Os “naked wines” e os vinhos simples

A evolução e o cuidado refletem-se nos novos lançamentos, muitos dos quais inspirados nas décadas 50, 60 e 70 do século passado… tal como as “naked” de 125, 400, 600cc ou mais de cilindrada. Vários podem não impressionar através de pontuações elevadíssimas pela crítica, mas a generalidade dá imenso gozo e uma larga franja conseguirá evoluir muito bem.

 

Em diferentes motorizações, as motos de estilo “naked” estão de regresso à ribalta. A inspiração surge de modelos que fizeram sucesso em meados do século XX, parte dos quais as famosas scramblers britânicas. A generalidade dos componentes fica propositadamente bem visível, a mecânica volta a ser básica a ponto de reavivar sistemas de arrefecimento somente a ar, os assentos e a posição de condução não exigem grandes esforços. O conforto da condução leva a melhor sobre a velocidade de ponta.
Estas motos, aliás, não estão pensadas para desvarios em auto-estradas. Nesse contexto, ao serem levadas ao limite expõem constrangimentos de performance e o tal conforto desaparece à velocidade do vento que embate no corpo. São motos para escapar ao trânsito da cidade, para passeios calmos de fim de semana, de consumos e manutenção simpáticos, de estética atraente para quem aprecia coisas funcionais e simples.


Ao pesquisarmos o mercado encontramos dois caminhos possíveis: motos reabilitadas a partir de esqueletos enferrujados, com trabalhos cuidados e apurados, que se traduzem em preços finais de aquisição mais elevados; e modelos “made in China”, acabadinhos de fazer, que parecem antigos mas são bem modernos, vários até com velocímetros digitais (o que, convenhamos, não faz lá muito sentido atendendo ao restante contexto).
No vinho, a expressão “naked wines” tem-se popularizado para descrever exemplares de intervenção mínima ou produtores que tentam interferir o menos possível na vinificação. “Naked” e “raw” são termos fáceis de usar e abusar, que facilmente acabam memorizados pela generalidade dos consumidores. Traduzindo à letra, vinhos despidos, vinhos crus.


Num mero enquadramento de simplificação de conceitos, penso ser preferível usar esta terminologia por contraponto a expressões como “naturais”. Porém, estes chavões incorrem no erro de serem demasiado fechados sobre si mesmo, talvez reflexo de uma sociedade global que parece sentir a terrível necessidade de engavetar tudo, como se o vinho ou qualquer outra coisa no mundo apenas pudessem ter uma única cor, um único perfil, um só entendimento.
Sobretudo no caso da expressão “naked” gosto de a alargar a um perfil de vinhos mais abrangente, independentemente de serem ou não orgânicos ou bio(dinâmicos). 
Um vinho obtido a partir de uma vinha velha, que possua uma genética impossível de replicar, tantas vezes até difícil de domar, não deixa de ser um “naked”. Expõe o cru que é essa vinha, a concentração e a baixíssima produção, um ADN singular. Outro exemplo. Um monocasta interpretado de modo sincero, em que as características da variedade nem sejam mascaradas nem exacerbadas por qualquer procedimento de vinificação ou estágio será, à sua maneira, um “naked”.

Contextualizar a simplicidade

Dispo-me de preconceitos e, a cru, analiso outra caracterização recorrente.
A formação ensina que um vinho simples será sempre um produto menos complexo, de fácil entendimento, de acesso generalizado e, em 90% dos casos, de preço baixo. À medida dos anos e da experiência adquirida, concluo que a visão sobre o que é um vinho simples não me convence. Longe disso.


Em muitíssimas circunstâncias, um vinho simples poderá até ser dos mais complexos exemplares que podemos provar. Dependerá sempre do momento de consumo, claro que sim, mas uma avaliação mais atenta conseguirá descortinar complexidade onde, aparentemente e de fugida, parece apenas haver simplicidade.
A bitola de gosto com que nos massacramos durante toda a década de 90 e a primeira década de 2000, onde os vinhos de estrutura mais maciça e folclórica foram por todos (da crítica aos consumidores) privilegiados, praticamente anulou a atenção aos detalhes dos vinhos mais delicados. Infelizmente, uma larga franja deles ficou vetada à teorização dos vinhos simples.
Aos poucos ficamos mais atentos à aparente simplicidade. A expressão delicada do fruto de um vinho, a fluidez em prova, a frescura, a elegância e a profundidade não massacrante, merecem reflexão e motivam regozijo. De um certo modo estamos a viver um reencontro com o passado, a redescobrir estilos e formas de fazer que se julgaram impossíveis de reavivar.


A concentração natural de um vinho de vinhas velhas não tem que ser somente sobrematuração, músculo e tostas demenciais de barrica; pode traduzir-se num equilíbrio entre firmeza e elegância. 
Os bons exemplos sucedem-se, a evolução e o cuidado refletem-se nos novos lançamentos, muitos dos quais inspirados nas décadas 50, 60 e 70 do século passado… tal como as “naked” de 125, 400, 600cc ou mais de cilindrada. Vários podem não impressionar através de pontuações elevadíssimas pela crítica, mas a generalidade dá imenso gozo e uma larga franja conseguirá evoluir muito bem.
Conviverão sempre no mesmo tempo, frequentemente também no mesmo lugar, interpretações distintas de vinho, porque é tão legítimo gostar-se de uns como de outros, porque haverá sempre mercado para diferentes perfis. Importa, isso é certo, haver cuidados na terminologia utilizada para evitar guetos, depreciações, más interpretações ou, pior ainda, para não afugentar quem chega de novo.


Divulgado há algumas semanas, um estudo realizado pela consultora britânica OnePoll para a Woodbrige Wines, criada por Robert Mondavi na Califórnia, indica que ¾ dos inquiridos sentem-se intimidados pela etiqueta associada ao consumo do vinho. Por entre um universo de 2.000 consumidores norte-americanos, 67% acreditam existir formas corretas e não corretas de beber vinho, sendo que oito em cada 10 admitem nem sempre seguir as melhores maneiras. Apenas 22% dos inquiridos consideram que seguir toda a etiqueta ligada ao consumo do vinho melhora a experiência.


O estudo concluiu também que sete em cada 10 consumidores bebem mais vinho do que qualquer outra bebida alcoólica no inverno e que 62% de homens e 50% das mulheres prefeririam beber vinho em detrimento de cerveja ao ver desporto.
Será a simplificação um mal necessário na comunicação do vinho? Preferimos um consumidor no sofá a beber vinho enquanto vê a bola, apesar de segurar de forma menos correta no copo, ou renegamo-lo e entregamo-lo ao prazer de um mini de abertura fácil?
A simplicidade não é um primado absoluto, mas não estará na hora de verdadeiramente a contextualizarmos?

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