hectare, 55% Chardonnay. 

Quando as primeiras uvas amadureceram, alguns cachos de amostra foram enviados para Balmoral, na Escócia, onde a rainha se encontrava na habitual pausa de final de verão. E Tony teve de tomar chá no Castelo de Windsor com a rainha e o duque, que proporcionaram uma das imagens mais apreciadas do seu iPhone. “Olhem – lá está ela a rir e a coçar as suas costas!” (as pessoas ficam sempre impressionadas pelo facto de as realezas serem humanos).

Das menos de 2.000 garrafas da primeira colheita, 2013, a maioria já foi vendida (por 41€ a garrafa), através da Laithwaites, do “Sunday Times” Wine Club e da Windsor Farm Shop, mas estou atualmente a dar tudo, como membro do Royal Household Wine Committee, no sentido de garantir que algum deste muito respeitável e delicado vinho, produzido na vitivinícola de Ridgeview, vá encontrar caminho até à adega da rainha.

 

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