Dirk e a chegada de um novo tempo

Niepoort

Fotografia: Fabrice Demoulin
José João Santos

José João Santos

Há um novo tempo na Niepoort. Mantém-se a inquietude e a liberdade de pensamento, sublinha-se a ousadia de fazer diferente, reforça-se a necessidade de continuar a trilhar caminho próprio. Este novo tempo é de afetos, de início de efetivas cumplicidades com a sexta geração, de abraços sinceros aos amigos de sempre, de olhar Portugal ao microscópio.

 

 

No dia do 57º aniversário de Dirk Niepoort, a Revista de Vinhos provou o novo Porto Vintage 2019 e ainda o mais recente fruto da parceria com o chefe de cozinha Ljubomir Stanisic. Estreamos o que será uma mesa de privilegiados, desvendamos um clube privado de vinhos e um enoturismo que darão que falar e captamos o momento da serenidade de quem nos garante que continuará a pensar fora da caixa. Mas, vamos por partes.
A reportagem fora agendada para 11 de março. À chegada aos vetustos armazéns da Niepoort, na Rua de Serpa Pinto, perpendicular à marginal ribeirinha de Vila Nova de Gaia, percebemos que aquele era um dia especial para quem nos recebe. Na verdade, duplamente especial, na medida em que não apenas assinalava mais um aniversário como mostrava pela primeira vez à imprensa o novo enoturismo da Niepoort.
“O meu pai nunca trazia visitas para aqui porque achava que isto era sujo e velho, mas eu sempre gostei disto assim”, assume Dirk. O charme do espaço acaba por ser precisamente esse, o ambiente de quase velharia e a consequente sensação de que nada – ou muito pouco – terá sido mexido para acolher quem chega.


O amontoado de pipas de Vinho do Porto tem escrito a giz irregular o que lá guarda, a luz permanece ténue, a antiga sala de provas não necessita de qualquer retoque porque é, por si só, uma autêntica jóia de museu. Obviamente, houve intervenções nalguns espaços, de modo a permitir receber visitantes.


No corredor contíguo às pipas está a nascer uma garrafeira que será a extensão física da loja online da Niepoort, tendo espaço de degustação associado. A oferta incluirá os rótulos disponíveis no mercado nacional, os vinhos internacionais por cá representados pela Niepoort e algumas raridades. Ao lado, uma sala para apreciação de chá, onde é possível seguir o ritual associado ou mesmo participar em workshops pontuais. A sala comum terá capacidade para 25 pessoas sentadas. 
Descendo uma enigmática escadaria, a cereja no topo do bolo. Uma sala com duas mesas corridas, capacidade máxima para 30 pessoas, decoração de inspiração medieval, uma cozinha criada de raiz para deixar brilhar chefes ou candidatos a tal e uma montra com a bonita coleção de saca-rolhas do pai de Dirk, Rolf Niepoort (que morreu em 2020). Depois, a magia da sala dos Vintages antigos da casa (onde realizamos a fotografia de capa desta edição da Revista de Vinhos). 
Sim, um enoturismo diferente, como que uma casa para frequência de um clube privado.

Os “N Collectors”

De facto, o acesso ao espaço será inovador, não apenas por entre os enoturismos das redondezas mas até no global do país. A Niepoort criará um clube privado de vinhos, seguindo uma lógica de “wine society” de regras definidas.
O nome “N Collectors” (o “N” de Niepoort) denuncia o objetivo de congregar no clube um leque de colecionadores. Os primeiros 100 aderentes serão diretamente convidados por Dirk e terão o estatuto “Rolf & The Collectors”. Numa fase posterior, cada um desses membros poderá propor até três outros potenciais elementos, cabendo à Niepoort o aval final individual. O clube pretende apenas reunir um máximo de 842 colecionadores, numa alusão à data da fundação da empresa (1842).
Após o convite, cada membro terá que assumir o custo de adesão de 7.000,00€, que pode ser convertido em compras de vinhos. A integração permitirá o acesso “en primeur” aos lançamentos da Niepoort, incluirá um almoço para quatro pessoas durante o período de vindimas na Quinta de Nápoles, assegurará presença no evento anual onde serão partilhadas garrafas muito especiais da colecção do produtor. Peças de merchandising, livros e uma revista semestral da Niepoort serão demais contrapartidas.
Beatriz Machado, que durante mais de 10 anos foi diretora de vinhos do The Yeatman e ajudou à criação do The World of Wine, integrou em janeiro a Niepoort para assumir as pastas do turismo e do marketing. É com ela que vamos detalhando o que aporta de novo esta forma de pensar o enoturismo e até uma certa devoção por vinhos.


A possibilidade de visitas ao espaço dependerá sempre de uma autorização prévia e, para lá dos “N Collectors”, apenas hóspedes de unidades hoteleiras com acordos com a Niepoort e devidamente sinalizados poderão visitar o espaço.
O lançamento do clube e a apresentação do enoturismo acontecerão em finais de maio, em simultâneo com outra novidade – o Niepoort Bioma Porto Vintage 2017, que terá um packaging exclusivo.

A integração da sexta geração

Dirk Niepoort tem um magnetismo singular no mundo do vinho. Só assim se explica, por exemplo, o sucesso transversal de um projeto como o Nat’Cool, as parcerias constantes com produtores de diferentes gerações e das mais variadas regiões. 
A mundividência corre-lhe no sangue. Estudou Economia na Suíça, cumpriu estágios por lá e também na Califórnia, antes de ingressar na empresa da família, em 1987, convicto que queria fazer do vinho, vida. 
“A minha escola é meter o nariz em quase tudo. Não estudei Enologia mas visitei todas as regiões do mundo que quis”, diz.


Em constantes processos de tentativa/erro foi redefinindo o legado, que assumiu por inteiro há dois anos e meio. Com ele a Niepoort deixou de ser uma pequena empresa de Vinho do Porto para se afirmar enquanto criadora de tendências e interpretações de terroirs, no Douro e não só. Produz hoje uma média de 2,5 milhões de garrafas anuais, das quais apenas 500.000 de Vinho do Porto. A maior fatia cabe aos vinhos DOC, maioritariamente do Douro (1,8 milhões), os restantes da Bairrada, Dão, Verdes e agora também do Alentejo – “A Bairrada é o meu grande amor”, confessa.


O conforto de quem conhece o mundo do vinho como a palma da mão e a serenidade que só a idade aporta dão a entender um novo Dirk, ou melhor, um novo tempo na Niepoort.
“Estou a pegar mais pela empresa pelos cornos, mas não a estou a gerir ´by the book’”. Dirk, igual a si próprio, quando o questionamos sobre a fase que atualmente vive.
Assegura que a empresa “está financeiramente muito bem” e as dores de cabeça são alguns problemas de índole logística relacionadas com o crescimento da atividade. O barco tem 60 funcionários, alguns deles de toda uma vida, e o protagonista destas últimas décadas garante ter “a noção de que uma empresa não pode estar dependente de uma pessoa”.


Aproveitou estes tempos de pandemia e a consequente impossibilidade de viajar fora do país para acelerar o processo de integração da sexta geração Niepoort. Daniel, filho mais velho, de 28 anos, está a viver em Portugal há um ano e ficou surpreendido quando em vésperas da vindima de 2020 o pai lhe entregou a responsabilidade de supervisionar no terreno o que se passava no Douro, Bairrada e Dão. 
“Foi um choque inicial deixar-me fazer as coisas nesta vindima. Com o Luís Pedro no Douro, o Sérgio, o Miguel e o António, no Dão e na Bairrada. Foi muito importante. A Niepoort quer fazer as coisas bem, eu também”, conta-nos Daniel. Marco, o irmão de 25 anos, ficou em Mosel, na Alemanha. Pelo menos, por enquanto.


“Fazer vinho na Áustria, em 2004, com climas e condições diferentes, ajudou-me a perceber melhor o Douro. Por exemplo, sempre gostei de vinhas altas e expostas a Norte, que permitam vinhos mais elegantes, com acidez natural e menor teor alcoólico”, reflete Dirk. 
Experimentar fora para trazer para dentro novas formas de fazer. Daniel estudou viticultura na Suíça, Marco ficou com a operação da Niepoort na Alemanha… Serão um reflexo do percurso do pai?
A cumplicidade acentua-se muitas vezes ao fim de semana, quando tudo parece estar mais calmo. Dirk encaminha Daniel por corredores e garrafas fora dos holofotes, transmitindo o legado que só as famílias conseguem sentir na plenitude da dimensão.
“Tenho orgulho em manter muito do que o meu pai e o meu avô fizeram”, diz Dirk. “Passar por aqui ao fim de semana, ouvir as histórias com o meu pai, sim, tem muita piada”, complementa Daniel.

Portalegre, o bonzinho e o vilão

A integração de uma nova geração, com as inerentes responsabilidades, não implica a necessidade de um abanão criativo em Dirk. “Continuo talvez mais irreverente do que algum dia estive”, assevera.
O abrandamento durante a recente vindima permitiu-lhe dar seguimento a experiências com Anselmo Mendes nos Vinhos Verdes e a incorporar melhor o contributo que poderá dar na Adega de Portalegre, nos últimos anos adquirida pela família Carranca Redondo, que há gerações notabiliza o Licor Beirão.


“Tenho uma certa paixão por Portalegre há uns 15 anos. Ajudei o Vitor Claro em 2010 e o meu sonho sempre foi pegar numa cooperativa e dar-lhe a volta”, fundamenta Dirk. 
A parceria está na fase inicial e de conhecimento mútuo. Da vindima de 2020 sairão vinhos com a mão de Dirk que, entretanto, já fez alguns lotes com os resultados de colheitas anteriores.
Um desses lotes mostrou-o ao amigo Ljubomir Stanisic. O “Chefe de Cozinha do Ano 2020” pela Revista de Vinhos adquiriu recentemente um monte alentejano, onde também tem feito algumas experiências (incluindo um Pét-Nat com Daniel Niepoort). Mas a cumplicidade não é de agora, vem de há longa data, quase sempre materializada em lotes de vinhos disponíveis nos restaurantes 100 Maneiras.


“Ele confia no meu nariz e no meu gosto”, garante Ljubo. “Geralmente, todas as pessoas do Douro criticam o Alentejo, dizem que é um vinho duro e alcoólico. O Dirk sempre teve uma opinião diferente, de elogio, de perceber a diferença entre os anos”.
Decidido o vinho, faltava a narrativa. Aconteceu no Douro, na sequência da participação de Ljubo em mais um dia de vindimas na Niepoort, prática que repete há vários anos. O bonzinho (Dirk), os cúmplices (Daniel e a cadela Pisca) e o vilão Ljubomir.
Obtido a partir de vinhas velhas de solos de xisto e granito, plantadas em altitudes entre os 400 e os 600 metros, o Sem Maneiras by Niepoort e Ljubomir 2017 é um tinto estagiado 24 meses em ânfora, do qual se engarrafaram 6.000 exemplares. Está disponível nos restaurantes de Ljubomir e no online da Niepoort, sendo um exclusivo das lojas Continente na grande distribuição.

O novo Vintage

De um outro enredo, o novo Niepoort Porto Vintage 2019. Resulta de um ano vitícola caracterizado por um inverno seco, uma primavera que conheceu precipitação significativa em abril mas que de resto foi seca, um verão relativamente fresco, com alguns episódios de chuva em finais de agosto e durante alguns dias de vindima, o que se relevaria decisivo na evolução final da maturação e no equilíbrio do fruto. 
Muitas castas mostraram acidez mais elevada e teores de álcool mais baixos mas muita qualidade e bom nível de compostos fenólicos.


A base são uvas de cepas antigas da Vinha da Pisca e de outras parcelas de vinhedos em Vale Mendiz, igualmente vinha velha. O vinho mostra-se profundamente elegante, antecipa largo potencial de evolução, tendo sido obtidas 28.000 garrafas.
Provámo-lo no dia do 57º aniversário de Dirk Niepoort, que admite passar a anunciar os Portos Vintage na Niepoort precisamente nessa data, 11 de março. As vendas “en primeur” reservadas a importadores, distribuidores e garrafeiras selecionadas decorrem até junho, chegando à generalidade do mercado a partir do próximo mês de setembro.
O ano trará outras novidades, não fosse Dirk alguém que tantas vezes parece estar à frente do seu tempo.

 

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À medida dos nossos dias

Ana Monforte é uma portuguesa com ideias que esteve emigrada alguns anos na Holanda. Está entretanto de regresso ao Porto e com ela traz a Grapekeeper.
A empresa trabalha o enoturismo com fato feito à medida do cliente e uma dupla preocupação: oferecer uma experiência única e alertar para a importância da sustentabilidade de terroirs.
Após parcerias com os produtores Vega Aixalà (Conca de Barberà, fronteira com o Priorat, em Espanha), Rivetto (Piemonte, Itália) e a maison Serveaux Fils (Champagne, França), estabeleceu o primeiro entendimento com um produtor português, a Niepoort.
Na Vinha do Carril serão disponibilizadas pequenas áreas, a partir dos 300 metros, que poderão ser “adotadas” por quem quiser acompanhar os diferentes estágios de acompanhamento da videira ao longo do ano, culminando na vindima, vinificação e engarrafamento. A rotulagem será personalizada e quem adquirir a experiência poderá, assim, vestir a pele de produtor e sentir um pedaço de terra particular como sendo também seu.
O projeto Grapekeeper pretende estender a proposta a diferentes produtores e regiões do país, disponibilizando informações adicionais em grapekeeper.com

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E a camélia acabou na pipa

Dirk é um apreciador de chá desde que em 1986, quando estagiou num produtor de vinhos da Califórnia, se deixou encantar pela Chinatown local. Ao lado da mulher Nina Gruntkowski, antiga jornalista, encetou entretanto o projeto do Chá Camélia, que leva já uma dezena de anos e continua a afirmar-se.


Experimentaram as primeiras 200 plantas de Camellia Sinensis em 2011, no jardim da casa no Porto. Perceberam que o clima permitia a cultura e decidiram avançar para uma singela propriedade de dois hectares na freguesia de Fornelo, em Vila do Conde, onde plantaram metade com folhas de chá, num total de 12.000 plantas, seguindo “princípios biológicos e com espírito biodinâmico”. A aventura tem sido acompanhada pelo casal Morimoto, experientes produtores de chá do sul do Japão.


Em 2019 realizaram a primeira colheita das plantas com maturidade para produzir chá e a experimentação continua. Uma das mais curiosas é o Pipa Chá – o chá seco estagia seis meses dentro de uma pipa vazia que já recebeu Vinho do Porto, mensalmente as folhas são retiradas, misturadas e novamente colocadas na pipas (chamemos-lhe movimentação de borras ou bâttonage de chá?). A ideia é conferir ao chá uma certa personalidade do Porto.
Hoje, a oferta do chá Camélia privilegia o chá verde mas também há possibilidade de optar por  chá preto, branco…

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Niepoort Porto Vintage 2019

Vinho do Porto / Fortificado / Niepoort Vinhos
Púrpura. Apontamentos finos de esteva e bergamota, licor de cereja e mirtilo, especiaria delicada, algum balsâmico e complemento vegetal. Tanino elegante, aguardente quase impercetível, concentrado na estrutura, de muito boa acidez e volume preciso. Tem alguns pontos de cruzamento face ao anterior clássico de 2017, confirma o estilo da casa e, claro, é Vintage para perdurar décadas em garrafa.
Consumo: 2021-2060
90,00 € / 16ºC


16,5
Sem Maneiras by Niepoort e Ljubomir 2017

Alentejo / Tinto / Adega de Portalegre Winery
Rubi. Notas sinceras de cereja, groselha e mirtilo, complementos de floresta. De tanino fresco e estrutura elegante, está bem dimensionado e mostra um final bastante fluido e saboroso. Será boa companhia à mesa.
Consumo: 2021-2025
12,75€ / 16ºC
 

Niepoort Vinhos
Rua Cândido dos Reis, 670
4400-071 Vila Nova de Gaia
T. 223 777 770
E. info@niepoort.pt