Acidez, da frescura do sabor a outras dicas

Fotografia: Arquivo
Manuel Moreira

Manuel Moreira

Vivacidade, energia, frescura, eletricidade são termos, cada vez mais recorrentes, usados na descrição de vinhos. A acidez é o descritor que traduz o conjunto dos ácidos presentes no vinho. O “sabor ácido” era, até pouco tempo atrás, percebido como qualquer coisa menos agradável. Num restaurante, diante de um cliente, ao referir que um vinho “tinha boa acidez”, instantaneamente dava azo a um esgar de aversão, criava de imediato uma rejeição antecipada ao termo e ao vinho. Felizmente, hoje vai sendo percebido como positivo e essencial. Na verdade, sempre foi crucial no equilíbrio do vinho. Juntamente com o álcool, constitui as duas traves mestras da arquitetura de qualquer vinho. Quando qualquer um deles se sobrepõe, o equilíbrio fica desde logo comprometido.

 


Para perceber um pouco mais o papel da acidez no vinho, é necessário regressar ao ponto de partida, onde tudo começa, ou seja, à uva, ao bago. Durante a maturação da uva, os níveis de acidez e açúcar são inversamente proporcionais. A uva, em estado verde, é pobre em açúcar e abundante em ácido. Em sentido oposto, a uva muito madura é rica em açúcar e pobre em acidez. 
Ao analisar os bagos, o enólogo averigua e acompanha a curva de crescimento do açúcar e a que diz respeito à diminuição da acidez. O momento de vindima ocorre ao considerar que existe um determinado equilíbrio entre estes dois componentes. De forma simplista, pode-se considerar uma equação elementar: vinho demasiado ácido = (pouco sol + uva pouco madura); vinho demasiado macio = (demasiado sol + uva muito madura). 

Cristais e diamantes

Quando pensamos em acidez, referimos unicamente um ácido ou são mais que um? De facto, nas uvas e no vinho estão presentes várias dezenas de ácidos. Contudo, quase uma mão cheia deles são os mais comuns, os mais abundantes, poder-se-á dizer. São eles o ácido tartárico, o ácido málico, o ácido cítrico e o ácido acético. O que os distingue? Os três primeiros são considerados ácidos orgânicos e o último um ácido volátil. De forma simples, o ácido tartárico é característico das uvas, presente no vinho e no mosto, quase não existindo noutros frutos. É o ácido mais forte dos orgânicos mencionados.


Já agora, uma curiosidade! Quem não reparou nos pequenos cristais no fundo da garrafa, ou mesmo na superfície da parte inferior da rolha após a sua extração? São os chamados “diamantes do vinho”, nada mais nada menos que cristais de bitartarato de potássio. No processo de envelhecimento do vinho, durante o passar dos anos, este ácido tem a propensão de se cristalizar. Porquê? Porque o ácido tartárico junta-se ao potássio (principal nutriente utilizado pela videira para o seu desenvolvimento) e, se a temperatura da cave for muito baixa, formam-se os tais cristais de bitartarato de potássio, que se precipitam, criando um depósito, contudo, perfeitamente inofensivo. O ácido tartárico é frequentemente usado para ajustar os equilíbrios de acidez quando necessário. 
O ácido málico é também abundante no mosto, responsável pelo sabor verde das uvas e dos vinhos. A sua presença em teores elevados é um sinal de má maturação. As uvas são consideradas “maduras” quando a sua concentração é baixa. Como referência, é o ácido da maçã. Por ter alguma agressividade, e se em elevadas concentrações, causa desequilíbrios de sabor. Por isso, a maioria dos vinhos tintos fazem uma fermentação malolática, por ação das bactérias láticas, as quais se alimentam do ácido málico, mais pungente, e o transformam em ácido lático, mais fraco e suave. Este é um desenvolvimento frequente na maioria dos vinhos tintos e por vezes em alguns vinhos brancos. Consegue-se, desta forma, um produto mais harmonioso.


Já o ácido cítrico está presente na uva, assim como em muitas frutas, e é mais vulgar em vinhos brancos. Desaparece quase que totalmente durante a elaboração do vinho. Por isso, tem pouca presença nos vinhos. Percebido como fresco, por vezes, pode deixar um subtil amargor ao final da língua. O ácido cítrico enológico é também utilizado no pré-engarrafamento de vinhos brancos e rosados para pequenos ajustes de acidez, conferindo ao vinho mais frescura em boca. 

O poder do oxigénio

E, por último, o ácido acético. Este forma-se, principalmente, durante a fermentação alcoólica de forma natural, dando origem a determinados níveis de acidez volátil, sendo esta como que um indicador de saúde do vinho. Se tiver índice alto, dá origem ao típico aroma a balsâmico e a vinagrinho; se os níveis forem ainda mais elevados, podemos sentir notas de cola, acetona e verniz, o que já poderá ser considerado um defeito. A quantidade existente no vinho varia de acordo com a casta, o sistema e cuidados na vinificação, o tipo de leveduras e os cuidados durante a conservação e envelhecimento.


Alguns vinhos são famosos por possuírem índices elevados de acidez volátil, tal como acontece com Vinho do Porto Tawny Very Old ou o Vinho Madeira muito antigo, devido a prolongada exposição ao oxigénio. O mecanismo é o seguinte; o aumento da acidez volátil deve-se à incorporação de oxigénio no vinho, que provoca a propagação das bactérias acéticas e estas, por sua vez, atacam o álcool etílico e formam o ácido acético. Como será de calcular, existe regulamentação a estabelecer limites, com o máximo de acidez volátil em 1,2 gr./litro de vinho, podendo chegar até aos 1,8 gr./litro no caso de um Vinho do Porto Very Old. 
Resultante também da fermentação é o ácido succínio.


Em termos de organização, podemos agrupar os ácidos referidos em dois grupos: acidez fixa (tartárico, málico e cítrico) e acidez volátil (acético, lático e succínio) que, no conjunto, formam a acidez total de um vinho. Aparte o desempenho gustativo, os ácidos têm importante desempenho na proteção dos vinhos, de preservação e estabilidade do produto, assim como um contributo em assegurar maior ou menor aptidão ao envelhecimento de qualidade.