Um encontro surpreendente com Loureiro

Por que razão o Minho é considerado incapaz de fazer vinhos brancos sérios com capacidade de envelhecimento? A casta Loureiro mostra o contrário…

 

Durante o período de confinamento, tenho feito muitas provas através do Zoom. Não é o mesmo que visitar uma quinta e estar no local onde o vinho é feito, mas é o melhor que pode ser feito por estes dias. Há uma vantagem neste arranjo: livre de distrações, é possível questionar o enólogo adequadamente durante a prova e, em seguida, retornar aos vinhos mais tarde para afinar quaisquer notas.


Recentemente participei numa prova que realmente surpreendeu. Foi com José Luís Moreira da Silva, do Esporão (que gere a Quinta dos Murças no Douro), que adquiriu a Quinta do Ameal em 2019.

Já tinha provado estes vinhos no passado. Pedro Araújo, o antigo dono, foi um precursor da sub-região. Em vez de produzir os vinhos típicos da região à época, Araújo pretendia levar mais a sério o Loureiro, a casta predominante no Lima. Assim, ao invés de elaborar vinhos leves, gasosos e ácidos com um toque de doçura, procurou encontrar o lado mais sério da casta. O resultado foram vinhos secos, sérios, com boa concentração, sem adição de gás.

A Loureiro é uma das várias castas cultivadas no Vinho Verde e encontra o seu terroir no Vale do Lima. Viveu sempre à sombra da Alvarinho, que é mundialmente famosa e dá cartas na fronteira, na região das Rias Baixas, em Espanha. A Loureiro tem sido habitualmente misturada com outras castas locais, como Arinto (vulgarmente conhecida no Minho como Pedernã), Alvarinho ou Trajadura.

Com cachos grandes e compactos, é uma variedadade de rendimento elevado, se é isso que o viticultor pretende. Tem uma acidez naturalmente elevada e não é tem sido muito considerada. “É uma casta vigorosa, produtiva, com película grossa e bagos pequenos”, explica Moreira da Silva. ‘É mais fresca e cítrica que a Alvarinho”, afirma. “Bastante similar a Riesling”.
Mas, mais do que provar apenas os lançamentos atuais, Moreira da Silva guiou-me através de uma prova vertical. Começámos com um par de 2003, o Loureiro colheita e o Escolha (versão fermentada em barrica). Devo confessor que não esperava que os vinhos fossem assim tão bons.

Inovar na continuidade

Quem esperaria que um vinho branco que é vendido por cerca de 7€ fosse envelhecer lindamente por quase 18 anos? Mas o Ameal Loureiro 2003 é um vinho deslumbrante, com frescura e complexidade. E envelheceu de forma semelhante a um Riesling muito fino, sem quaisquer sinais de cansaço. O Escolha 2003 também envelheceu muito bem, embora sendo um vinho mais caro isso fosse de esperar. Ainda assim, foi surpreendente ver como estes vinhos evoluíram lindamente em garrafa. Para provar que não se tratava apenas de uma excentricidade esquisita, experimentámos também o Loureiro colheita e o Escolha de 2011.

O colheita era firme, fresco e concentrado com elevada acidez, notas de tosta e especiarias e citrinos em camadas. O Escolha também foi impressionante, com a maturação em carvalho adicionando profundidade no meio de boca, mas nenhuma impressão óbvia de carvalho.

O Esporão é agora o guardião destas vinhas especiais, mantendo-se em grande medida na visão e na forma de trabalhar de Pedro Araújo. Mas, explica Moreira da Silva, verificaram-se mudanças subtis. Começaram a trabalhar com barricas usadas de 500 litros, que diluem um pouco o impacto da madeira, o que fica evidente no ainda não lançado Escolha 2019, um vinho deslumbrante com potencial latente. O enólogo está ainda a trabalhar com um foudre de 2.000 litros que adquiriu o ano passado e afirma que os resultados têm sido incríveis.

Não é a minha primeira exposição aos vinhos do Ameal, mas esta prova de vinhos mais velhos mudou realmente a perceção - em primeiro lugar, do Ameal, que percebo ser mais sério do que a já elevada opinião que tinha dele e, em segundo lugar, do potencial da casta Loureiro.

Desprezamos as regiões vitinícolas e as variedades de uva com muita facilidade. Por que será que o Minho é considerado incapaz de fazer vinhos brancos sérios com capacidade de envelhecimento? Só porque a maior parte da produção da região no passado foi de vinhos de massa, que respondem a uma procura importante no mercado, não significa que não existam também combinações de terroirs e variedades com grande potencial. Em grande parte, tem sido porque as pessoas não tentaram, ou tentaram e o mercado não tem sido recetivo. Certamente procurarei por exemplos mais ambiciosos da variedade Loureiro no futuro.

Partilhar
Voltar