A próxima geração

A Wine Detective investiga as novas gerações de produtores e enólogos que seguem as pisadas dos seus ancestrais.

 

Portugal estava no topo da minha lista quando retomei as viagens no passado mês. As condições pareciam adequadas. Desde que fui vacinada duas vezes no verão, Portugal alcançou o topo das tabelas de vacinação da Europa, além de ultrapassar os britânicos no uso de máscara com a sua política "vaccine plus" (por oposição à nossa "vaccine just"). Obrigado por me receber!
Sem nuvens a ensombrar os céus, o otimismo estava no ar e, do ponto de vista do vinho, justificadamente. Em Colares e no Alentejo, descobri projetos recentes que, enraizados na tradição, parecem decididos a sobreviver e a prosperar. Também há sinais de que a última colheita de talentos da Geração Y e da Geração Z é atraída para o campo, não o abandonando ou indo para o exterior em busca de melhores oportunidades económicas noutro lugar. Por outro lado, a "fuga de cérebros" foi revertida para Ruben Honrado. De volta a Portugal vindo do Silicone Valley, nos Estados Unidos, o digital marketer tem apoiado o pai, ajudando-o a realizar os seus sonhos na Honrado Vineyards (sobre a qual falaremos mais adiante).
Por outro lado, quando Nuno Ramilo, de 27 anos, deixou a carreira de engenheiro civil para reestruturar o negócio vitivinícola familiar de três gerações, deu ao pai noites sem dormir. Juntamente com o irmão Pedro, um engenheiro de robótica, a dupla transformou-o de um produtor de bag-in-box focado na quantidade numa ‘boutique winery’ focada na qualidade.


Se a produção foi drasticamente cortada no Casal do Ramilo (a bucólica vinha do pai do Vale do Lizandro), ela é minúscula em Colares, onde os irmãos plantaram Ramisco e Malvasia de Colares não enxertados nos solos arenosos profundos da Quinta do Cameijo, em 2015. Felizmente para os amantes do vinho, as restrições do Parque Nacional Sintra-Cascais frustraram as ambições de desenvolvimento imobiliário que a mãe havia desenvolvido para a terra virgem. O Ramilo Colares foi rapidamente aclamado em Portugal e no exterior (e, devo acrescentar, o Ramilo Vinhas Velhas Tinto, um ‘field blend’ de Castelão do Casal do Ramilo, é também uma preciosidade).
O enólogo consultor da Ramilo Wines é o professor Virgilio Loureiro, com quem Nuno estudou enologia. A sua influência, de acordo com Nuno, ajudou-os a fazer “vinhos honestos com personalidade” a partir de uvas tradicionais. Ao ingressar na casa em 2018, Jorge Matos afinou pelo mesmo diapasão. Pode ser o seu primeiro emprego mas, com muito orgulho de Colares, o jovem enólogo local refere que “estamos numa das regiões mais antigas mas, quando toda a gente fala de vinho, de Colares não”. Não que a equipa Ramilo tenha medo de inovar. O deslumbrante Malvasia de Colares fermenta com contacto pelicular. Um Ramisco rosé pioneiro da Quinta do Cameijo é fabulosamente fresco, mineral e texturado. Perfeito com marisco.

Viagem ao mundo da talha

De igual modo, inovação e tradição andaram de mãos dadas no Amphora Wine Day da Herdade do Rocim. É uma vitrina brilhante para o Vinho de Talha DOC do Alentejo e outros vinhos feitos em barro de Portugal e de outros locais. Tomei parte da tradição de beber diretamente da talha na Casa Monte Pedral, em Cuba, e depois do País das Uvas, em Vila de Frades, onde provei também os vinhos de talha engarrafados de António Honrado. O engarrafamento dos vinhos de talha - um desenvolvimento recente - permite que sejam consumidos por mais tempo e até mesmo exportados. No entanto, a julgar pelo amplo complexo de três restaurantes da Casa Monte Pedral, os autocarros em Vila de Frades e a multidão de 850 pessoas no Rocim Amphora Wine Day, este sentido não é unidirecional. Em termos de produção e perfil, os vinhos de talha percorreram um longo caminho desde a minha primeira visita aos produtores de talha, em 2015.


Ruben Honrado juntou-se ao pai em 2016 e, aproveitando as competências em marketing e branding, desenvolveu as distintas garrafas pintadas em tons argila e os rótulos em forma de talha da Honrado. Ruben também liderou o projeto de enoturismo da Honrado, que oferece workshops de vinificação, prova e harmonização com vinhos de talha e passeios culturais na Cella Vinaria Antiqua - a centenária adega de talhas que os Honrados descobriram e restauraram ao lado do País das Uvas, em 2017. Essas atividades têm atraído turistas de todo o mundo ao Alentejo, diz. Quanto aos turistas, ou lisboetas relutantes em deixar a capital, Sérgio Frade prossegue o trabalho do pai Alexandre, fundador/enólogo de vinhos de talha da ACV. Em Belém, dirige O Frades, um restaurante ao estilo de tasca que serve vinho de talha e pratos tradicionais alentejanos.


Outro produtor de talha que visitei em 2015 está a passar o testemunho a duas gerações. Conheci o Professor Arlindo Maria Ruivo entre as talhas na ‘caverna’ de Ali Baba por baixo de sua casa em Vila de Frades. O Antão Vaz de talha é memorável (assim como a subida ágil do octogenário por uma escada velha e acanhada encostada precariamente numa talha!)
Quando perguntei por que razão a vinificação em talha quase desapareceu, Ruivo explicou como uma mudança na política agrícola de meados do século XX gerou um boom de plantio. Equipadas apenas com talhas de pequenos lotes, as adegas tradicionais não tinham capacidade para lidar com uma produção mais elevada. E pintou um quadro vívido do mosto a escorrer pelas ruas enquanto os produtores conduziam pela Vila de Frades, desesperados para descarregar as uvas. Novas e brilhantes cooperativas emergiram para atender à oferta.


Ruivo deve estar emocionado pelo facto de a neta, Teresa Caeiro, seguir os seus passos. E deu um salto, engarrafando os vinhos talha da família para comercializar pela primeira vez. A recém-formada em engenharia de minas explicou, no Amphora Wine Day, que o avô ainda cuida das vinhas e ajuda durante o processo de vinificação. Os primeiros vinhos (de 2019) foram lançados o ano passado; apropriadamente, a marca chama-se Geração Talhas. Mais maduro, mais estruturado, o Farrapo é feito da maneira tradicional, enquanto que as uvas colhidas antecipadamente que dão origem ao mais fresco e leve Natalha (um jogo inteligente de natural e talha) seduz o consumidor contemporâneo. Em homenagem a Arlindo Ruivo, o vinho de topo (‘Professor Arlindo’) passa quatro meses em películas, depois outros nove meses em talha. Teresa Caeiro não mo deu a provar. Que belíssima desculpa para voltar em 2022, quando, esperemos, as viagens voltem ao normal.

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