ESTRELAS DE PORTUGAL: João Hipólito

Fotografia: Fotos D.R.
Luís Alves

Luís Alves

Nascido em S. Vicente da Beira, a 30 km. de Castelo Branco, João Hipólito atravessou o Atlântico há pouco mais de seis anos e é hoje o chefe executivo de um dos mais famosos restaurantes portugueses no Canadá, o Ferreira Café. Levou na mala um plano e operou uma pequena revolução portuguesa de que se orgulha.


A entrevista atravessa águas atlânticas em direção a Montreal, onde João Hipólito está em trânsito. Durante a conversa, percorre o caminho que separa o local de residência e o Ferreira Café, onde trabalha há mais de seis anos. Rapidamente recua mais de duas décadas para recordar o primeiro passo que deu na carreira: contar aos pais que queria ser cozinheiro. “Bom, não foi especialmente fácil. A ideia nobre que hoje temos da profissão tem poucos anos de vida. Naquela altura ser cozinheiro era pouco prestigiante”, lembra João Hipólito que nasceu “praticamente num talho”. Num talho?, perguntamos sem perceber. “É verdade. Os meus avós tinham em Castelo Branco um negócio de talhos. Desde muito pequeno que esse foi o meu contexto, entre animais vivos e mortos, entre carne em preparação para ser comprada e vendida”, explica. E talvez tenha vindo daí a inspiração para escolher aquilo que hoje é a carreira do chefe radicado no Canadá e que aos quatro anos já era o provador oficial dos produtos que a avó fazia no talho, sobretudo das morcelas. “Uma opinião tida em conta”, assegura Hipólito.

Da Serra da Estrela para o Canadá

João Hipólito começou em 1998 na Escola Profissional de Hotelaria de Manteigas. Dali seguiu para a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, onde se formou em Produção Alimentar em Restauração. Ansioso por meter a mão na massa, Hipólito, ainda estudante, começou a trabalhar. Primeira paragem, Casa da Dízima, em Paço de Arcos. Depois, a Quinta de Catralvos, em Azeitão, com o chefe Luís Baena, com quem abriu mais tarde o restaurante Manifesto, em Lisboa. Seguiu-se a primeira experiência internacional: nos Estados Unidos esteve dois anos no grupo Seabra, o maior importador de produtos portugueses da América do Norte. Entre desafios profissionais, é-lhe apresentado aquele que viria a ser o seu futuro patrão. “Tinha uma amiga em comum com o Carlos Ferreira e foi ela quem nos apresentou”, recorda. Na altura, o empresário estava a contratar pessoas para o Ferreira Café, no Canadá, mas a decisão não foi imediata. Nesse compasso de espera, Hipólito aceitou uma oferta de emprego na Serra da Estrela, num grupo hoteleiro. No primeiro dia de trabalho, recebe uma chamada que já não esperava. “Ligou-me o Carlos Ferreira. Tinha uma oferta de emprego para mim. Mas já tinha dado a minha palavra e não podia voltar atrás. Disse-me para lhe ligar mais tarde. E assim fiz, passado um ano”. A oferta ainda aguardava o chefe. Bilhete de avião na mão e malas prontas, eis o início da aventura no Canadá.

Portugal de novo no Ferreira Café

O Ferreira Café é hoje o grupo Ferreira. Para além do restaurante, aberto desde 1996, na baixa da cidade de Montreal pela mão do “self made man” Carlos Ferreira, também há uma empresa de catering, outros dois restaurantes e ainda duas importadoras de vinho. “O Carlos Ferreira é uma inspiração para todos os que trabalham com ele. É um homem do terreno, alguém que faz o que for preciso e não fica apenas na posição de proprietário”, explica João Hipólito. E já são muitos os que trabalham no grupo, mais de 150 atualmente. Só no Ferreira Café são 80 pessoas que, por noite, chegam a servir mais de 250 clientes. Quando Hipólito chegou ao Ferreira Café encontrou um espaço de traça e inspiração portuguesas mas adaptado à realidade do Québec. “Esta região tem uma grande influência francesa e italiana. Os peixes eram servidos apenas em filete e o arroz tinha de ser sempre risoto. O nosso arroz português é tido como demasiado seco”, explica o chefe.

João começou então uma pequena revolução, ao trazer de volta a tradicional gastronomia portuguesa. Um exemplo: o peixe fresco que agora chega ao restaurante duas vezes por semana desde Portugal. E também as receitas que vieram da Beira Baixa. “Uso receitas da minha mãe e da minha avó. O cabrito, por exemplo, ou os enchidos, que aqui não têm a qualidade” que gosta. Por isso, “faço-os eu mesmo”. As “tigeladas, doce típico da região, também chegam ao Ferreira pela minha mão. Enfim, as receitas tradicionais apresentadas de uma forma mais moderna”, conta João.

O chefe, nomeado em 2015 para os Notable Awards e orador convidado no Congresso dos Cozinheiros no preciso dia em que fez 20 anos de carreira, tem uma presença assídua na imprensa canadiana, sobretudo na televisão, com audiências superiores a um milhão de pessoas. E entre tanto protagonismo e prestígio do Ferreira Café, que lugar têm os vinhos portugueses? “O Carlos Ferreira tem sido um verdadeiro embaixador de Portugal em Montreal. Temos uma marca própria de vinhos mas temos também uma extensa e muito rica lista de referências nacionais. Ainda há dias foram abertas três Barca Velha de 1995”, conta Hipólito, que continua a visitar o país natal duas ou três vezes por ano e deseja ver cada vez mais portugueses no Ferreira Café.