Exercício anti-chavões: Sauvignon Blanc e Loureiro

O Loureiro e o Sauvignon Blanc são, obviamente, castas bem distintas entre si. Mas, os predicados que as unem, os de facilidade de prova e atração de franjas alargadas de consumidores, não devem ser características estanques, que as circunscrevam a um só ângulo de perceção.

 


Nas últimas semanas, a Pernod Ricard avisou o mercado sobre a impossibilidade de dar resposta à procura de Sauvignon Blanc de Marlborough, na Nova Zelândia. Convém recordar que o gigante mundial de bebidas é o segundo maior fornecedor de vinhos dessa casta no mercado britânico, ao deter uma quota de 14%, em valor e volume, de todo o Sauvignon neo-zelandês exportado para o Reino Unido graças às marcas Brancott Estate e Stoneleigh.
Na base deste aviso estão as perdas de produção relacionadas com episódios de geadas severas na primavera, que não permitiram o desenvolvimento regular dos cachos resultando, assim, em menor volume produtivo. A quebra na vindima de 2021 ronda os -34% por comparação com 2020, sendo das menos produtivas dos últimos 10 anos.


Como se não bastasse, o contexto pandémico global e os consequentes períodos sucessivos de confinamento em diferentes países têm gerado custos acrescidos na contratação de mão-de-obra e em operações logísticas relacionadas com a expedição de produtos. Calcula-se, aliás, que os custos de envio de mercadorias tenham, neste ano e meio, atingido valores críticos semelhantes aos da crise financeira global de 2008.
Bryan Fry, diretor-geral da equipa de enologia da Pernod Ricard, observa que a popularidade do Sauvignon Blanc neo-zelandês continua a aumentar, pelo que mantém a confiança na retoma dos quantitativos de produção, ao mesmo tempo que garante não abdicar das premissas qualitativas: “A nossa prioridade é continuar a fazer vinhos excecionais, de forma segura e sustentável, e atender à procura com a nossa melhor capacidade possível”, afirmou publicamente, garantindo que a qualidade do Sauvignon de 2021 é elevada e respeita os cânones esperados pelo consumidor.


É provável que os preços subam e as promoções mais agressivas sejam suavizadas nos próximos meses. Não havendo quantidade suficiente de vinho no mercado, é necessário resfriar as expetativas dos consumidores. 
A Nova Zelândia, que tem no Sauvignon Blanc 86% de todo o volume de vinho exportado, sobretudo para mercados como o Reino Unido, Estados Unidos e Austrália, foi dos poucos países a conseguir aumentar as exportações de vinho em 2020 (+6%), a par de Portugal (+5,3%) e da Argentina (+27%). No entanto, o mercado habitou-se a beber barato e a obter a quantidade que pretende, o que a médio prazo pode tornar-se perigoso para a sustentabilidade de um modelo assim sustentado.
De algum modo, desde finais dos anos 90 que a Nova Zelândia criou um novo paradigma de entendimento da casta. Poder-se-á até afirmar que a popularizou como nunca acontecera, mas conotando-a nitidamente com alguns chavões – leveza, aromas vegetais e de fruta verde primária, frescura, acidez e facilidade de prova. Tudo isto combinado com a simpatia do preço e fica fácil percebermos a dimensão global do sucesso.
As origens do Sauvignon Blanc são, no entanto, francesas e quase sempre surgem associadas a Bordéus, onde é frequentemente loteada com o Sémillon. Porém, os grandes brancos monovarietais provêm esmagadoramente do Vale do Loire, em particular de Sancerre e Pouilly-Fumé. Boa parte dos vinhos aí obtidos são grandes brancos, cheios de frescura, boa acidez natural, aromas finos e amplitude de boca alcançada através de excelso trabalho com diferentes madeiras.

Agora, o Loureiro

Na região dos Vinhos Verdes, o Loureiro tem estado durante anos conotado com vinhos aromáticos e fáceis de beber. Casta amiga dos viticultores, devido aos elevados rendimentos que alcança, permanece como das mais plantadas no Minho, tendo no Vale do Lima o berço histórico. Mas, um pouco como o Sauvignon Blanc neo-zelandês, o Loureiro tem sofrido alguns estigmas, qual vítima do próprio sucesso, na medida em que a generalidade de nós interiorizou somente um certo estilo de vinhos. Felizmente, a coisa está a mudar.


Um movimento crescente de produtores e de enólogos elabora na atualidade monocastas Loureiro verdadeiramente complexos e interessantes, que rapidamente poderão posicionar-se como dos brancos mais promissores de Portugal. A contenção nos rendimentos na vinha é desde logo um bom princípio, tal como escolher o momento certo de vindima para evitar demasiada madureza. Evitar os excessos aromáticos em que o Loureiro por vezes incorre é outra matriz a levar em consideração, tal como o trabalho de borras finas (em inox e mesmo em madeira) deve ser meticuloso para alcançar uma untuosidade e volume precisos, sem beliscar os primados de frescura. Quando isto acontece provamos vinhos que indiciam, inclusive, propensão para o envelhecimento.
Acompanhando a evolução da própria região dos Vinhos Verdes, no caminho da oferta de um conjunto mais vasto de vinhos brancos de complexidade superior, o Loureiro posiciona-se numa espécie de pole position, oferecendo sinais de conseguir ser das mais competitivas, versáteis, elegantes e atraentes castas brancas portuguesas. A pensar na exportação – e a região dos Vinhos Verdes é das que desperta maior cobiça nos mercados internacionais –, esta nova dimensão do Loureiro encaixa que nem uma luva numa diversidade de gastronomias (asiática e vegetariana, por exemplo), pode brilhar em cartas de sommeliers e será facilmente entendida pelos consumidores com parcos ou nenhuns conhecimentos prévios sobre vinhos portugueses.


O Loureiro e o Sauvignon Blanc são, obviamente, castas distintas entre si. Mas, os predicados que as unem, os de facilidade de prova e atração de franjas alargadas de consumidores, não devem ser características estanques, que as circunscrevam a um só ângulo de perceção. O potencial intrínseco de cada uma merece muito mais.


A todos nós fica reservada a tarefa de as tentarmos percecionar além dos chavões, de pesquisarmos por entre centenas e centenas de rótulos aqueles vinhos que nos ajudarão a ir além dos estereótipos. Se a oferta disponível de Sauvignon Blanc o permite com relativa facilidade, felizmente a de Loureiro encaminha-se para isso. Aliás, talvez um dia possamos até encontrar monocastas Loureiro um pouco por todo o país, tal como hoje é possível com o Sauvignon. E, provavelmente, com resultados mais interessantes.

Partilhar
Voltar