Estrelas de Portugal: Edgar dos Santos

Fotografia: Fotos D.R.
Luís Alves

Luís Alves

É uma história de perseverança. Edgar dos Santos, português a viver em Amesterdão há 20 anos, representa fielmente os bons produtos portugueses, através da sua Casa Bocage, bem no centro da capital holandesa. Mas até ali chegar, conta-se um caminho de luta e trabalho. Em Portugal fez apenas o ensino obrigatório e trabalhou como operário numa fábrica de sapatos alemã. Emigrado na Holanda, fez limpezas e começou finalmente a estudar na área que desejava: a gastronomia. Fez carreira, deu formação e hoje lidera o projeto Casa Bocage, um espaço de produtos portugueses.


O Edgar nasceu na Beira Alta, na Guarda. Como foi a sua infância? Como a resumiria?
Nasci em Vale de Madeira, uma pequena aldeia no concelho de Pinhel, uma terra de bom vinho. Mas habituei-me a dizer que sou da Guarda porque quando digo o sítio onde nasci exatamente ninguém conhece. Tive uma infância pobre mas feliz e harmoniosa. Mas pareceu-me muito fugaz. Quem me dera regressar a esses tempos, de onde tenho boas memórias que nunca esquecerei.

Qual é a formação do Edgar?
Em Portugal não fiz formação alguma. Tirei apenas o 9º ano que era na altura o ensino obrigatório. Já na Holanda formei-me em gastronomia e fui chefe de cozinha durante vários anos. Mais tarde, a ambição levou-me a investir e a ter o meu próprio espaço gastronómico, e novamente como chefe comecei a dar formação na área da gastronomia.

Qual foi o primeiro emprego?
Em Portugal foi como operário numa fábrica alemã de sapatos. Na Holanda, acabado de chegar, comecei pelas primeiras oportunidades que surgiram. Trabalhei em algumas empresas de higiene e de limpezas. Limpava escritórios, bares e outro tipo de estabelecimento.

Como chegou à Holanda e porquê? Sei que a ideia inicial seria ir para Nova Iorque.
Sempre quis sair de Portugal. Procurava uma aventura nova. Era como se fosse um sonho por concretizar. A minha chegada à Holanda era na altura temporário. Seria uma passagem para Nova Iorque. E a ideia prevaleceu até o atentado de 11 de setembro 2001 nos ter surpreendido a todos. Fiquei algum tempo à espera de uma oportunidade melhor mas se já antes era complicado entrar nos Estados Unidos, depois tornou-se quase impossível. E a juntar a isto, fiquei com algum medo. Ninguém sabia o que iria acontecer, falava-se inclusivamente numa terceira guerra mundial. Enfim, acabei por nunca ir trabalhar para a cidade que tinha como “de sonho”.

Quando há quase 20 anos chegou à Holanda, como era a gastronomia? Que diferenças encontra para os dias de hoje?
Eu diria que era uma gastronomia muito pobre. Havia, ainda assim, uma oferta grande de restaurantes com várias influências devido à diversidade também ela grande de nacionalidades. Algo muito diferente do que estava habituado em Portugal e que era e ainda é cultural. Muito “fastfood”, muito “streetfood”. Atualmente, a gastronomia cá tem inovação e é bastante atrevida, embora a Holanda continue a não ser um país rico desse ponto de vista. Temos chefes muito capazes e restaurantes com grandes nomes internacionais. E por incrível que pareça existem muitas estrelas Michelin num país pobre em gastronomia.

E produtos portugueses nessa altura, quando aí chegou? Eram difíceis de encontrar?
Era muito difícil encontrá-los. A única exceção era o “rei da gastronomia portuguesa”, o bacalhau. Na altura os produtos portugueses encontravam-se quase sempre e apenas entre os portugueses e não estavam nos circuitos comerciais, como outros produtores de países da União Europeia. Não sei explicar porquê.

Como é que chegou até à Casa Bocage, o seu espaço em Amesterdão?
A partir de uma proposta de um amigo que era o proprietário deste espaço que já existia. Eu já lhe comprava alguns produtos enquanto trabalhava como chefe e ele sabia que eu queria abandonar a minha profissão. Mas na altura não sabia o que fazer. Esta proposta veio em boa altura.

Tem muitos clientes portugueses?
Sim, muitos! E tenho um tipo de emigrante português muito diferente daquele que existia há 20 anos em Amesterdão. Um cliente que percebe e dá o devido valor à qualidade dos produtos lusos e que me dá muita energia para continuar. 

E vinhos portugueses? São muito procurados?
Sim, sem dúvida, cada vez mais.

Os holandeses são bons consumidores de vinho? São informados?
Embora a Holanda não seja um país produtor, bebe-se muito vinho e há muito conhecimento e informação nessa matéria.

Que mensagem deixaria aos produtores portugueses que queiram entrar no mercado holandês?
Uma mensagem muito pequena e ao mesmo tempo muito clara: apostem em quem os representa fora de portas e faz um bom trabalho com o nome de cada um deles.

Quais os produtos mais procurados na Casa Bocage?
Os vinhos, claro, mas também as conservas, tudo o que tem a ver com pastelaria, enchidos, queijos e azeites. Os produtos tipo gourmet têm tido um crescendo de procura.
 
E quais é que são mais difíceis de vender?
O vinho, novamente, e a charcutaria. 

O pastel de nata e café já começam a ser também um hábito matinal dos holandeses?
Aqui há uma cultura de pequeno-almoço diferente da de Portugal. Mas sim, ainda que lentamente, vai-se criando esse hábito ainda que não seja associado ao momento do pequeno-almoço.

Histórias engraçadas. Alguma que se recorde especialmente destes últimos anos no contacto diário com os clientes?
Tenho muitas. Acho que conseguiria escrever um pequeno livro com as coisas engraçadas que os holandeses tentam pronunciar em português, por exemplo. Uma vez, logo pela manhã, entra um cliente na minha loja e diz-me: “Bom dia. Queria quatro patas para levar se faz favor”. Fiz um esforço para não me rir mas não aguentei. É claro que o cliente referia-se às nossas natas…

Queijo português ou holandês. Qual o melhor? E o pão? Ambos os produtos têm muita tradição quer em Portugal quer na Holanda.
Ambos os países têm essas duas iguarias bem presentes na sua cultura gastronómica. É uma pergunta difícil. Mas não sou capaz de trocar uma boa broa de milho ou o verdadeiro queijo da Serra da Estrela por nada deste mundo.

O que alimenta os dias do Edgar quando pensa no futuro?
Tento não pensar muito no futuro. Prefiro viver o presente da melhor forma possível, as pessoas que eu amo são o alimento dos meus dias e os responsáveis por me fazer levar esta viagem até ao futuro.

Imagina-se a regressar a Portugal um dia?
Por enquanto não.