Manuel Pinheiro reflete sobre a vindima de 2022

“A tempestade perfeita?”


Manuel Pinheiro, chairman da Global Wines e ex-presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, reflete neste artigo de opinião partilhado na Revista de Vinhos acerca dos desafios da vindima que já começou no país e no que aí vem para o segundo semestre.

 

Os astros decidiram que esta será uma vindima muito difícil.
Difícil, desde logo, para a viticultura. Fertilizantes, fitofármacos e gasóleo agrícola estão com aumentos de preços impressionantes. A imputação destes aumentos no quilo de uva varia muito entre produtores e regiões, mas não serão poucos os que, ao fazer as contas, concluirão que as uvas custam mais 10 ou 15% do que no ano passado. Ou mais.


Sempre haveria algum conforto se as produções fossem elevadas e os viticultores fossem aí buscar algum acréscimo de rendimento. Infelizmente, não será assim. A previsão de colheita emitida há dias pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) aponta para uma redução da produção em 9% no cenário nacional, com perdas de 20% no Douro. Mesmo nas previsões menos pessimistas (Vinhos Verdes, Trás-os-Montes), a produção está dependente de alguma chuva nas próximas semanas. A não chover, daqui a um mês estaremos com um cenário muito difícil.


Não é por acaso que a Associação de Empresas de Vinho do Porto e a CVR dos Vinhos Verdes encomendaram estudos que caracterizam o modelo de negócio da viticultura e os custos de produção de uva. Quanto mais cedo estes vierem e mais robustos tecnicamente forem, melhor servirão como ferramenta de debate sereno sobre o preço a que a uva é paga ao viticultor. Com base nestes números, que se espera serem tecnicamente consensuais, produção e comércio têm de refletir sobre o futuro do setor. É que já não bastam os apoios do programa VITIS. Um dia teremos apoios e ninguém para investir em novas vinhas…
Por isso, no dia da vindima, o natural do ponto de vista da viticultura é que haja um aumento do preço da uva.


Confrontados com esta expetativa, cooperativas e compradores de uva já têm as suas próprias dores de cabeça. No último ano foram fustigados por aumentos igualmente impressionantes no preço do vidro, do cartão, da energia – seja elétrica ou combustível. Quantas exportações foram atrasadas por não haver contentores? Quantos vinhos tiveram de esperar pela entrega de garrafas para poderem ser embalados? Não as garrafas encomendadas, mas sim o modelo que havia em stock para entrega nessa altura.
Adegas e engarrafadores esperam também repercutir no preço final o aumento de custos que estão a suportar.

As expetativas do setor são legítimas, claro. O problema é o resto. O IVV divulga semestralmente os dados do mercado nacional elaborados pela Nielsen. Já estão disponíveis os relativos ao primeiro semestre –  que pode consultar em aqui -  e que nos revelam aumentos de preço de 5,4% na distribuição e de 6,2% na restauração. Isto de janeiro a junho, quando todos temos a perceção de que o segundo semestre está a viver um arrefecimento das vendas.

O problema de 2022 é o de expetativas conflituantes: a fileira precisa de cobrar mais num momento em que o poder de compra desce.

Claramente, todos iremos reduzir custos onde seja possível e otimizar processos. Importa que o Estado melhore também a gestão dos fundos que dedica ao vinho, mais de 50M€/ano. Por exemplo, não chocaria ninguém que aparecesse um programa forfetário à imagem do VITIS, muito simples e temporário para ajudar viticultores e engarrafadores. Ou um apoio à tesouraria para permitir que as uvas sejam pagas rapidamente, sem que adegas e compradores tenham de recorrer ao crédito bancário.

Nesta, que é mesmo a vindima de todas as incertezas, que seja ao menos um ano de grandes vinhos!

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