Casa de Vilacetinho: As várias faces da Avesso

Fotografia: Ricardo Garrido; Daniel Luciano
Marc Barros

Marc Barros

Uma dívida de monges beneditinos, um matrimónio fora dos cânones sociais, o primeiro ‘château’ dos vinhos verdes. A Casa de Vilacetinho tem um longo percurso e muitas histórias para contar.


A Casa de Vilacetinho data de 1790 e é um dos pioneiros na produção de Vinhos Verdes com marca própria. A propriedade, localizada em Alpendurada, na sub-região de Baião, pertencia desde 1100 aos monges beneditinos locais, tendo sido entregue no século XVIII como pagamento de uma dívida, de origem indeterminada. Todavia, os registos escritos de produção de vinho remontam a 1679.

Porém, a marca Casa de VIlacetinho foi criada mais recentemente, nos anos 50 do século passado, quando o tio avô de João Miguel Maia, atual administrador da empresa, por via de “um casamento com uma senhora divorciada, foi ostracizado e banido do Porto para a quinta”. A “paixão pelo vinho e a terra”, a vontade em “produzir e engarrafar vinhos que não eram muito comuns na região”, então mais conhecidos dos “pequenos lavradores que vendiam a sua produção a cooperativas ou a engarrafadores”, levaram-no a criar a referida marca.

João Miguel Maia afirma que foi assim gerado “o primeiro ‘château’ dos Vinhos Verdes, que teve muito sucesso desde o início”: basta dizer que foi “o vinho oficial da visita da rainha D. Isabel II de Inglaterra a Portugal (1957), foi o primeiro vinho a ser servido nos voos da TAP em garrafas miniatura e esteve sempre nos locais mais importantes, como na carta do hotel Ritz”, elenca.

Mais recentemente, nos anos 90, foram os pais de João Miguel Maia quem se encarregaram de replantar a vinha e montar uma adega nova, expondo uma nova versão do Vinho Verde, mais elegante e sério. “Daí a aposta na casta Avesso, para contar uma história diferente da região, não tanto pelo lado exuberante e perfumado dos verdes tradicionais, mas sim pela austeridade, carácter e equilíbrio da casta”.

A quinta possui cerca de 30 hectares de vinha, dos quais 50% da casta Avesso, com os restantes 50% repartidos entre Arinto, “excelente para compor lotes”, um pouco de Loureiro e Azal. De acordo com Ricardo Pedrosa, responsável pela viticultura, a propriedade localiza-se em “meia encosta, com solos pobres, franco arenosos, de tendência ácida”. A sul, o rio Douro “passa a cerca de 1 km e, do lado norte, temos Tâmega, o que proporciona certa humidade nas épocas mais quentes do ano”.

Vilacetinho reúne, na sua perspectiva, “condições muito próprias” para a Avesso. Por um lado, goza da “humidade, que mantém a frescura”, por outro, “a temperatura do interior sul da região, quente no Verão e com amplitudes térmicas elevadas, permite maturações muito boas”. Geram-se assim “vinhos com muita estrutura, minerais, com potencial de longevidade na garrafa”, privilegiando-se “não a componente aromática, mas a estrutura e certa complexidade e mineralidade”.  

Também a casta Azal “consegue ter expressão máxima nesta região”, pois precisa de solos relativamente pobres, já que tem também tendência a mostrar excesso de vigor e aqui encontra um certo equilíbrio”. Consegue obter “uma acidez muito vibrante, que casa muito bem com a Avesso”, nota Ricardo Pedrosa. 

A vinha é contínua, conduzida em cordão simples ascendente bilateral, com um tipo de poda designado Sylvoz, que “obriga a uma determinada técnica, a qual é passada de geração em geração pelas as pessoas que trabalham na quinta há muito anos”. Consegue-se assim, sob as condições culturais de Vilacetinho, “obter uvas com graduações equilibradas, que rondam 12,5 graus, e acidez vibrante, na casa dos 7 a 8 gr.lt”, conclui. 

 

O segredo reside nos alicerces

É com essa matéria-prima, alicerçada na variedade Avesso, que António Sousa faz a sua “magia”. E não se fica por menos: “Trata-se de uma casta que não está suficientemente estudada, mas que nos permite fazer vinhos com múltiplos perfis”. Porém, adverte, “o nome Avesso não surge por acaso, não é para amadores! São precisos muitos anos para conhecê-la. É muito peculiar, pode oxidar e perder a componente aromática numa questão de minutos; temos que ‘levá-la ao colo’”, assevera.

Não se tratando de “vinhos ligeiros”, “têm longevidade, pois uma garrafa com alguns anos mantém a mesma frescura e corpo de um vinho jovem”. Não apresenta “componente aromática exuberante”, antes “notas de fruta branca, fruta neutra”, que foge à tendência dos aromas tropicais. E, por isso, “não é uma casta de concurso”, sublinha. “É mais uma casta de boca do que de nariz e é isso que exploramos”. Dada a plasticidade da Avesso, “podemos construir o que quisermos por cima dela”. E é o que se faz em Vilacetinho: desde vinhos “Avesso de lágrima, para melhor retirarmos a frescura”, com “várias utilizações de madeira e vários tempos de estágio”; “Avesso de maceração pelicular pré-fermentativa, para engarrafar ao fim de um ano, onde se procura mais estrutura e volume, menos frescura mas mais fruta branca”; “Avesso sem desengaçe para obter um tanino com um pouco de vegetal”; espumantes com e sem passagem pela madeira; ou até “um colheita tardia que tem funcionado muito bem quando S. Pedro permite”. 

Por tudo isto, João Miguel Maia não hesita em afirmar que a “notoriedade mais recente da casta Avesso é a confirmação do que temos vindo a fazer desde 2003 com o lançamento do primeiro monocasta”. Com uma produção atual que ronda 800.000 garrafas, quase 50% das vendas realizam-se no mercado nacional e o restante em 30 mercados externos.

O enoturismo é outra valia a aprofundar. A proposta atual engloba um percurso pedestre, que começa na adega e percorre todas as vinhas, a casa e solar, e termina com a possibilidade de prova de vinhos, acompanhada de oferta de loja. O percurso pedestre é gratuito, mas as provas são pagas. Existe um projeto para edificação de uma unidade hoteleira, aproveitando o solar, que constituirá a base do projeto e quartos entre vinhas e o solar. Com alicerces destes, tudo é possível em Vilacetinho.