Estremus e O.Leucura: os topos de João Portugal Ramos

Fotografia: Daniel Luciano
José João Santos

José João Santos

João Portugal Ramos tem hoje dois amores: o Alentejo e o Douro. Bordalês no gosto pessoal, tenta que os distintos terroirs expressem o que são e admite que gosta de os ver com potência e equilíbrio na garrafa. Neste reencontro com a Revista de Vinhos provamos as duas novas edições dos dois novos topos de gama – o elegante Estremus 2017 e o portentoso O. Leucura 2017.
 

NOTAS DE PROVA Guilherme Corrêa, José João Santos, Luis Costa, Nuno Guedes Vaz Pires / FOTOS Daniel Luciano e Ricardo Garrido

Se tiver que optar entre Bordéus e a Borgonha, João Portugal Ramos escolherá sempre a primeira. Admite a predileção por vinhos tintos com potência, confessando encontrar no Cabernet Sauvignon os predicados que fazem uma grande casta ser isso mesmo, grande. A potência que advoga, no entanto, terá que ter equilíbrio, não ser apenas força bruta. 
“O que faz um vinho envelhecer bem durante largos anos?”, questionamos. “Tanino e acidez”, responde de imediato.
Pai dos vinhos contemporâneos do Alentejo, João Portugal Ramos será sempre um enólogo. Revolucionou a forma de fazer e até um certo modo de pensar na região, aportando conhecimentos e técnicas que não se ousavam até então, por desconhecimento ou inércia – estávamos na década de 80. Quando nos anos 90 opta por também produzir o próprio vinho e abandonar a quase totalidade das consultorias, o enólogo que é passou a ter que conviver diariamente com a faceta de produtor e de empresário, numa operação que foi ganhando dimensão e até extravasou as fronteiras regionais. Esteve anos no Tejo (Falua), tem marcas nos Verdes e com o Duorum, nascido em 2007, materializou um sonho antigo, o Douro.

Para lá da uva própria, nas vindimas do Alentejo recebe matéria-prima de mais de 250 parcelas de vinhas, de muitos outros viticultores “de latitudes bem diferentes”, acentua, para insistir na ideia de um Alentejo bem mais diverso do que alguns teimam pensar. Aliás, basta recordarmos tratar-se da região portuguesa com maior diversidade de solos…
Por se rever tanto em Bordéus, assume com o à vontade de muitas vindimas que se revê bastante no perfil do Marquês de Borba Reserva, embora o pretexto de parte deste reencontro com a Revista de Vinhos seja a nova edição do topo de gama mais borgonhês de Portugal Ramos, o Estremus.

A base é uma vinha plantada em 2001, de 1,5 hectares, que representa somente 6% do total da vinha que envolve o Castelo de Estremoz, a mais emblemática de Portugal Ramos. O solo é pura mármore meteorizada, com origem na metamorfização de calcário. Plantio pensado por João Perry Vidal, um dos braços direitos de João Portugal Ramos, a vinha tem uma orientação de 180º, de sudoeste a noroeste, permitindo colher uvas viradas a Norte nos anos mais quentes e voltadas mais a Sul, nos anos mais frios. Pequena parcela entre os 350 e os 380 metros de altitude, combinação de Alicante Bouschet e Trincadeira em partes iguais.
O nariz apurado de enólogo experimentado detetava a uva desta parcela sempre que chegava à adega, diferenciando-a de tudo o resto. A prova comprovava a delicadeza até que surge a decisão de engarrafar – 2011, 2012, 2015 e este 2017, podendo-se já esperar um 2019. Um vinho especial, lançado em anos que o autor considera também o serem.
“Nunca perdi o Norte do que é fazer bons vinhos e pequenas produções. O meu ADN é fazer coisas pequenas, diferenciadas, mas é evidente que o negócio do vinho não se compadece só com essa posição elitista. Tive, de alguma forma, que arranjar uma certa dimensão, compactuando o gosto de fazer grandes vinhos com o negócio do vinho”, diz-nos Portugal Ramos.
Do Estremus 2017, em concreto, chegam ao mercado 1.953 garrafas, o ano de nascimento do autor.

A primeira década no Douro

Parece ter sido ontem, mas já lá vão 13 anos desde a primeira vinha plantada de raiz na Quinta de Castelo Melhor, Foz Côa. Ao lado do amigo de infância, o também enólogo José Maria Soares Franco, que entretanto se reformou, João Portugal Ramos iniciava a concretização de um objetivo de há longa data – chegar ao Douro.

Noventa e duas escrituras depois, os 200 hectares de terra ficaram reunidos. Há exceção de uma parcela de 10 hectares de vinhas velhas, tudo o resto foi cravado de novo na inclemente rocha-mãe, decisão pensada e da qual não se arrepende. Aliás, os resultados superam as expetativas, na medida em que o encepamento é ainda tão imberbe.
“É muito para além do que tinha imaginado. O projeto nasceu do zero mas ficou à nossa medida”, afirma João Portugal Ramos ao mesmo tempo que nos convida a contemplar a beleza crua daquele Douro Superior.

À medida que o tempo foi passando, aumenta a noção da importância de compreender a fundo o terroir. Em parceria com a ADVID e a PORVID, plantaram em 2016 um campo de ensaios com cerca de 40 clones de Tinta Roriz. Ainda é cedo para conclusões, o estudo dos bagos e o controlo analítico apenas começou há dois anos, mas a ideia será vinificar os diferentes clones para perceber o efetivo potencia. João Perry Vidal, quem acompanha e supervisiona o Duorum, está otimista.

A marca e os vinhos entraram no mercado e têm conseguido afirmar-se, sobretudo os Tons de Duorum e os Duorum.  
O. Leucura, nome atribuído ao Chasco Preto, pequeno pássaro que gosta de se pavonear pelo Douro, é o topo de gama, lançado em anos tidos como especiais. Tem por base uma vinha com cerca de 47 anos, predominante em Touriga Nacional e Touriga Franca, de exposição Nascente-Norte, plantada em patamares xistosos, a altitudes que variam entre os 200 e os 400 metros.

Neste regresso ao Duorum realizamos o sempre importante exercício de provar colheitas mais antigas, desde os ensaios de 2008 ao novo 2015. Ano tido como perfeito na generalidade do País, neste Douro Superior teve inverno frio e seco, primavera e verão de temperaturas acima da média, embora noites bastante frescas em julho e agosto, que contribuíram para a plena maturação das uvas. A vindima do O. Leucura deu-se em 18 de setembro. O vinho iniciou fermentação em lagar e terminou-a em inox, tendo estagiado 18 meses em barricas de carvalho francês de 225 lts., 30% das quais de segundo a terceiro usos. Portentoso e guerreiro, vai perdurar no tempo. 

A vertical comprova, de resto, estarmos diante um topo de gama que mostra consistência e carácter, de vinhas e de enólogos. João Maria Ramos, filho enólogo de João Portugal Ramos, já se apercebeu dos diamantes que tem em mãos e vai estabelecendo pontos de contacto entre as realidades do Alentejo e do Douro durante as viagens constantes por regiões em muito distintas, porém por vezes também semelhantes. Caçador como o pai, melhor que ninguém reconhecerá a máxima de que filho de peixe…
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João Portugal Ramos Duorum
Quinta de Castelo Melhor
Estrada Nacional 222, Km 216,8
5150-146 Vila Nova de Foz Côa
E. duorum@duorum.pt

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18,5
Estremus 2017

Alentejo / Tinto / J. Portugal Ramos
Rubi. Notas finas de bagas silvestres, curiosa nuance floral, trufa, cogumelo e cedro. A finesse estrutural é assinalável, a aparente delicadeza do tanino é encantadora, a muito boa acidez que denota acentuam o perfil elegante e detalhista. Termina profundo, mineral e repleto de boas subtilezas, antevendo nobre e longa evolução.
Consumo: 2021-2035 
140,00 € / 16ºC


18
O. Leucura 2015

Douro / Tinto / Duorum Vinhos
Púrpura. Perfume de esteva, citrino de bergamota, floresta de mirtilo, cedro e balsâmicos. O registo aromático é fino e equilibrado. Selvagem a seguir, ao mostrar tanino guerreiro, estrutura portentosa, grande volume, final prolongado e profundo, que alia folhagem seca, grafite e surpreendente frescura. Para agora e tantos outros anos.
Consumo: 2021-2035
140,00 € / 16ºC


18,5
O. Leucura 2012

Douro / Tinto / Duorum Vinhos
Rubi escuro. Nariz de groselha negra, floral muito fino, especiaria delicada, levíssima menta e café. O tanino está afinado e esculpido pelo tempo, a estrutura apresenta-se com bastante carácter, o final é persistente, mineral e mais fino que todas as restantes edições – reflexo do ano. Que bom é reencontrá-lo.
Consumo 2021-2028


18,5
O. Leucura 2011

Douro / Tinto / Duorum Vinhos
Rubi, rebordo mais aberto. Notas de urze e flor seca, bergamota e fumo. Sedoso no tanino, tem silhueta muito elegante e bem definida, sempre a caminhar firme ao longo da prova e a mostrar vários detalhes. Porventura o mais francês dos O. Leucura, vive um grande momento, comprovando o ano de exceção que lhe está na origem.
Consumo: 2021-2028

18
O. Leucura 2008 (Cota 400)

Douro / Tinto / Duorum Vinhos
Rubi. De nariz mais florestal, mostra nesta fase folhagem seca e folha de tabaco, cedro, tinta da china e vapor de café. O tanino está imperial, a estrutura permanece musculada, o volume é bem conseguido e o final revela uma surpreendente teimosia, que ajuda a perspetivar ainda uns bons anos.
Consumo: 2021-2026

17,5
O. Leucura 2008 (Cota 200)

Douro / Tinto / Duorum Vinhos
Rubi, rebordo granada. Sente-se em fundo um leve floral, mas são as notas de cogumelo, os balsâmicos e o café que começam a dominar. Mais vivaço no porte, tem grande volume, textura e um final profundo, curiosamente muito elegante e a mostrar boa especiaria. Continua a caminhada.
Consumo: 2021-2026