A Oriente

Muito de novo

 
Marc Barros

Marc Barros

Um vendedor de vinhos na China pode também vender tablets, tapetes ou qualquer outro produto. Mas por pouco que possa perceber de vinho, vende-o. E, por aqui, um nicho pode significar muitos milhões. Hong Kong é um centro nevrálgico de operações, livre de impostos à importação de vinhos, importância que algumas empresas portuguesas já captaram ao ponto de ali instalarem em permanência forças próprias de vendas. A Revista de Vinhos – A Essência do Vinho acompanhou a mais recente edição da “Hong Kong International Wine & Spirits Fair”, um dos mais importantes eventos anuais de vinho do continente asiático.

 

Para muitos, a Ásia funciona como uma espécie de nova Meca do vinho. Não ainda pela qualidade do vinho que por ali vai sendo produzido em volume cada vez maior, mas sobretudo pelo mercado gigante que tem constituído para todos os vinhos do mundo. Hong-Kong (HK) assume nesse contexto um posicionamento fulcral, funcionando em larga medida como um entreposto comercial na região, muito em particular para a imensa China Continental.

Na esfera do vinho, no topo dos argumentos para se afirmar no eixo asiático está o facto de terem sido abolidos, em fevereiro de 2008, todos e quaisquer impostos e taxas administrativas. Se só por si falamos de uma economia com mais de 7,1 milhões de habitantes, o interesse está no “pormaior” do privilégio de facilidades de comércio sem par com a China Continental, cuja população está estimada em quase 1,4 mil milhões de habitantes (o equivalente a cerca de 20% do total da população mundial).

Muito provavelmente não haveria produção de vinho suficiente se todos os chineses fossem consumidores ávidos. Consomem cada vez mais produtos importados, encantam-se com as grandes marcas “made in” Europe e USA, mas estão ainda numa fase iniciática de consumo de vinho. Mesmo em vários dos restaurantes mais sofisticados deparámo-nos com pouquíssimas garrafas de vinho à mesa, embora numa economia de tantos milhões de potenciais consumidores seja fácil perceber que basta uma pequeníssima franja deles tornar-se apreciadora regular de vinhos para isso representar um negócio gigante.

França e Itália, os “suspeitos do costume”, partem claramente à frente. No primeiro caso, a preferência geral é avassaladora, a ponto de influenciar a nomenclatura, rotulagem e comunicação das já dezenas de produtores chineses de vinhos, que exploram parte dos mais de 165.000 hectares de vinhas. A frieza dos números desmente quem ainda possa duvidar: a China já figura no “top 5” dos maiores produtores de vinho do mundo e já em 2013 superava a França como país de maior consumo de vinho tinto – 1,86 mil milhões de garrafas, à frente da França e da Itália. O consumo per capita mantém-se baixo, nos 1,3 litros/ano, face aos 51,9 lt. da França. Mas são milhões, muitos milhões…

Provar vinho chinês obriga-nos a ter espírito aberto e compreensão suplementar. Esmagadoramente recente no mercado, a generalidade recorre a castas francesas, como o Syrah, Cabernet Sauvingon, Chardonnay e outras que tais. Há brancos, rosados, tintos e até espumantes ou a Chandon não tivesse já chegado à “mainland”. A larga maioria dos vinhos tem doses substanciais de açúcar, adaptando-se ao gosto chinês. Os preços praticados por garrafa parecem algo inflacionados, especialmente nos vinhos com preços médios de 20€. As imagens promocionais, os vídeos, as brochuras, o lettering, os rótulos… rapidamente percebemos que a inspiração é francesa, incluindo o conceito château. Apesar dos vários hectares de vinhas que estão a ser plantados – especialmente nas zonas frias do Norte da China, onde no inverno as plantas têm quase que ficar escondidas do olhar, tão protegidas devem estar das temperaturas gélidas, muita da matéria-prima é importada de outros países.

Do lado da matéria humana, enólogos ocidentais prestam consultorias a muitos dos projetos chineses, tal como em sentido contrário são cada vez mais os chineses a apostar no negócio do vinho em países como a França. Em Bordéus conta-se já uma centena de châteaux em mãos de investidores chineses. E nos circuitos “in” do sul da China, em HK e em Macau, há a abertura de muitas garrafas de champanhe.

O negócio do vinho, tal como a economia, globalizou-se. Embora no último par de anos tenhamos assistido a um ligeiro abrandamento no crescimento da economia chinesa, as perspetivas continuam a ser animadoras, tanto mais quando confrontadas com a deprimente realidade europeia nesse âmbito. Não admira, portanto, que a China continue a ser apontada como uma prioridade, um mercado de oportunidades sem fim e através do qual muitos châteaux, e não só, se têm – desculpem a linguagem corriqueira – safado. E para países como Portugal?...

 

País convidado

 

De acordo com dados fornecidos pela ViniPortugal, em 2014 o nosso país exportou 9,5 milhões de euros de vinho para a China, 6,2 milhões para Macau, 5,3 milhões para o Japão e 2,2 milhões para HK. No final do primeiro semestre deste ano verificava-se um crescimento entusiasmante, com uma variação homóloga positiva de 58,2% em valor de exportações para a China, subida de 6,7% para o Japão e aumento em volume para Macau e HK.

Parecendo apostado em reforçar a posição crescente que tem vindo a conquistar no mercado asiático, Portugal foi em novembro o país homenageado na “Hong Kong International Wine & Spirits Fair”.

Ocupando posição central num dos mais movimentados pavilhões do certame, a brigada nacional apresentou-se com mais de 500 vinhos em exposição, de cerca de meia centena de produtores. Por toda a área de exposição, e no material fornecido pela organização à Imprensa internacional, eram várias as referências a Portugal, igualmente acentuadas em desenhos inspirados na azulejaria portuguesa. Nada como jogar em casa a tantas milhas de distância.

Do programa oficial constaram ainda 12 seminários sobre vinhos portugueses e um jantar de gala oferecido por Portugal a 300 convidados – jornalistas asiáticos e ocidentais, empresários e importadores locais. Nuno Vale, diretor de marketing da ViniPortugal, liderou a comitiva, que contou ainda a presença de Vítor Sereno, Cônsul de Portugal em HK e Macau.

A feira esteve de portas abertas durante três dias. De acordo com a organização estiverem presentes mais de 20.000 compradores de 75 países, um crescimento de 2,4% face à edição anterior. Se os dois primeiros dias foram reservados aos profissionais, sábado, último dia, a feira abriu-se aos consumidores, 30.000 de acordo com os números difundidos. Representados no certame, 32 países e regiões, num total superior a um milhar de expositores.

“Não temos uma história muito grande mas temos tido um crescimento assinalável. Surgimos no momento certo, em 2008, quando o governo de HK decretou o fim dos impostos para a importação de vinhos”, diz-nos Sophia Chong, diretora assistente do HKTDC – Hong Kong Trade Development Council.

Após o sucesso da primeira edição, com 8.000 visitantes, perceberam que a abertura do evento ao público consumidor projetaria a iniciativa para um outro patamar. Além disso, esse contacto ajudou a reforçar a confiança dos expositores, que mais facilmente começaram a captar os gostos e tendências de quem acaba por adquirir vinho.

“Em HK não temos vinhas mas somos fortes no negócio”. A frase é lapidar e ajuda a explicar o sentimento que por aqui se vive. Cientes da localização geográfica estratégica e das benesses de um regime especial, HK sabe que reúne todas as condições para continuar a crescer.

Na abertura da “Hong Kong International Wine & Spirits Fair”, o governo de HK anunciou uma nova medida que reforçará ainda mais o posicionamento no mundo do vinho. Estão a ser implementados procedimentos de simplificação logística para levar os vinhos até às cidades do Norte da China. Por isso, os próximos números que nos são comunicados não admiram totalmente: entre 2013 e 2014, o aumento das exportações de vinho a partir de Hong Kong fora de 52%. Nos primeiros nove meses deste ano já havia superado os 100%. E mais de 90% dessas exportações têm como destino a China continental.

“Temos percebido as tendências e a demanda crescente por novos produtos. Por exemplo, o whisky japonês tem suscitado cada vez mais interesse e a presença deles na feira tem sido cada vez maior”, observa Sophia. De facto, por aqui a realidade faz-se de números. De grandes números.

 

A "Master" Debra


Cresceu em Sonoma, Califórnia, mas mudou-se há 30 anos para Hong Kong, acompanhando na altura o percurso profissional do marido. Numa realidade e cultura diferentes acabaria por se interessar cada vez mais por vinhos, a ponto de ter sido a terceira “Master of Wine” (MW) (o título máximo a que um especialista em vinhos pode almejar) da Ásia – uma distinção atingida em 2008, sendo que neste momento há um total de cinco MW: dois em Hong Kong, Debra Meiburg e Jeannie Cho Lee; outros tantos em Singapura, Annette Scarfe e Ying Tan; e um no Japão, Kenichi Ohashi. Cedo se apercebeu que tudo estava por fazer em matéria de formação, aconselhamento, consultoria de vinhos. E rapidamente notou que poderia ser bem-sucedida nessas áreas, liderando neste momento uma equipa que presta serviços de consultoria de imagem e comunicação, formação e aconselhamento.

Reconhece que o vinho é ainda um produto de nicho em HK, mas esse nicho está a alargar-se cada vez mais. Aconselha, como o fez num dos workshops que acompanhamos, que quem chega de novo ao mercado procure perceber a mentalidade chinesa e a de HK, captando hábitos culturais e formas de estar locais. Analisa o mercado como estando num processo de maturação, sendo ainda conservador, com resistências generalizadas dos consumidores a experimentar o que há de novo. “Os verdadeiros negócios são tratados nos restaurantes, à mesa de um almoço ou jantar. As reuniões em gabinetes são menos produtivas e conclusivas”, alerta.

“É muito importante a reciprocidade e o respeito”, sublinha perante uma sala com alguns novos agentes no mercado, que procuram entender as melhores  abordagens que permitam a concretização de negócios.

A conferência “Wine in China – Hong Kong 2015” decorreu na véspera da abertura ao público da “Hong Kong International Wine & Spirits Fair”. De um modo muito informal, Debra reuniu num só dia vários especialistas em vinho, comunicação, marketing e novas tendências, conhecedores do mercado chinês que se revezaram em vários workshops subordinados a diferentes temáticas. Sem complicações, os intervalos eram aproveitados para estabelecimento e troca de contactos, esclarecimentos de dúvidas pontuais, puro “networking”. Questionada pela RV a pronunciar-se sobre vinhos portugueses, admite que não os conhece profundamente e aconselha a que continue a ser empreendido um esforço contínuo de promoção e convite à descoberta. Dá o exemplo dos Douro Boys como possível modelo de conjugação de esforços a ser seguido por outros produtores. Quanto a preferências pessoais, confessa-se apaixonada por França e Itália, vinhos bordaleses e os Barolo em particular. De sorriso aberto, movimenta-se no mundo do vinho em HK como peixe na água, sendo presença regular como especialista convidada em vários eventos e cerimónias. Soma já seis livros publicados.

 

Duas estrelas


É sempre reconfortante estar no outro lado do mundo e perceber um cuidado especial na arte de receber. Com os cicerones Terry Wong e Wanto Li, que em nome do governo de Hong Kong acompanharam a imprensa internacional convidada para esta edição da “Hong Kong International Wine & Spirits Fair”, conhecemos o restaurante Ming Court, espaço que reinterpreta a cozinha cantonesa de forma superior, premiado em novembro com a atribuição da segunda estrela pelo “Guia Michelin”.

À criatividade do chefe Mango Tsang junta-se um cuidado muito especial com o vinho – copos e serviço cuidados, temperaturas adequadas, garrafeira climatizada e à vista, logo à entrada do espaço. Aliás, este foi o primeiro restaurante de HK a ter uma garrafeira própria, atualmente com mais de 400 referências e serviço de sommelier.

Desenvolveu ainda uma aplicação eletrónica que permite aos clientes do restaurante aceder de uma forma divertida e intuitiva, através de tablet, à carta de vinhos, sendo que uma das particularidades reside na sugestão de várias harmonizações de vinhos e comida cantonesa, o que nem sempre é fácil dada a tremenda diversidade de ingredientes, especiarias, caldos e molhos que um só prato pode apresentar. E como que se estivéssemos perante a avaliação de um filme por um crítico de cinema, à medida que o cliente vai experimentando a seleção de um determinado vinho vão surgindo estrelas, num sistema de 1 a 5, que prenunciam uma escolha inadequada, arriscada ou inteligente.

A carta lista uma dúzia de vinhos portugueses: nos brancos, Portal do Fidalgo 2008 (49€); nos tintos, Alabastro 2008 (40€), Quinta de Saes (50€), Quinta do Portal Reserva 2005 (56€), Meandro 2008 (56€), Redoma 2005 (60€), Quinta da Gaivosa 2003 (78€), Mouchão 2006 (79€), Marquesa do Cadaval 2005 (93€) e Quinta do Vale Meão 2008 (120€); nos Vinhos do Porto, Niepoort Dry White Port (50€) e Dow´s Vintage 2007 (294€).

O nosso almoço foi simpaticamente acompanhado por vinhos portugueses e as propostas gastronómicas que nos chegaram à mesa foram de grande nível, relevando uma roupagem contemporânea e sofisticada da rica gastronomia cantonesa. Sem dúvida, um local de recomendação elevada. 

 

Lojas de sucesso


Num continente como a Ásia, num país como a China, numa Cidade-Estado como Hong Kong, o vinho é muitas vezes encarado como algo glamoroso mas simultaneamente intimidante. Dando-lhe o devido brilho e sabendo-o comunicar corretamente, a rede de lojas Watson’s Wine tem feito furor. São já 30 lojas em HK e duas em Macau, sendo que visitamos a que está inserida num dos mais exclusivos supermercados gourmet de HK.

Jeremy Stockman é o diretor-geral desta cadeia lojista. Britânico, esteve alguns anos na Austrália e vive nos últimos cinco anos uma nova realidade: “Desde que foram abolidas as taxas, o mercado de HK tornou-se bastante maduro. Os vinhos mais solicitados aqui nas lojas são os franceses. Austrália e outros países surgem a seguir. No caso dos vinhos portugueses, sobretudo Vinhos do Porto”, conta-nos.

É também com ele que percebemos que os vinhos de Bordéus e da Borgonha lideram as preferências dos clientes, entre a França dominante. Os vinhos na faixa de preço dos 40€ são os mais requisitados e o perfil de quem frequenta as lojas está, lentamente, a alterar-se. “Procuravam sobretudo vinhos com Cabernet Sauvignon, com taninos densos, que nem sempre conseguem a melhor combinação com a comida cantonesa. Atualmente procuram vinhos mais frutados, mais balanceados”, analisa.

À venda junta-se a formação. Por ano, a Watson’s Wine promove mais de uma centena de jantares vínicos e 150 master classes. E sempre à cata de novidades. “Precisamos de mais produtores italianos e portugueses”, confessa. Finda a conversa percorremos prateleira a prateleira. Nos Vinhos do Porto, Taylor’s, Porto Barros, Warre´s, Fonseca e Croft. Nos vinhos tranquilos, Quinta do Portal Reserva 2009 (24€) e Quinta do Vallado Touriga Nacional 2012 (25€)… na secção que anunciava “Espanha e Itália”. No total, a rede de lojas tem em armazém mais de 8.000 referências!

 

Tome nota…


Hong Kong está na Ásia… como poderia estar nos Estados Unidos. É uma Cidade-Estado cosmopolita, fervilhante, que consegue combinar a influência ocidental (trata-se de uma ex-colónia britânica) com hábitos chineses. Beneficiando de um regime administrativo especial, apesar de ser território chinês funciona como uma plataforma de negócios empolgante. O ritmo é forte e pode para muitos ser até algo stressante. Com uma acentuada componente portuária, é em redor do distrito central que mais sentimos o modo chinês de viver, dos mercados de rua às lojas e ruas cheias de gente.

A cozinha tradicional cantonesa também habita sobretudo por lá. No centro polvilham gigantescos arranha-céus, hotéis cinco estrelas, centros comerciais com as grandes marcas internacionais. Para o padrão de vida europeu, deslocar-se de táxi é barato e usar transportes públicos também, com a vantagem suplementar de uma rede funcional (a moeda oficial é o Dólar de HK; 1 dólar corresponde a cerca de 0,11€).

Macau, sempre sentimental para nós, portugueses, está à distância de uma hora, por ferry.

Para quem aprecia tecnologia encontra boas oportunidades mas nunca é demais recomendar apenas compras em lojas oficiais.A melhor vista panorâmica sobre a cidade está ao alcance através de funicular rumo ao The Peak ou tentando subir ao Sky 100. A “movida” está concentrada nas zonas de Lan Kwai Fong e Wan Chai. Os restaurantes estão disponíveis para jantar das 19h às 23h, sendo que o circuito noctívago permite diversão pela madrugada. Num restaurante ou bar comuns prepare-se para ficar coladinho à mesa do lado, pois espaço disponível não abunda e gente não falta – o preço do metro quadrado para quem vive num apartamento na zona central de HK ajuda a perceber melhor o porquê da preciosidade do espaço.

Andar na rua é extremamente seguro e boa parte da população consegue falar inglês. De clima subtropical, de maio a agosto encontra temperaturas muito quentes e humidade em torno dos 100%. Respirará bem melhor a partir de outubro.