Estrelas de Portugal: Alexandre Carreira

Fotografia: Fotos D.R.
Luís Alves

Luís Alves

Esta é uma história que começa por ser de amor e que, em última análise, é também de aproveitamento de uma boa oportunidade. Alexandre Carreira, natural de Oliveira do Hospital e profissional da área da restauração e dos vinhos, trabalhou durante 20 anos em Lisboa. Foi na capital que conheceu a atual mulher, natural da Suécia, e foi por ela que emigrou, no inverno de 2017. “Conheci a minha esposa em 2013 no Grapes & Bites, um espaço de vinhos que abri em Lisboa”, começa por contar.

 

Depois seguiu-se uma troca de viagens entre o país nórdico e o país do sul da Europa até que, há três anos, Carreira decidiu mudar-se de vez. Antes disso, importa explicar que a agora esposa de Alexandre ficou não só enamorada pelo profissional da área como também pelos vinhos portugueses. “Ficou absolutamente extasiada pelos vinhos nacionais. Aliás, gostou tanto que quando regressou a Estocolmo, inscreveu-se na Academia de Restaurantes e fez um curso de sommelier”, recorda Alexandre. Depois, chegou o passo seguinte e Alexandre mudou-se em definitivo para a capital sueca. Para trás deixava quase duas décadas de vida profissional em Lisboa. Passou por restaurantes de topo na capital e abriu o Grapes & Bites, mais tarde o Lisbon Wine Lovers e, por fim, o Lisbon Winery. Todos ainda hoje a funcionar em pleno, todos no Bairro Alto e todos, claro, com um foco especial nos vinhos portugueses. “Sou uma pessoa apaixonada por aquilo que faço. E foi esta paixão que me trouxe para o mundo dos vinhos, com toda a determinação, com coração. Levanto-me todos os dias com energia e a melhor disposição para enfrentar o dia”, conta Alexandre.

Por terras frias

Decisão tomada. Malas feitas. Alexandre aterra definitivamente em Estocolmo em 2017. “Um país de terras frias, de pessoas frias”, resume friamente Alexandre, que começou por trabalhar num restaurante italiano e por lá criou um verdadeiro lastro nacional. “Trouxe cada vez mais vinhos portugueses para a carta, a estabelecer contactos com alguns importadores. No fundo, criei um grupo de seguidores”, resume o português. Daí até abrir um espaço próprio passaram três anos. “A abertura do Cork Vinbar começou a fazer todo o sentido. É o primeiro bar de vinhos portugueses em toda a Escandinávia”, apresenta Alexandre. E num país de terras frias, acolher de forma calorosa distingue. “Os suecos não estão habituados ao acolhimento do sul da Europa. Quando chegam ao meu bar e eu acolho-os como se estivessem em casa, ficam extraordinariamente surpresos. E quando lhes dou a experimentar um vinho e não gostam e troco no instante a seguir, eles não querem acreditar. Porque não estão habituados a isso”, conta Alexandre. Por isso, o balanço, só podia ser positivo: em dois meses, o Cork Vinbar, com apenas 20 lugares, abriu 1500 garrafas de vinhos portugueses.

O espaço na cidade antiga de Estocolmo é o primeiro bar dedicado totalmente a vinhos portugueses em toda a Escandinávia. Com 200 referências nacionais, todas servidas a copo, a carta percorre o país de Trás-os-Montes à Madeira. Não será por isso surpresa que a abertura do Cork Vinbar tem sido motivo de muita atenção, começando pela tradicional imprensa sueca, aos mais descontraídos blogues do setor, passando também pelos guias de lazer. Alexandre Carreira explica o fenómeno mediático: “Os bares na Suécia têm como focos os vinhos franceses, italianos ou americanos. Nós fomos pioneiros e isso é notícia”, explica o proprietário, que divide a sociedade com Giacomo Disalvo, um jovem cozinheiro italiano, com apenas 25 anos, que assegura a gastronomia do espaço. “Trabalhei com ele durante algum tempo e fiquei com muito boa impressão. Para já, quero assegurar o que fazemos bem. Isto é, comigo na escolha dos vinhos e nas harmonizações, o Giacomo na gastronomia italiana clássica. Depois, quando a poeira acalmar, não será difícil ensinar o Giacomo a fazer bolinhos de bacalhau”, diz entre risos Alexandre.

A Suécia, esse produtor de vinho do futuro

Portugal, já se sabe, está no topo no que ao consumo de vinho diz respeito. Ainda assim, a Suécia não está mal classificada e os suecos bebem cada vez mais e com maior conhecimento. Têm regras que muito dificilmente infringem. Por exemplo, ao almoço ninguém bebe, porque ainda há uma tarde de trabalho pela frente. “Mas à noite vingam-se”, conta Alexandre, que descreve também como é a Suécia enquanto país produtor de uvas. “Cada ano que passa temos a melhor colheita de sempre. As alterações climáticas estão a mudar as coisas também por aqui. No caso dos países mais a norte, muda para melhor. Porque temos invernos menos rigorosos e verões mais quentes. E os vinhos, apesar de se tratar ainda de uma produção residual, estão cada vez melhores”, descreve o português.

No Cork Vinbar, há uma região que encanta Alexandre e que está perfeitamente refletida na carta: Colares. “Da última vez que abri vinhos dessa região portuguesa, tive doze sommeliers suecos a fazerem uma prova vertical de Viúva Gomes, de colheitas de 1965, 1967, 1969 e 2011. Um regozijo! Pessoas habituadas a beber todos os tipos de vinhos ficaram encantadas. Pessoas que tinham acabado de beber Barolos da década de 70 e 80, já um pouco mortiços, de repente bebem um vinho português de 1965 ainda cheio de vida e com capacidade para respirar mais uns 20 anos”, descreve Alexandre, entusiasmado.

Também os Vinhos Verdes têm feito sucesso, com um trabalho mais profundo a fazer, na desmistificação deste tipo de vinho. Ou os Portos, tidos por muitos como demasiado alcoólicos. Pequenos mitos que Alexandre Carreira tem tratado de limpar por terras frias da Escandinávia.

A pergunta de sempre, no final, aos Estrelas de Portugal: para quando o regresso? “Muito sinceramente, duvido que haja um regresso. Estou bem por cá, trabalho no que gosto, tenho família e agora um filho pequeno. Espero abrir um espaço de restauração apenas dedicado à gastronomia portuguesa, porque também temos défice por cá”.