Aveleda, 150 anos

Uma questão de família

Fotografia: Ricardo Garrido

O vinho, não é segredo para ninguém, é um frequente enredo familiar. Independentemente da dimensão. Aliás, há centenas de grandes empresas de vinho no mundo que traduzem transições geracionais, legados transmitidos de pais para filhos, de avós para netos, por vezes numa linha temporal que perpassa séculos. São empresas que se tornaram instituições, que ajudam a relatar a própria história dos tempos, que por regra decifram detalhes de um determinado lugar – seja um país, uma região, uma vila, aldeia ou terroir ainda mais delimitado. 

O morgadio da Quinta da Aveleda, instituído em 1692, termina em 1870. Foi o ano em que Manuel Pedro Guedes da Silva da Fonseca herdou a quinta, iniciando aí uma nova linha de pensamento, muito focada na produção de vinho, apesar de todos os desafios que isso representava à época (sociais e de sobrevivência da própria planta, bastando recordar as diferentes pragas de vinha surgidas no século XIX). Mas, foi graças a esse pioneirismo que hoje a Aveleda que todos conhecemos pode celebrar 150 anos.

A Revista de Vinhos reuniu em Penafiel duas gerações da empresa-família, as que representam a mais recente transição geracional na administração: António Guedes, pai e filho, Roberto e Martim Guedes.

Aquando da morte do pai, pediram a António Guedes (pai) para tomar conta da empresa. Nessa altura cumpria serviço militar e durante três anos teve que gerir a vida entre o quartel e a empresa. Dessa geração foi o único a ter que assumir a responsabilidade, entre 1966-1969. O irmão Luís haveria igualmente de se tornar essencial durante três décadas de crescimento e afirmação da Aveleda no contexto português e internacional e, mais tarde, também Roberto Guedes tornar-se-ia  fundamental para alavancar estratégias de marketing e afirmação em mercados.

O capital nunca saiu da esfera familiar, havendo um protocolo claro de regras e deveres a cumprir. Hoje, seis irmãos e respetivos filhos levam o barco adiante – “É preciso bom senso e as pessoas terem os pés bem assentes na terra”, enfatiza António Guedes (pai).

Cursou Agronomia em Lisboa e especializou-se em Viticultura. Das muitas histórias que partilha, sublinhamos aquela em que visita o Chile e a Argentina pela primeira vez, tendo ficado impressionado com a mancha de vinhas contínuas, não tanto com a qualidade dos vinhos. No regresso partilhou a preocupação sobre a competitividade futura face à concorrência do Novo Mundo, recordando que durante anos se debateu com a encruzilhada da falta de conhecimento e de pessoal competente nas vinhas. “Chegamos a ter 300 pessoas para vindimar 100 hectares de vinhas”, recorda.

A Aveleda insistiu em modelos mais pragmáticos de exploração de vinhas, que permitissem tratamentos mais rápidos e eficazes, melhorou a produtividade, introduziu a mecanização.

Roberto Guedes lembra outro episódio marcante da histórica recente. Tendo passado por diversas empresas, de diferentes setores de atividade, quando chegou à administração da Aveleda defendeu que uma das estratégias deveria ser a de retirar a empresa dos ditames dos distribuidores passando, com marketing e profissionais mais jovens e competentes, a deixar de ter uma Aveleda subserviente, a ser “mais mandona nos mercados”.

A estratégia resultou. Na atualidade, a Aveleda é das principais empresas portuguesas de vinho, ao faturar 39 milhões de euros anuais em resultado da produção de 19 milhões de garrafas. A exportação abrange um total de 75 países. Só nos EUA, por exemplo, têm uma equipa de cinco profissionais a trabalhar o mercado.


Afirmação em Portugal,
crescimento futuro no exterior


O vinho bandeira da Aveleda continua a ser o Casal Garcia – representa 14 milhões de garrafas. É por demais conhecida a célebre chegada, a pé, do curioso enólogo francês Eugène Hellis, que viria a mudar o curso da história não só da empresa como do vinho português no mundo. 

O estrondoso sucesso do Casal Garcia começa pelo Brasil, muito impulsionado pela recetividade dos emigrantes minhotos, seguem-se os países africanos, depois o Reino Unido, outros destinos europeus, mais tarde os EUA e o Canadá. Por estes dias encontram-se garrafas de Casal Garcia nos sítios mais improváveis do mundo, sendo o mercado norte-americano o primeiro, seguido da Alemanha e do Canadá. “Os sonhos são contínuos e vão-se cumprindo”, enfatiza António Guedes (pai).

Transitamos de geração e de protagonistas nesta conversa, ao encontro dos atuais administradores da Aveleda – “a passagem de testemunho correu muito bem, foi certo este caminho”, reforça Roberto Guedes.

António Guedes (filho) e Martim Guedes parecem complementar-se. António é uma das mentes brilhantes da viticultura no nosso país, Martim está particularmente atento aos mercados, novas tendências e oportunidades de negócio. Com ambos, a Aveleda do séc. XXI promete continuar a crescer e a potenciar a notoriedade dentro e fora do país.

Nos anos mais recentes, novas plantações de vinha própria foram realizadas em Cabração, Ponte de Lima, em solos de xisto e de granito. A marca Aveleda ganha com isso mais fôlego, bastando provar os Alvarinhos que nos últimos tempos arribaram às prateleiras. Mas há outras castas plantadas, como o Loureiro ou o Fernão Pires. 

No Algarve, a Aveleda adquiriu a Quinta do Morgado da Torre e já lançou os Villa Alvor, vinhos diretos e descomprometidos, de imagem apelativa e que terão extensão futura num compromisso vincado com o enoturismo. No Douro, a parceria com o primo Cristiano van Zeller permitiu a aquisição da Quinta Vale D. Maria e do Douro Superior, a partir da Quinta do Vale do Sabor, saem outros vinhos DOC Douro, de um patamar mais democrático. Neste ano de 2021, a Aveleda vai relançar os vinhos da Bairrada da Quinta da Aguieira e os próximos tempos, garantem-nos Martim e António (filho) serão de consolidação. 

No entanto, se a Aveleda é o gigante dos Vinhos Verdes e um dos maiores de Portugal, à escala mundial é ainda um produtor de média dimensão. Por isso, admitem como provável a extensão da empresa a outras regiões portuguesas e… algures no mundo. “Mas, o nosso core business continua a ser os Vinhos Verdes”, garante António.

Manuel Pedro Guedes, o trisavô e iniciador do negócio do vinho, consta que era inovador e irrequieto. A nova geração Aveleda também parece ser assim. Ouro sobre azul numa empresa de família, certo?

TEXTO: José João Santos e Nuno Guedes Vaz Pires