Espera Wines… ou como vinhos simples merecem grandes elogios

Fotografia: Ricardo Garrido
José João Santos

José João Santos

Rodrigo Martins equacionou fazer do trompete vida profissional. Ainda compatibilizou Agronomia e música durante uma boa temporada, até que uma cadeira de Viticultura o despertou para o vinho. Fez mestrado em Enologia e desde então combina vinha e adega em tons melodiosos. É biológico por redenção, candidato a biodinâmico por convicção. Os vinhos pessoais, entre Óbidos e Alcobaça, mostram uma sinceridade e precisão difíceis de alcançar.

 

Rodrigo Martins não tolera defeitos nos vinhos. Admite que os vinhos funky até estão na moda, mas os Espera são tudo menos isso. “Queremos ser clássicos neste perfil mais orgânico, mas nada de defeitos”, garante.

Natural de Óbidos, a música tornou-se paixão maior na idade dos sonhos. No final do secundário estava apostado em tornar-se trompetista profissional, pelo que seguiu o Conservatório. Um amigo, entretanto, mudara-se para Lisboa para estudar Agronomia e convenceu-o a fazer o mesmo. Música e plantas ensaiaram-se mano a mano, até que uma cadeira de Viticultura, ministrada por Carlos Lopes no Instituto Superior de Agronomia (ISA), o despertou de vez – eram as vinhas e o vinho que queria definitivamente seguir.
Haveria de cumprir mestrado em Enologia e o estágio de seis meses proporcionado pelo professor, que entretanto se tornou num amigo, na histórica Quinta de Pancas, ainda hoje reconhece ter sido basilar para o que faz. E não é pouco.


Rodrigo Martins é o enólogo de projetos tão distintos quanto a Adega Cooperativa de Alcobaça (onde se iniciou a solo no ofício), a Herdade das Fontes Bárbaras (Castro Verde, Alentejo), a Herdade do Cebolal (Península de Setúbal), a Quinta da Silveira (Vale da Vilariça, Douro), a Quinta dos Capuchos (Alcobaça, Lisboa) e a Quinta da Várzea da Pedra (Bombarral, Lisboa). Passou ainda pelos projetos Serra Oca (Quinta do Olival da Murta, Óbidos, Lisboa) e João Barbosa (Tejo e Alentejo), mas à medida que os Espera vão crescendo em afirmação, a quantidade de consultorias tenderá a diminuir.


Foi em 2014 que a história dos vinhos próprios começa a ser escrita. Rodrigo assumiu micro parcelas de vinhas velhas abandonadas e testou as primeiras vinificações. Sem rótulo nem marca, aproveitou o casamento, em que serviu os primeiros ensaios, para testar a criatividade dos convidados. As sugestões estiveram longe de corresponder às expetativas, pelo que o nome acabou por surgir em plena vinha. Rodrigo e Ana Leal, que assume a comunicação e o marketing do projeto, concordaram que Espera seria um nome fácil de memorizar e de transmitir em diferentes idiomas, significando também muito o processo natural e criativo que lhe está na origem.
Encontramo-nos com ambos numa singela vinha de Aldeia de Montes, Alcobaça. Zona de planalto, 120 metros de altitude, escassos quilómetros em linha reta do mar batido da Nazaré. Ou seja, muita frescura e salinidade, carácter atlântico vincado, humidade alta, para o bem e o menos bom.


Só nesta singela parcela de vinha encontramos três diferentes solos: argila escura, com pouco calcário; argila com calcário compactado; e argila com calhau rolado calcário, a um metro de profundidade. Os solos permitem uma acidez natural, a proximidade do mar ajuda ao carácter salino e à frescura acrescida, mas todo o contexto é também perfeito para o desenvolvimento de fungos. Apesar da permanente atenção, há intervenções frequentes com recurso a cobre e a enxofre. “Um desafio diário”, admite. 
Nas vinhas mais velhas, o espaçamento das plantas à superfície é contrabalançado pelo bom preenchimento das raízes no solo. Por entre cepas mais antigas e novas plantações, está a conseguir produções médias por planta entre 6 a 7 toneladas/hectare, tendo por objetivo atingir 8 a 10. Aliás, defende uma alta densidade de plantação, recusando que isso possa, de alguma forma, beliscar o que seja em qualidade. Na vindima de 2021 conseguiu matéria-prima para elaborar 25.000 garrafas, 60% brancos, 40% tintos. 
Os Espera, cujo primeiro vinho apenas conheceu o mercado em 2018, não começaram por ser trabalhados em modo bio. Foi apenas desde 2017 que a produção passou a ser totalmente biológica, embora não certificada, estando em estudo a transição para uma abordagem biodinâmica. É também de 2017 a primeira vinha plantada de raiz.


Por entre vinhas próprias e parcelas arrendadas, contam-se cinco hectares em Alcobaça e quase outros tantos em Óbidos, embora ainda não totalmente a produzir. A ambição de passar a engarrafar vinhos enquanto DOC Óbidos é assumida, até porque uma vinha centenária de Castelão e outra, com mais de 80 anos, de brancos, situam-se precisamente em Óbidos.


Rodrigo continua a excluir o recurso a castas internacionais, defendendo que a diferenciação terá que fazer-se através do património genético nacional e, preferencialmente, regional. Lembra a chuvosa vindima de 2014, onde variedades como a Touriga Nacional foram dizimadas, tendo o Castelão ficado incólume. Aliás, entende o Castelão como a casta tinta de eleição para Lisboa, a par da Tinta Miúda, do Moreto e do Ramisco, em localizações específicas. Nos brancos coloca as fichas no Arinto e no Fernão Pires, dando também méritos ao Bical e prevendo para breve uma maior aposta na Baga.


Antes da pandemia, o negócio passava por garrafeiras e restaurantes mas a nova realidade alterou por completo o destino dos Espera. Estão hoje presentes em quase 20 mercados, para onde tem sido vertida mais de 85% da produção.
Rodrigo Martins, que a Revista de Vinhos nomeou recentemente para o prémio “Enólogo Revelação”, é na atualidade dos mais sólidos e talentosos protagonistas de uma nova geração. Mais do que isso, é hoje um vigneron lógico. Daqueles que sabe o que faz, daqueles que sabe onde quer chegar.