Casa e santuário dos Nicolau de Almeida

Monte Xisto

Fotografia: Jorge Matos
José João Santos

José João Santos

Há uma nova fase no projeto de família dos Nicolau de Almeida. As uvas que nascem na rocha-mãe de Foz Côa descem o Douro para estagiar na frescura da rua Rei Ramiro, em Vila Nova de Gaia. Muito mais do que um mero armazém, o novo espaço quer ser uma casa de receção de amigos e de curiosos, de partilha de artes e ofícios que não somente o vinho. Desta vez fomos à casa, provar o que chegou de novo do “santuário”. Novas edições do Monte Xisto, a estreia do primeiro Porto Vintage, a confirmação da Borgonha como inspiração atual.

 

Uma das mais entusiastas e divertidas famílias do vinho português tem uma nova casa, em Vila Nova de Gaia. Antes de a apresentarmos convém, todavia, recuperarmos um brevíssimo historial que ajuda a entender melhor por que razão os Nicolau de Almeida gostam de dizer que em vez de sangue lhes corre vinho nas veias.
António Nicolau de Almeida Júnior & Irmão foi uma firma de exportação de vinhos fundada pelo bisavô de João Nicolau de Almeida, mais tarde absorvida pela Real Companhia Velha (1963). O pai de João, Fernando Nicolau de Almeida, foi o enólogo criador do Barca Velha e marcou para sempre um período glorioso da Casa Ferreirinha.


Prosseguindo o desfiar de ligações familiares, o tio-trisavô Adriano fundou, em 1880, a Casa Ramos Pinto, à qual João Nicolau de Almeida esteve ligado até se reformar (2017), desenvolvendo um trabalho notável que contribuiu para um novo entendimento do Douro. Ao lado do tio, José Rosas, à época administrador da Ramos Pinto, estudou e ensaiou uma diversidade de castas na região e ainda hoje é célebre esse estudo de castas, apresentado em 1981, que recomendava as tintas Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinta Barroca, Tinta Roriz e Tinto Cão e as brancas Rabigato, Viosinho e Arinto para serem a base dos novos encepamentos na região. Estudou enologia na França, em Bordéus e Dijon, com referências como Émile Peynaud ou Jean Ribéreau-Gayon e, em 1990, lança o famoso Duas Quintas, um dos primeiros DOC Douro, obtido a partir de uvas de Ervamoira e Bons Ares, vizinhas no Douro Superior.

Não bastasse tudo isto, a mulher de João, Graça Eça de Queiroz Cabral, teve um bisavô, Afonso Pereira Cabral, que fora o proprietário da Quinta do Paço de Monsul e Quinta do Cachão. Pelo lado materno, a José Maria Rebello Valente, tetravô de Graça, foi oferecida a Quinta do Noval pelo Marquês de Pombal, permanecendo na família cerca de 100 anos.
Pois é, e ainda há os três filhos – Mateus, João e Mafalda Nicolau de Almeida…

A inspiradora viagem à Borgonha

A partir de 1993, João Nicolau de Almeida começou a adquirir pequenas parcelas de terra em Foz Côa, Douro Superior, a pensar no legado que pretendia deixar aos filhos e netos. Em 2005, após partir muita rocha-mãe, inicia-se a plantação de vinhas e começa a nascer a Quinta do Monte Xisto e a nova realidade empresarial familiar, a João Nicolau de Almeida & Filhos.
A propriedade soma 55 hectares, 10ha plantados com videiras. Optaram pela vinha ao alto e apostaram nas castas Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinto Cão, Tinta da Barca, Tinta Francisca, Tinta Roriz e Sousão, as tintas; Arinto, Códega do Larinho, Rabigato e Viosinho, as brancas. As altitudes variam entre os 220 e os 320 metros, o rio corre abaixo.

Num diálogo de gerações, os filhos, em particular Mateus Nicolau de Almeida, insistiram numa abordagem diferente na viticultura. Seguiram procedimentos biológicos e, aos poucos, o pai converteu-se.
“É um outro mundo, muito mais próximo da vinha”, admite João Nicolau de Almeida sobre a viticultura biológica, que o obrigou a refletir e a questionar muito do que sabe.
O primeiro Quinta do Monte Xisto, de 2011, avisou o mercado ao que vinham os Nicolau de Almeida com este projeto. Melhor, o exercício de provas verticais, que incluiam as colheitas seguintes, mostrou uma consistência assinalável e um perfil bem definido – há músculo e potência do Douro, mas há uma finura de entendimento e uma procura obsessiva por doses extra de frescura nestes vinhos, que sempre denotam muito potencial longevo.
Inquietos por natureza, os Nicolau de Almeida nunca estão 100% realizados com o que alcançam. Perceberam, nos anos mais recentes, que teriam que integrar ainda mais a madeira no vinho, para que a mesma pudesse ficar impercetível. Estão hoje a trabalhar com madeiras austríacas, alemãs e da Borgonha e, paulatinamente, a apostar em dimensões superiores, fazendo a transposição dos 225 lts. para os 600 lts e também para foudres de 2.000 lts.
Uma recente incursão em família à Borgonha, de uma semana, para visitar vários produtores, ajudou-os à reflexão e a selecionar melhor madeiras e respetivas tostas. Permitiu ainda sublinhar a opção bio que seguem, motivou-os a ir mais além no portefólio de vinhos.


O Quinta do Monte Xisto (Touriga Nacional, Touriga Francesa e Sousão) continua a ser a cereja no topo do bolo, com o compromisso de ser lançado todas as vindimas, obtido a partir das melhores uvas das diferentes parcelas. À medida do conhecimento adquirido e dos ensaios testados, nasceram vinhos de parcela e de abordagens distintas, como o Oriente (Tinto Cão e Tinta Francisca) e o Órbita (Touriga Nacional e mistura de castas). Estão igualmente a estrear o primeiro Vinho do Porto Vintage (Touriga Francesa, Touriga Nacional e Sousão) e nas próximas semanas será engarrafado um Porto Branco Leve, com 16,5% de álcool, que certamente gerará bastante curiosidade.
João Nicolau de Almeida (filho), que a par do irmão Mateus é também enólogo, expõe esta fase que alia conhecimento e experimentalismo: “Começamos a perceber que os vinhos do Monte Xisto não precisavam de tanta oxigenação nem de tanta madeira, nem de tanto tanino da madeira; os vinhos são abertos e macios por si. A ideia é preservar o carácter do vinho, não deixar que a madeira o domine”, diz. Há ainda depósitos de cimento de pequena dimensão, usados para fermentações maloláticas e para estagiar o Órbita.

Agora sim, a casa

A fechar, o pretexto do reencontro com os Nicolau de Almeida. O novo armazém em Vila Nova de Gaia, na rua Rei Ramiro 262. Armazém, casa, loja, adega, palco… Enfim, é um pouco de tudo isto.
Mafalda, irmã de Mateus e João, encarregue da comunicação e do marketing no projeto de família, explica o espaço que também se inspirou nas adegas dos pequenos produtores borgonheses: “A ideia é ser um ponto de encontro, que permita interagir com pessoas que apreciam vinho mas também de outras artes, de outras manifestações artísticas”, refere.
Escritório, loja de vinhos, armazém onde estagiam os vinhos (beneficiando da frescura extra de Gaia face ao Douro), sala de provas. É possível agendar visitas, aparecer, programar um encontro com amigos, trazer outras artes ao vinho, como música ou pintura.
“Esta é a nossa casa em Vila Nova de Gaia. O Douro é o nosso santuário”, observa, a sorrir, Mafalda.

 

Monte Xisto
Rua Rei Ramiro 274
4400-280 Vila Nova de Gaia
M. 938 749 528
E. gaia@quintadomontexisto.com