Quanto vale o capital natural?

A Wine Detective investiga o capital natural e o valor que os produtores podem retirar da produção sustentável.

 

De acordo com os resultados do relatório anual Wine Trade Monitor, da Sopexa, os vinhos biológicos devem representar a maior parte do crescimento das vendas em 2022. Ásia à parte, uns surpreendentes 45% dos entrevistados dos principais mercados internacionais colocaram-nos “significativamente à frente de outras categorias”, relatou a agência de comunicação internacional. A crescente procura por vinho biológico ou orgânico é uma mudança na direção certa, mas duvido que a Greta Thunberg esteja a comemorar. Assim como a Índia e a China estavam notoriamente fora de pé quanto ao carvão na cimeira do clima COP26, deveria a indústria do vinho esforçar-se mais para eliminar (em vez de reduzir) práticas não sustentáveis?
Em dezembro, os participantes do Raw Wine Alive! 2021 - uma série de conferências que explorou a interconexão do mundo do vinho com a natureza - exortou os produtores a irem mais longe para reduzir o impacto da gestão da vinha no meio ambiente. Para Emma Bentley, da VinNatur, uma associação internacional de produtores comprometidos com a viticultura e a produção de vinhos segundo métodos naturais, os biológicos são ótimos, mas são apenas o ponto de partida. Porquê? Porque o sulfato de cobre (também conhecido como calda bordalesa) - um fungicida e bactericida orgânico permitido para combater o míldio - leva à acumulação de metais pesados (cobre) nos solos. Quantidades excessivas de cobre são tóxicas para as plantas e microrganismos do solo, interrompendo o ciclo de nutrientes e inibindo a mineralização de nutrientes essenciais, como azoto e fósforo. Bentley afirma que o sulfato de cobre também tem um impacto adverso nas populações de insetos e leveduras, as quais formam a expressão do terroir no vinho.

Em 2016, os 200 membros da VinNatur concordaram em limitar o uso de sulfato de cobre a um máximo de 3 kg/ha de cobre por ano, com o objetivo de reduzir o uso. Citando riscos para a saúde, a Comissão Europeia reduziu, em 2019, a quantidade de cobre que pode ser usada na agricultura biológica de 6kg/ha para 4kg/ha/ano ,na sequência de um relatório da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos. A indústria ainda tem de encontrar uma solução mais ecológica para combater o míldio. No entanto, existe outra forma, focada na prevenção, não na cura, através da melhoria da sanidade e resiliência da videira.
Em contraste com a produção em modo biológico que, na sua forma mais simples, evita produtos químicos de síntese, a produção biodinâmica atua proativamente para construir solos e vinhas saudáveis e resilientes através da aplicação de compostos e preparações biodinâmicas (orgânicas) e da execução de práticas culturais na vinha, de acordo com os ritmos do cosmos. Holísticos, com forte ênfase na biodiversidade, os produtores biodinâmicos costumam referir o trabalho com a natureza e não contra ela. O objetivo final é criar um círculo fechado e autossuficiente.

Ganhar dinheiro com a sustentabilidade

Não consigo lembrar-me de nenhum outro modelo melhor para fazer da produção biológica o ponto de partida, e não o destino, do que a Cullen Wines, em Margaret River, um dos melhores produtores da Austrália. Preocupada com o esgotamento do solo, a enóloga Vanya Cullen e a sua falecida mãe, Diana Cullen, voltaram-se para a viticultura biológica por volta de 2000. Certificada em 2003, a vinha da Cullen Wines foi então certificada como biodinâmica em 2004. Em 2006, este produtor tornou-se o primeiro da Austrália a compensar emissões de carbono das operações na vinha e na adega através de um programa de plantação de árvores. A energia alternativa gerada por painéis solares e turbinas eólicas ‘off-shore’ reduziu ainda mais a pegada de carbono, mas os consumos internos do solo ganharam o estatuto de carbono positivo. Os estudos de solo levados a cabo entre 2014 e 2019 revelaram que a vinha sequestrou mais carbono do que todo o negócio emite. Falando numa prova para comemorar o 50º aniversário da empresa, Cullen explicou que “a biodinâmica ‘turbinou’ as nossas culturas de cobertura [leguminosas e gramíneas entre fileiras] e a microbiologia do solo". Além de melhorar a saúde das vinhas e a qualidade da uva e do vinho, esse sequestro de solo gerou créditos de carbono no valor estimado de 100.000 dólares australianos (cerca de 65.000 euros).

A forma de melhor aproveitar capital natural como 'serviços do solo' foi o tópico do best-seller de 2013 de Tony Juniper CBE, intitulado 'O que fez a natureza por nós?: Como o dinheiro cresce realmente nas árvores'. Na abertura das sessões intituladas 'Big Ideas' na Raw Wine Alive!, Juniper forneceu exemplos vívidos dos benefícios de sustentação da vida da natureza - desde serviços de solo à conversão de luz solar em energia química, ecoinovação, polinização, controle de doenças e pragas, serviços públicos de água, produtividade oceânica, regulação atmosférica, proteção contra eventos extremos e um serviço de saúde natural.

Talvez, como eu, tenha duvidado do conceito de ecoinovação. Partilho o exemplo de Juniper de uma borboleta de asas de vidro, cuja transparência em escalas nanoestruturadas não refletivas a tornam invisível para os predadores. A borboleta inspirou um revestimento não refletivo biomimético, que aumentou a eficiência de painéis solares em 10%. Não é a única razão para respeitar os insetos. O conservacionista apresentou uma imagem da força de trabalho humana que poliniza manualmente as árvores, porque a força de trabalho gratuita do sudoeste da China - as abelhas - foi dizimada pelo uso intensivo de pesticidas.
Agora que a biodiversidade – “a teia da vida” – desvenda-se a um ritmo nunca visto em 16 milhões de anos por causa das atividades humanas, a indústria está a despertar para o valor do nosso capital natural, disse Juniper. Os produtores de vinho da Vinatur estabeleceram parcerias com agrónomos, botânicos, biólogos e entomologistas, para medir a composição e a fertilidade do solo, as populações de insetos e a biodiversidade das plantas desde 2011. O Porto Protocol promove conferências regulares sobre o clima para explorar soluções e partilhar ‘know-how’.

É possível atribuir valor económico ao capital natural? De acordo com um estudo de Robert Constanza, o total de serviços ecossistémicos globais em 2011 foi estimado em 125 biliões de dólares/ano (quando o PIB global foi de 75 biliões de dólares/ano). Atribuir um valor económico aos serviços ou ao capital natural pode não ser a melhor razão para investir em medidas de sustentabilidade, mas se isso incentiva os produtores a adotá-las, é um exercício que vale a pena. Para Constanza et al., “esses serviços devem ser (e estão a ser) avaliados, e precisamos de novas instituições de ativos comuns para melhor levar esses valores em consideração”.

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