Dez anos de Mirabilis

Fotografia: Ricardo Garrido
Luís Costa

Luís Costa

São vinhos sofisticados, de grande precisão, quase irrepreensíveis, com muito equilíbrio e enorme capacidade de envelhecimento, assumidamente inspirados no “saber fazer” das regiões francesas de Bordéus e Borgonha, onde no final da década passada cresceram os “alicerces” deste projeto que acaba de lançar as colheitas 2019 – e de festejar, em simultâneo, os seus dez anos com uma prova vertical de todos os Mirabilis, tintos e brancos, desde a sua origem na colheita 2011.


Com efeito, foi em autênticas viagens de estudo a Bordéus e à Borgonha que a produtora e “front woman” da Quinta Nova, Luísa Amorim, e a viticultora Ana Mota, também na companhia de Jorge Alves – nome referencial dos enólogos do Douro e marido de Ana Mota, que abraçou a “família” da Quinta Nova precisamente com o projeto Mirabilis – trouxeram de terras gaulesas a ideia de fazer, no Douro, vinhos assim, que tivessem uma marca distintiva e um ADN muito peculiar, mostrando-se capazes de alcançar projeção entre os grandes vinhos do mundo. 

Da Borgonha, onde provaram vinhos fascinantes, trouxeram a inspiração para desenhar o Mirabilis branco – um vinho que desbravou caminho para a produção de grandes brancos na região do Douro – que junta no lote Viosinho, Gouveio e vinha centenária de altitudes superiores a 500 metros em solos de transição xisto/granito de Vilar de Maçada, Cabeda, Tabuaço e Candedo. Do Mirabilis branco 2019, que terminou a fermentação nas barricas onde depois estagiou 10 meses, fizeram-se 17 mil garrafas.

Um ano depois do lançamento do primeiro Mirabilis branco, chegou ao mercado o primeiro Mirabilis tinto, também da colheita 2011, cujo lote “fugiu” ao paradigma das Tourigas e assentou na combinação de Tinta Amarela (60 por cento) com seleção de barricas de vinha centenária (40 por cento) da própria Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo – vinhas onde existem duas parcelas plantadas em socalcos da quinta, uma de 2,5 e outra com 4,5 hectares, ambas localizadas a 150 metros de altitude com uma exposição solar sul/poente, preservadas em muros de xisto com 2,5 metros de altura e albergando a incrível diversidade de quase 80 castas tintas e brancas. Do Mirabilis tinto 2019, engarrafado em março deste ano, fizeram-se 5000 garrafas.

A Quinta Nova tem produzido Mirabilis branco todos os anos desde 2011, enquanto o Mirabilis tinto, curiosamente, apenas tem sido produzido nos anos ímpares: 2011, 2013, 2015, 2017 e 2019.

Há dez anos, Luísa Amorim queria “ir mais longe”, apostada em “trabalhar o detalhe”. Se é verdade que os grandes vinhos nascem na vinha – e Ana Mota assegurava plenamente, como ainda hoje assegura, a componente vitivinícola do projeto –, era preciso investir seriamente na enologia, no trabalho de filigrana feito na adega. E, por isso, Luísa Amorim cativou Jorge Alves com o “Atelier do Vinho” em 2010, projeto que permitiu à Quinta Nova “tratar os vinhos como obras de estudo”, desenvolvendo “pequenas vinificações de parcelas e sub-parcelas” e ensaiando “diferentes sistemas de maceração e maturação, tudo sob um rigoroso controlo”.

Agora é tempo de dar um novo passo. Como diz a própria Luísa Amorim, mais de 20 anos volvidos sobre a integração da Quinta Nova no universo da família Amorim, “sentimos necessidade de reinvestir na vinha e na adega”. Depois de um breve compasso de espera determinado pelo forte investimento feito entretanto na Quinta da Taboadella, no Dão, a Quinta Nova vai ser dotada de uma nova adega já no próximo ano, embora preservando o aspeto exterior da adega atual: “Vamos refazer a adega vocacionada para os DOC Douro, acompanhando a evolução imensa da enologia nos últimos anos. Vamos ter diferentes áreas, ou seja, na prática vamos ter duas adegas – uma só para tintos e outra para vinhos brancos. Também teremos uma sala de barricas e outra sala apenas para tonéis. E vamos trabalhar com cimento na zona de estágios.”

Serão condições ainda melhores para Jorge Alves fazer vinhos… ainda melhores. E o que prefere fazer o enólogo do Mirabilis, agora que temos a visão de conjunto da primeira década da marca? “Os brancos são muito desafiantes, enquanto os tintos são reflexos do ano. Por isso, a cada vindima é um desafio fazer o Mirabilis branco. Penso que existem alguns degraus que se notaram na prova – um em 2011 (ano de arranque, dedicado a parcelas, a muitas escolhas); outro em 2013 (que demonstra a garra e o estilo Mirabilis); e depois 2017, que transforma e transporta o Mirabilis para outra dimensão, seguindo-se três anos magníficos, que foram em crescendo – 2017, 2018 e 2019 – em que podemos explorar as parcelas, aplicar mais conhecimento de enologia, mais forma de pensar, mais prova.”

Na componente do enoturismo, assinale-se outra grande novidade da Quinta Nova: a integração no universo da Relais & Châteaux, que ocorreu no início deste ano. Com a sua componente hoteleira profundamente renovada e modernizada, a acolhedora Winery House da Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo reabriu portas há poucas semanas, disponibilizando 11 quartos com todas as mordomias e ainda o rebatizado restaurante Terraçu’s – um “winery restaurant” que junta o melhor das raízes durienses aos rigores da alta cozinha protagonizada, a nível muito elevado, pelo muito jovem e promissor chefe André Carvalho.

Localizada na margem direita do Douro, nas proximidades do Pinhão, a Quinta Nova está referenciada desde a primeira demarcação pombalina de 1756 e foi propriedade da Casa Real Portuguesa até 1725, tornando-se uma “quinta nova” pela junção de duas quintas numa só. Adquirida pela família Amorim em 1999, tem 85 hectares de vinha própria distribuídos por 41 parcelas individualizadas.