Casal Branco: O Tejo que sabe o que quer

Fotografia: Ricardo Garrido

“Save the best for last”. Por vezes acontece, o melhor surgir no final. E já partilhávamos a mesa de almoço, após uma visita e prova de vinhos, quando fomos surpreendidos por um Falcoaria tinto 1995. Cor granada viva, aromas ainda de algum fruto escuro, folha de tabaco, fumo e balsâmicos elegantes, finura de taninos, estrutura raçuda, final demorado. Um tinto cheio de vida, 24 anos depois... É por vinhos assim que a Quinta do Casal Branco continua senhorial.


Fundada em 1775, a propriedade que outrora foi coutada real espraia-se por 1.100 hectares. Desses, 119ha são vinhas em solos de charneca, de alguma argila e também calhau rolado. É um território muito quente e seco, onde podemos ver vinhas velhas centenárias plantadas em vaso e em consociação com olival, uma segunda área de vinhas com perto de 70 anos e uma terceira zona, já de vinha com armação, que terá cerca de 55 anos. Castelão (João de Santarém), Alicante Bouschet e Fernão Pires dominam esse encepamento. Há uma quarta área de vinhas plantadas na imensidão de Casal Branco, traçada à luz da viticultura e enologia contemporâneas, em que o mosaico de cepas é alargado ao Alvarinho, Sauvignon Blanc, Syrah, Merlot, Petit Verdot. Mas, somando todas as partes, Fernão Pires (19ha) e Castelão (20ha) são predominantes.

Nalguns solos, uma camada de argila ajuda a explicar uma certa mineralidade que conseguimos descortinar. Porém, a maioria das vinhas está em areia. Não se pense, todavia, que esse é um fator de menor expressividade. “Já conseguimos identificar vários ´terroirs´ nesses solos de areia. A Fernão Pires, em solos de charneca, tem comportamentos diferentes consoante o perfil do solo”, nota Manuel Lobo. 

Nas cogitações está um vinho de parcela, de uma vinha muito velha maioritariamente de Castelão, com rendimentos escassos, onde sobreiros e oliveiras partilham o chão. A área esteve até há pouco tempo abandonada, esquecida por entre silvas. Pois bem, foram-se as silvas, ressurgiu a videira. O tal vinho poderá ser lançado ainda este ano, incluído num quadro de lançamentos de vinhos de parcela. “Vinhos de vinha”, sublinha Manuel Lobo.

O enólogo, na atualidade mais conhecido por elaborar os durienses Quinta do Crasto, assumiu a enologia do Casal Branco em 2014. Em Portugal trata também dos alentejanos Perescuma, em Évora. Nascido em Lisboa, viveu no Casal Branco até aos 8 anos, pelo que a imensidão da lezíria, mesmo em contraste com os montes e vales do Douro, não lhe é estranha. Joana Lopes, a enóloga residente, ajuda-o no dia a dia do Casal Branco e de Perescuma.

Identidade e vinhos de guarda

Reforçar premissas de identidade e carácter no Casal Branco é o objetivo perseguido. Manuel Lobo explica-nos que a aposta passará bastante por recuperar vinhas velhas e apurar conhecimentos sobre o subsolo. O chão que pisamos ao caminhar pode muitas vezes parecer-nos semelhante, mas frequentemente é mais diverso e com potencial superior ao que poderíamos adivinhar. Esse olhar mais atento levará ainda a que as castas há muito plantadas sejam preservadas e especialmente acarinhadas. “O lado diferenciador virá por esse lado”, insiste Manuel Lobo.

A família que gere os destinos desta propriedade sabe o que tem em mãos e o contexto onde está inserida. Apostada em divergir da ideia de uma região que apenas faz volume, desde cedo percebeu que teria também que exportar. Hoje está presente em 28 mercados, EUA e Reino Unido foram dos primeiros.

“Podemos no Ribatejo, ao contrário do que muita gente pensa, fazer vinhos de guarda”, sublinha José Lobo de Vasconcelos, o CEO do projeto que cita como exemplo os Falcoaria, marca emblemática cuja primeira colheita remonta a 1989. A notoriedade suplementar e o valor acrescentado poderão surgir com o tempo, quando o Tejo alcançar “uma nova visibilidade”.

Além da vinha, Casal Branco explora outras culturas: tomate, batata, milho, ervilha, vacas mertolengas e cavalos lusitanos. Mas o vinho é sempre o vinho e os detalhes começam na atenção que se dá à origem. “É necessário equilíbrio na vinha para se produzir bom vinho”, realça José Lobo de Vasconcelos.

Tendo adega datada de 1817, ou seja, há mais de 200 anos, e uma produção média anual de 1,2 milhões de garrafas, a Quinta do Casal Branco, em Almeirim, tem portas abertas ao enoturismo, com uma loja e bar de vinhos. 

TEXTO: José João Santos e Nuno Guedes Vaz Pires