O Douro evolui

À medida que os vinhos tranquilos vão ganhando reconhecimento, a grandeza do Douro será uma combinação dos vinhos do Douro e do Porto, a base histórica da região.


O ano transato conheceu uma nova iniciativa, que visa promover os vinhos tranquilos do Douro, da mesma forma que as provas de Bordéus ‘en primeur’ trazem o mundo do vinho à região durante uma semana em cada mês de março. O Douro Primeira Prova mostrou ser um grande sucesso e foi dirigido por uma coligação não oficial de 23 produtores de vinho de mesa, reunidos sob a bandeira do Novo Douro. Este ano, devido à situação da Covid, a segunda edição foi cancelada, mas a empresa de relações públicas que organizou a Douro Primera Prova, Wine & Partners, decidiu tentar algo diferente: Primeira Prova 2020 em casa. Críticos e jornalistas participantes receberam cada qual uma garrafa representativa por Quinta. O lançamento do Zoom da Primeira Prova contou com Paul Symington, Dirk Niepoort e Cristiano van Zeller, que apresentaram uma introdução à região e um panorama das vindimas mais recentes.

São dias interessantes para o Douro, uma região antiga, mas que tem uma história muito curta na produção de vinhos não fortificados de qualidade. O lugar do Douro à mesa dos vinhos tem sido apenas pelos seus Portos e, mais especificamente, pelos Porto Vintage, que constituem apenas uma pequena parte - um pináculo - da produção da região. No passado, os vinhos de mesa eram um reflexo tardio. O primeiro vinho tranquilo do Douro a ser levado a sério foi o Barca Velha, lançado pela primeira vez no início dos anos 1950 e proveniente da Quinta do Vale Meão, que agora produz os seus próprios vinhos. Só na década de 1990 é que o vinho de mesa de alta qualidade passou a ser representativo no Douro. Dirk Niepoort lançou o Redoma em 1991, a Quinta do Crasto começou em 1995, o Vale Dona Maria surgiu um ano depois, o Vale Meão juntou-se em 1999 e depois, no início dos anos 2000, juntaram-se Pintas e Poeira. Agora que existem tantos produtores sérios, é difícil listá-los. A questão é que tudo isso é bastante novo, se considerarmos a escala dos tempos do vinho.

“Um dos aspectos mais importantes do que mudou no Douro nos últimos 30 anos com o surgimento dos vinhos de mesa é a mudança nas nossas mentalidades”, afirma Cristiano van Zeller, da Quinta do Vale Dona Maria. “Em vez de apenas produzir Porto e, no fim, fazer vinho, começamos a fazer vinho e depois Porto. Com este pequeno interruptor conseguimos colher as uvas no momento certo de maturação, frescura e acidez para fazer o vinho [de mesa], e ainda colher as uvas no momento certo para o Vinho do Porto. Em vez de iniciarmos a vindima tarde, à espera da maturidade para o Porto, começamos a iniciar a vindima mais cedo para vindimar. Esta pequena alteração mudou drasticamente todo o modelo de funcionamento da região”.


Uma região notável

E é uma região vitivinícola notável. “Cada região do mundo afirma ser é única”, diz Paul Symington, “mas garanto-vos que não há nada tão especial como o Douro. Temos 43.000 hectares de vinhas em socalcos e patamares. O Douro é trabalhado por pouco mais de 20.000 agricultores, dos quais mais de metade têm menos de um hectare. Isso torna a vida do Douro muito complicada. Todos nós trabalhamos com muitos agricultores diferentes”. E acrescenta que o Douro tem mais da metade da área de vinha de encosta da Europa, existindo poucas regiões fora da Europa que possuem vinhas neste modelo, por isso o Douro tem metade das vinhas em encosta no mundo. Além disso, esta é uma região que quase não foi tocada por castas internacionais. “Em muitas partes do mundo verifica-se um domínio absoluto das variedades internacionais”.

Um ponto forte relevante da região é a diversidade de exposição das vinhas. “As vinhas vão de 80 a 800 metros” de altitude, diz Dirk Niepoort. “E temos vinhas viradas a norte e a sul”. Estas são maioritariamente plantadas em encostas ao longo do Douro e nos seus vários afluentes, mas quem já visitou a região compreenderá a complexidade do seu traçado. O clima muda significativamente com esta variação topográfica. “Por um lado, é desafiador, mas, por outro lado, dá-nos uma variedade fantástica com a qual trabalhar”, diz Symington. “Poucas vinhas têm tanta diversidade e temos muitos vales diferentes”. A precipitação também varia dramaticamente, dependendo até quão a jusante do rio se vai: a Régua no Baixo Corgo (a sub-região mais próxima do Porto) recebe 900 mm. de chuva por ano; o Pinhão, no Cima Corgo, atinge 650 mm.; e Barca D'Alva, no Douro Superior, atinge apenas 450 mm.. Apesar disso, a maior parte da vinha plantada do Douro é em sequeiro. “Estimo que menos de 10% do Douro tem irrigação”, diz Symington. Isso torna as chuvas de inverno importantes.

Realisticamente, o panorama dos vinhos tranquilos do Douro tem apenas cerca de 25 anos. Ainda está a evoluir. “Somos muito jovens e ainda estamos a tentar identificar o que é o carácter duriense’, diz Niepoort. “Temos três zonas que são completamente diferentes. Provavelmente, três estilos deverão aparecer no futuro. E, claro, cada enólogo faz o seu vinho de forma diferente e com uma lógica diferente”. Certamente, ao provar alguns dos novos lançamentos, encontro diferenças no perfil e estilo. Encorajadoramente, porém, o perfil geral parece estar a afastar-se de alguns dos primeiros excessos. Maturações excessivas (fáceis de obter neste clima) e abuso do carvalho novo são agora felizmente um pouco mais raros. Parece verificar-se o surgimento de um amplo caráter duriense nos vinhos tintos, que ainda dominam a produção. Um grande passo em frente foi a constatação de que as melhores vinhas para Vinho do Porto não são as melhores para vinhos de mesa, o que permite que as duas coexistam sem concorrência.

“Acredito que o Douro tem um grande futuro pela diversidade, pelas variações de altitude e pelas castas”, diz Niepoort. “Os antigos não eram estúpidos: havia uma lógica em plantar vinhas com castas diferentes no mesmo local”. À medida que os vinhos tranquilos vão ganhando reconhecimento, a grandeza da região será uma combinação dos vinhos do Douro e do Porto, a base histórica da região.

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