Dona Dorinda: Nova força biológica do Alentejo

 

Dorinda e Mark vivem nos Estados Unidos e vêm agora ao Alentejo sempre que podem, mais para sentir e usufruir do que para gerir este pequeno projeto que já é um sucesso, chamado Dona Dorinda Organic Wines. Basta mencionar que 50% das suas vendas hoje são feitas “cellar-door”, como é praxe nas adegas de maior prestígio do país natal de Dorinda, mas muito pouco comum por estas terras. Ela é o espírito do projeto, apaixonada pela sustentabilidade, impulsionadora desde o começo para criarem uma quinta totalmente integrada, um ecossistema no qual a produção de uvas, a criação de animais, as outras culturas, a água e o solo são curados segundo princípios biológicos e biodinâmicos.


Mark é engenheiro, possui um viés mais prático, mas é um grande colecionador e conhecedor de vinhos do mundo. Dele surgiu a ideia de se focarem nas duas castas rainhas do norte do Ródano, Viognier e Syrah, para forjarem vinhos de imensa qualidade nas condições climáticas mediterrânicas quentes de Évora. Dorinda e Mark são antes de tudo “muito humanos”, como revela Victor Conceição, o homem que está à frente do projeto desde 2006. Nascido e criado em Évora, conhece profundamente o valor daquela terra: “Esta zona de Valbom, onde estamos, juntamente com o Convento da Cartuxa e a Fundação Eugénio de Almeida, possuía as hortas e vinhas que abasteciam a cidade romana de Évora e outras cidades do império”, ou seja, 2.000 anos de tradição. Mas foi o Mark que empurrou o projeto definitivamente para o vinho. Hoje, Victor é o responsável pela vinha, pela adega e também pela gestão e negócios da Dona Dorinda, com rigorosa dedicação e notável paixão por aquilo tudo.

A antiga quinta de Nossa Senhora da Conceição abriga um edifício setecentista e uma linda capela totalmente recuperados pelo casal Winkelman. Possui atualmente 60 hectares, com o montado típico alentejano, o qual alimenta os porcos pretos, e onde convivem em harmonia as vacas Garvonesas, cujo estrume alimenta as vinhas, e cães Rafeiros do Alentejo, mas também pequenos animais e aves autóctones, insetos, peixes no lago, enfim, muitas formas de vida, e todas importantes para manter a fazenda e os vinhos extremamente vivos e vibrantes. A pensarem nas gerações futuras, já plantaram mais de 2.000 árvores na propriedade. “Isto aqui é um pequeno paraíso”, diz Victor, com orgulho de um trabalho bem feito.

Desde a primeira vinha em 2006, Dorinda, Mark e Victor estão focados no cultivo biológico e, por isso, plantaram a bela meia-lua em torno de uma pequena elevação (sobe dos 282 aos 295 metros sobre nível médio do mar) com grande espaçamento entre as plantas, de 1,30 metros, e entre as filas, de 2,70 metros, além da altura do cordão duplo a 70 cm do solo, de forma a maximizar a ventilação, exposição e minimizar o risco de doenças fúngicas. Um coberto vegetal de ervas locais, tão bonito esteticamente, também contribui para a textura, a vida nos solos, e evita a erosão nas filas de vinhas que se encontram no topo da leve colina. Como a vinha circula metade do monte, há vários microclimas, com resultados diferentes, a somarem para a complexidade dos vinhos. Para além desta vinha tão peculiar e bonita, de 2,2 hectares, possuem outras parcelas dentro da mesma filosofia de viticultura, a totalizarem 8 hectares na propriedade (5 ha de Syrah e 3 ha de Viognier).

Victor é minimalista nos tratamentos, efetuando 3 ou 4 por ano apenas, e dentro dos preceitos do cultivo biológico, com certificação na Europa e nos Estados Unidos. Infusões, misturas e sprays biodinâmicos são empregados na vinha desde 2007/2008, preventivamente, e todos os trabalhos seguem o calendário lunar.  Uma severa monda de cachos é realizada todos os anos, com o objetivo claro de criar vinhos concentrados e com capacidade de guarda. Com a Serra d’Ossa a pouco mais de 30km. em linha reta, uma das características do terroir da Dona Dorinda é a amplitude térmica, que normalmente atinge 17ºC durante a altura da vindima. Por isso, Victor sempre organiza a vindima noturna, animada por boa música, em prol da frescura dos seus brancos e tintos. Os solos na meia-lua são compostos por argila vermelha, limo e diorito, com alguma presença de xisto.

A vinificação destes primeiros anos deu-se sempre na Herdade da Calada, onde nasceram vinhos impressionantes como os tintos Grande Reserva 2011 e o Reserva 2015. A cada ano, são elaboradas apenas 5.000 garrafas totais, que incluem um branco 100% Viognier fermentado em barricas francesas usadas Saury, e para os próximos anos algo de Stokinger austríacas, com uvas colhidas precocemente em busca de frescura e equilíbrio; e um tinto, que pode ser 100% Syrah, ou então, a depender da frescura e do álcool do Viognier no ano, 85% Syrah e 15% Viognier em co-fermentação. Há vários clones de Syrah plantados na vinha. Até 15% de uvas com engaço podem entrar na vinificação, engendrando frescura e um tão bem vindo toque picante e especiado. Os tintos são estagiados em barricas de 500 litros, novas e usadas, Saury e Stockinger. Fomos visitar a nova adega em construção, com 650 m2, preparada para trabalhar pela força da gravidade, e a poucos metros das vinhas. Já estará pronta para receber a vindima 2021, e certamente contribuirá para consolidar a qualidade e carácter único destes vinhos portentosos da velha campanha de Évora. “Isso aqui partiu de uma paixão, e queremos marcar a diferença”, conclui o perfecionista “guardião da terra” Victor.


Dona Dorinda 
Valbom do Rouxinol 
Quinta Nossa Sra. da Conceição 
Estrada de Arraiolos, 7000-744 Évora
M. 967 603099    
E. reservas@donadorinda.com


Texto: Célia Lourenço, Guilherme Corrêa, José João Santos
Fotos: Fabrice Demoulin e Rita Chantre