Torre de Palma Wine Hotel

Alentejo

 
Célia Lourenço

Célia Lourenço

O monte alentejano de Torre de Palma, muito próximo de Monforte, tem pergaminhos antigos. Em 1947, um lavrador descobre por acaso uma villa romana quando o ferro do arado fica preso numa pedra. Marco no contexto da romanização da Península Ibérica, sabe-se hoje que a villa teve atividade durante 500 anos no início da nossa era. Este facto terá tido não só a ver com a excelência dos terrenos agrícolas e a abundância da água, mas também com a localização estratégica na via romana que ligava Mérida a Olissipo (Lisboa).

 

Com as escavações arqueológicas que têm vindo a ser levadas a cabo ao longo de décadas, não são só as pedras e os mosaicos que ficam a descoberto. É também todo o modo de vida romano que é revelado. “Isso conhecemos dos livros de história”, poderão alguns dizer. Mas o que é fascinante é desvendar com detalhe a forma de viver de uma família. De uma família romana na Lusitânia. Os Basilii.

Família abastada que vivia da agricultura, tinha 35 hectares de vinha, fazia vinho e azeite, produzia cereais, tinha animais e escravos. A dimensão e complexidade das construções demonstram não só capacidade técnica avançada, mas também um luxo e esplendor que associamos à vida palaciana.

De grande importância são os mosaicos que revestem os pavimentos interiores, não só pela qualidade artística, mas também pela contribuição que vieram dar ao conhecimento da vida quotidiana de quem habitava Torre de Palma. Os principais painéis foram retirados do local e estão atualmente no museu de Arqueologia, em Lisboa. Para a nossa história interessam-nos dois. O “Triunfo de Baco”, alegoria ao vinho como alegria de viver e mais uma prova da importância da cultura da vinha e do vinho. E um painel com diversas representações equestres do tipo do cavalo lusitano, sendo esta a primeira referência a este animal na Península Ibérica. Crê-se que aqui se encontram as origens do Puro-Sangue Lusitano, nestes cavalos que eram usados para as grandes deslocações dos habitantes de Torre de Palma. A importância destes animais é tal que a imagem de cada um surge acompanhada do nome respetivo (parecendo a fonética saída de um livro do Asterix… Hibervs, Ienobatis ou Inacvs!).

Existem indícios de forte atividade económica e de comércio intenso, no qual os produtos da propriedade eram vendidos em cidades distantes (foi encontrada uma quantidade muito significativa de moeda cunhada por Roma).

Entretanto, no século V a vila foi abandonada e conheceu rapidamente destruição e ruína. Já no século XIII existem registos que neste local se estabeleceu a Ordem de Avis e, em 1338, a propriedade, com a localização que hoje conhecemos, passa para as mãos de Pedro Afonso, filho bastardo de D. Dinis. A preferência por este filho era conhecida, tendo sido criado pela própria Rainha e sendo o meio irmão, o Rei D. Afonso IV, a oferecer-lhe as terras de Torre de Palma. A propriedade fica na Casa Real Portuguesa durante cerca de 500 anos (mais um ciclo de 500 anos…) e, em pleno século XIX, é vendida a um comerciante abastado da capital que a arrenda à família Costa Pinto. 

A exploração agrícola centra-se sobretudo nos cereais, azeite e gado. O que fica desse período é a memória de prosperidade e justiça no pagamento do trabalho.

Com o século XX chegamos inevitavelmente à Reforma Agrária. No final de 1973, a família Costa Pinto sai da propriedade e com o 25 de abril de 1974 esta é ocupada, tornando-se na primeira unidade coletiva de produção no Alentejo. A ocupação dura vários anos e a decadência vai-se acentuando, até que por fim a produção de cereais, a cortiça e a produção de gado ficam completamente extintas.

E temos finalmente a altura em que, completamente ao abandono, o monte de Torre de Palma termina um processo judicial que durou 20 anos no tribunal europeu e pode ser vendido.

Paulo e Isabel Barradas Rebelo, um casal de farmacêuticos bem-sucedidos, ele fundador e presidente da Blue Pharma, ela proprietária e diretora técnica de uma farmácia em Coimbra, procuravam uma propriedade no Alentejo. O aspeto triste e abandonado das construções da Torre de Palma não os demoveu e o estudo da história foi revelador do valor daquela terra. Não só a villa romana era inspiradora, como o romance medieval que envolve D. Dinis, a Rainha Santa e a herdade eram demasiado íntimos para eles. 

Isabel e Paulo Barradas conheceram-se em Coimbra (cuja padroeira é a Rainha Santa Isabel), formaram-se na universidade de Coimbra (fundada por D. Dinis) e, para que não restassem dúvidas que estavam no sítio certo, tudo acontecia na zona do Alentejo que pretendiam, uma vez que procuravam fixar-se não longe da terra da mãe de Paulo, Santa Eulália.

A 21 de maio de 2014 é inaugurado o Torre de Palma Wine Hotel. Em 2015 é reconhecido como o “Melhor Turismo Rural Português” pelo guia “Boa Cama Boa Mesa” e motivo da atenção do “New York Times” e da “National Geographic”.

 

Os detalhes do hotel

 

A propriedade, com cerca 15 hectares, passou por um processo criativo que juntou a arquitetura de João Mendes Ribeiro ao brainstorming dos novos proprietários. O saber acumulado de séculos e a experiência de extrair sustento daquelas terras foi tão comprovadamente bem-sucedido que a atitude mais inteligente era aprender com ela.

Foi lançado um concurso de ideias que acompanhou um longo trabalho de investigação. Ao mesmo tempo, Isabel Barradas voltou aos bancos da escola e tirou o curso de Gestão Hoteleira.

O monte, pela tipologia das construções, pela existência de um forno comunitário, pela capela e pelo que se percebia terem sido estruturas de uso partilhado, era claramente um micro-cosmos que se pretendia não perder. 

O casal de farmacêuticos queria também que o modo de vida romano fosse o modelo, até porque muitos dos interesses demonstrados pela família Basilii eram comuns à família Barradas. Apenas os separam dois milénios e isso não chega para contrariar o gosto por vinho e cavalos.

O programa do hotel de cinco estrelas começava a nascer e, além de quartos (10), suites (8) e suite master (1), do necessário restaurante, receção, bar e demais apoios a uma unidade hoteleira, o SPA tornou-se indispensável (como as termas romanas). Torre de Palma também iria produzir vinho e azeite. Para completar a relação com os primeiros habitantes, teria cavalos lusitanos.

O arquiteto João Mendes Ribeiro (com inúmeros prémios de arquitetura) encontrou soluções que permitiram adaptar os espaços às novas exigências, mantendo a estética do palacete do século XIX e a importância da torre enquanto elemento definidor do espaço do monte. Os edifícios foram recuperados usando materiais e técnicas tradicionais e respeitando as volumetrias existentes. As edificações que circundam a casa principal foram também elas mantidas e as casas individuais, em banda, onde viviam os trabalhadores, foram transformadas em quartos. É particularmente bonita toda a plasticidade da superfície branca que define esta fachada, com a horizontalidade de volumes a ser interrompida por chaminés de proporções ditadas pela natureza rural das construções.

Houve também que criar novos edifícios. A opção foi seguir os volumes existentes, encontrar uma solução de fachadas com linguagem idêntica, mas não deixar que edifícios contemporâneos fossem pastiche ou colagens de outros com história própria. Desta forma, a cobertura surge como elemento diferenciador, sendo usado um material completamente distinto. Enquanto as construções recuperadas têm telhas de barro, as novas coberturas são compostas por painéis brancos, de aspeto moderno e depurado.

No interior descobre-se uma atmosfera de leveza e tranquilidade. A decoração ficou totalmente a cargo de Rosarinho Gabriel que, do atelier “Coisas da Terras” (Sintra), juntou peças étnicas a objetos tradicionais e a obras de arte, numa mistura eclética, onde impera o branco e tons mais neutros nas zonas comuns e cores mais fortes nos quartos. Ficou também a cargo da decoradora a recuperação de peças de mobiliário rústico alentejano, como cadeiras de palhinha e móveis pintados, da coleção da mãe de Paulo, Maria Teresa.

Todos os quartos são diferentes e têm um tema. Enquanto as “casinhas” evocam o Alentejo rural, os quartos que se situam na zona das antigas oficinas pretendem não esquecer a história ligada ao rei, rainha e príncipes. Esta ala, designada por “loft”, enquadra quartos comunicantes, solução que pode ser muito útil para famílias numerosas. Na casa principal ficam os quartos de decoração mais clássica. Por último, a “suite master” tem localização exclusiva, com vista para a piscina e picadeiro. Aqui, o tema são as ruínas romanas. 

No principal terreiro do monte, entrada do hotel, está uma pequena capela. Uma construção muito simples, cuja singeleza se estende ao interior. Aí impressiona a imagem de Cristo, peça em cortiça do escultor Nuno Vasa.

No SPA, uma piscina interior de atmosfera nórdica junta-se às salas de tratamento, sauna e banho turco. Já a piscina exterior, entre o olival e as vinhas, acontece num cenário quente e mediterrânico. Um caminho em deck conduz-nos desde a casa principal… genial o ponto de fuga no horizonte da planície. 

O restaurante Basilii está a cargo do jovem chefe alentejano Filipe Ramalho. No currículo conta já com cozinhas como o 100 Maneiras, de Ljubomir Stanisic (Lisboa) e o Hotel Grande Real Villa Itália (Cascais). A carta é diversificada, discorrendo sobre o próprio receituário da região. Os produtos resultam de parcerias com produtores locais e provêm da horta biológica, olivais e adega do hotel. O pão é de uma padaria de Vaiamonte, a qual produz dois tipos exclusivos para o restaurante, a partir de criações do chefe.

O forno comunitário foi mantido (contíguo às “casinhas alentejanas”) e existem workshops de pão, dados pelo padeiro que fornece o restaurante. A “Casa do Forno” é também um espaço polivalente, muitas vezes usado como “privée” para refeições. Ao lado, temos a “Sala dos Relógios”, que pode servir como sala de reuniões ou de pequenas conferências (existe um outro espaço com uma área mais generosa para este propósito), mas que está especialmente vocacionada para a projeção de cinema.

E não poderíamos deixar de falar dos cavalos Lusitanos. A história é antiga, Paulo Barradas tem tradição familiar e a proximidade com a Coudelaria de Alter do Chão não é uma coincidência. Torre de Palma tem, assim, cavalariças e picadeiro, está inscrita na Federação Equestre Portuguesa e participa em provas de saltos, dressage e volteio. Aos hóspedes, é dada a oportunidade de ter aulas e passear com estes magníficos animais.

 

Os vinhos Torre de Palma

 

Isabel Rebelo fala da Torre de Palma como um projeto de assinaturas. E a primeira que refere é Luís Duarte (prémio “Enólogo do Ano 2014” atribuído pela WINE). O enólogo visitou a propriedade ainda em ruínas e acreditou desde esse primeiro momento.

Não havia vestígios de vinha, apenas oliveiras e em 2007/2008 são plantados 8 hectares de vinha. A escolha das castas foi de Luís Duarte e recaiu sobre variedades portuguesas. Paulo e Isabel concordaram por considerarem que havia uma coerência com todo o projeto. Se podiam ter apenas castas nacionais, preferiam.

Nas tintas vamos encontrar Alicante Bouschet, Aragonês, Touriga Nacional e Tinta Miúda, enquanto nas brancas foram escolhidas Antão Vaz, Arinto e Alvarinho. Os solos são franco-argilosos e a manutenção da vinha faz-se de acordo com um plano de produção integrada.

A proximidade entre as vinhas e o hotel é muito grande. A vinha é presença íntima, faz parte do espírito do sítio. Existe sempre um percurso, a vista de uma janela ou das espreguiçadeiras da piscina que nos lembram essa existência. A vinha está mesmo a “dois passos” dos edifícios.

Quando visitámos Torre de Palma, a adega, que reflete o método tradicional, estava a ser terminada e iria receber já as uvas da vindima que se iniciaria em poucos dias. Quanto à sala de estágio, estava vazia. Concluída, à espera das barricas. Como uma catedral de betão na qual temos quase a tentação de falar baixo… Neste edifício, o desenho do arquiteto João Mendes Ribeiro é rigoroso, quase pragmático, despido de tudo o que é acessório. Menos é mais.

Torre de Palma tem dois vinhos, um branco e um tinto. Para ambos é usada barrica de carvalho francês e, entre os dois, são usadas todas as castas existentes. A proximidade da Serra de São Mamede é uma influência que marca a região e é também sentida no perfil dos vinhos de Torre de Palma. Essa marca traduz-se numa frescura que, sem dúvida, torna os vinhos muito mais agradáveis. 

O branco 2015 resulta, então, do lote de Antão Vaz, Arinto e Alvarinho, fermentou em madeira e teve um estádio de seis meses em barrica, com bâttonage. É um vinho untuoso, muito aromático e prazenteiro. Dele ficamos com uma memória de elegância.

O tinto da colheita 2012 é poderoso, com aromas mentolados e muito amplo na boca. Teve um estágio de 12 meses em carvalho francês e as castas que o compõem são Alicante Bouschet, Aragonês, Touriga Nacional e Tinta Miúda. 

Os vinhos estão no mercado, sendo obviamente possível encontrá-los na loja do hotel, onde também estão o azeite e o mel de Torre de Palma, a par de vários outros produtos da região.

Torre de Palma teve a ambição de contrariar o fim que parecia inevitável. E conseguiu. Prova disso são os dois anos de enorme sucesso e a alegria e profissionalismo com que somos recebidos.

No final da visita, subimos à torre. E, do alto da Torre de Palma, percebemos que se honrou a memória de um lugar.

 

PROGRAMAS E ATIVIDADES DO HOTEL

 

Equitação / passeios, aulas de volteio e sela, raides equestres em cavalos puro-sangue lusitano.

Workshops de cavalos para crianças / escovar e alimentar os animais, atividades seguidas de um passeio no picadeiro.

Passeios de balão.

Birdwatching / planícies de Monforte e albufeira do Caia.

SPA / com tratamentos e massagens (também de vinoterapia), sauna, turco e piscina interior.

Piqueniques / com o cesto preparado com a refeição.

Observação de estrelas.

Canoagem / (apenas na altura do ano em que os caudais dos ribeiros estão mais calmos).

Falcoaria / passeio, pelo campo, com falcões.

Provas de vinhos / visita à adega e prova dos vinhos da herdade. A prova pode ser ao por do sol, na Torre.

Workshops de gastronomia, doçaria conventual, agricultura, pão.

Vindimas / Visita à adega e cave de estágio, segue-se a mesa de escolha, pisa a pé, a prova de vinhos e almoço. Cada participante recebe uma garrafa de vinho.

 


Em redor…

 

Monforte / Com as ruínas do antigo castelo medieval, a ponte romana, a igreja da Madalena, onde se encontra o Museu Municipal.

Elvas / A cerca de 35 km, na fronteira. É a cidade mais fortificada da Europa, sendo as muralhas seiscentistas Património Mundial (UNESCO). Imperdível a coleção de António Cachola, conjunto único de artistas contemporâneos portugueses no Museu de Arte Contemporânea de Elvas.

Portalegre / A cerca de 30 km. A não perder o grande conjunto de edifícios barrocos e o Museu da Tapeçaria.

Restaurantes / Tintos e Petiscos (Vaiamonte), São Rosas (Estremoz), Tomba Lobos (Portalegre).

Compras / Mercado de Estremoz (a cerca de 30 km), todos os sábados, de manhã, no Rossio; Panificadora Calado (Vaiamonte), fornecedora do pão de Torre de Palma.

Coudelaria de Alter do Chão (a cerca de 30 km), fundada em 1748 por D. João V, criadora e guardiã do Cavalo Lusitano.

Centro de Reprodução do Rafeiro Alentejano e do Cão Serra de Aires (Monforte).