Entrevista: Pedro Sousa

Fotografia: Ricardo Garrido
Luís Alves

Luís Alves

Um nome clássico e pioneiro nas cervejas artesanais em Portugal. Este professor de informática de profissão é hoje mestre cervejeiro a tempo inteiro num projeto a solo, depois de ter sido um dos fundadores da Cerveja Sovina. Aos 38 anos, acumula uns impressionantes 24 a produzir cerveja – começou aos 14, numa das muitas atividades ‘extra-curriculares’ – e falou com a Revista sobre esta “moda que não é uma moda”.



Quando é que começou a fazer as primeiras cervejas artesanais?
Teria uns 14 anos. Ou seja, há uns 25 anos. Comecei com o meu irmão que depois me ‘abandonou’ no projeto quando entrou para a faculdade. Mas a cerveja foi a terceira opção. Tentámos a sidra mas percebemos que não teríamos maçã o ano todo. E não fizemos vinho porque ninguém nos deu uvas.

Mas chegaram a fazer sidras?
Fizemos e correu bem! Inspirados por essa boa experiência, lançamo-nos nas cervejas. Tínhamos a receita – água, malte, levedura e lúpulo – e ingenuamente achámos que seria uma estrada aberta e quase solitária, não havia quase ninguém a fazer cerveja. Mas não percebíamos nada. E não correu bem. Precisei de cinco anos para fazer alguma coisa decente.

O que mudaram?
Melhorámos a matéria-prima. Importa lembrar que estávamos em 1995. Já havia Internet mas não era acessível à maioria das pessoas. E a bibliografia era escassa. Lembro-me de ir para a Faculdade de Engenharia do Porto, ao fim de semana, para procurar informação sobre o assunto.

Um trabalho de persistência.
Sim, até porque a cerveja artesanal parece, vista de fora, uma ideia romântica. Mas é enganador. No dia-a-dia é um trabalho duro. Acordar cedo, deitar tarde, pegar em pesos, sujarmo-nos. Um trabalho que não é limpo e não é das 9h às 18h. Eu chamo-lhe a ‘trolhice’ do malte. É tudo menos romântico. Para as coisas correrem bem temos de desligar o coração e ligar a cabeça.

Era professor antes de ser cervejeiro, correto?
Sim, a minha profissão de origem é professor de informática. Saí do ensino na fundação da Sovina.


SOVINA, A PIONEIRA

Como nasceu aquela que é considerada uma das primeiras ou mesma a primeira cervejaria artesanal portuguesa?
Primeiro tivemos um obstáculo enorme. Demorámos [Alberto Abreu, Arménio Martins e o Pedro Sousa] dois anos a legalizar porque não tínhamos enquadramento nos organismos públicos. Depois começamos a produzir e a comercializar, sobretudo no Porto e mais tarde a nível nacional. Evoluímos com alguma rapidez.

Mais tarde saiu da sociedade. Como vê a marca atualmente, agora que faz parte do grupo Esporão?
Fico satisfeito por saber que foi alvo de interesse de um grande grupo português. Significa que o mercado das cervejas artesanais tem interesse e existe dinâmica no meio. Há um espaço muito significativo para a cerveja Sovina porque já tem tradição e uma marca trabalhada.

E o mercado português está organizado?
Estará se souber olhar para os exemplos que nos chegam do exterior. Se olharmos apenas para o nosso umbigo vamos ter um atraso de pelo menos nove meses.

Que bons exemplos temos de outros mercados?
A Ásia é uma boa surpresa. A Rússia e os países nórdicos também têm estado com ritmo interessante.

A pergunta obrigatória: as cervejas artesanais são uma moda ou não?
É uma moda como tudo é uma moda. Como o gin, como certos tipos de vinho. Mas dentro da moda, existe um mercado real. Um mercado conservador que não anda apenas atrás das novidades. Um público que bebe fielmente cerveja artesanal, como os que bebem cerveja industrial.

Os públicos das novidades não são bons públicos?
É o mercado das novidades. Bebem um copo de uma novidade, depois bebem outro copo de outra novidade. Isto faz com que o cervejeiro por vezes produza apenas um barril da cerveja nova que lançou.

Como vê o mercado daqui a 10 anos?
Teremos necessariamente menos marcas, vão acontecer algumas fusões de pequenas empresas que se vão tornar um pouco maiores, o que é bom, e a qualidade e a validade têm de aumentar.

A validade?
É um ponto essencial. Uma cerveja artesanal tem de ter uma validade mínima para o cliente ter a segurança de quem tem um produto que não se estraga num período curto.


O PROJETO A SOLO

Depois de sair da Sovina, criou uma marca a solo, a Post Scriptum.
Sim, em 2013. Temos sede na Trofa e é a partir de lá que produzimos. Temos a máquina afinada agora e estamos a uma boa velocidade.

Como se divide o vosso portefólio?
Temos quatro cervejas em garrafa: uma Pilsener, de estilo mais clássico; uma Imperial Indian Pale Ale, muito bebível e com um público fiel; uma DoppelBock, feita de uma forma rara, com uma cor dourada; e uma Imperial Stout, já uma imagem de marca da Post Scriptum, com 12% de álcool e também muito bebível.

E cervejas sazonais?
Temos outras quatro: uma Portuguese Grape Ale, com mosto de vinho verde, da casta Loureiro. Assemelha-se a uma sidra e tem um público diferente do habitual. Temos a Melindrosa, feita com mel biológico; fazemos também uma cerveja com cacau de S. Tomé; e uma outra, a Cherry, com cervejas do fundão. Além disso, temos uma cerveja feita para as grandes superfícies, pensada com uma engenharia de custos, ou seja, pensada para ter um custo de produção baixo. Temos ainda uma cerveja biológica e sem glúten, com um mercado específico.

E em barril?
Temos várias cervejas. Temos uma Irish Stout, a Hells Bock, a Capicua – esta última, em colaboração com a oitava colina -, a Máxima, com 17% de álcool e várias outras. E também produzimos para outros projetos. Estamos também a fazer uma cerveja com a Porto Cruz, envelhecida em tonéis de 1700 litros que anteriormente tiveram Vinho do Porto. 

Se amanhã lhe surgisse uma boa oferta para a Post Scriptum, vendia-a?
Claro! Por um bom preço, por um preço justo. Como qualquer outra pessoa.