Henriques & Henriques - Equilíbrio & Experiência

Fotografia: Ricardo Garrido

Estamos no Estreito de Câmara de Lobos, nos armazéns de envelhecimento da Henriques & Henriques (H&H). A empresa foi das primeiras a deixar o maior rebuliço do Funchal para se fixar uns quilómetros adiante, onde o tempo parece correr mais devagar e o mar parece ouvir-se melhor. Tempo e maresia são, aliás, indissociáveis dos grandes vinhos Madeira.


Recebe-nos Humberto Jardim, desde 2008 o principal guardião da casa. “Cada um de nós absorveu a mensagem que vinha do passado, continuamos a assinar com a tinta que vinha do passado”, diz-nos a dada altura.

H&H foi fundada em 1850 por João Joaquim Henriques. Já em 1938, depois de várias peripécias familiares, o então acionista principal, João de Belém, abre o capital à entrada de Alberto Jardim, Carlos Nunes Pereira e Peter Cossart – irmão de Noel Cossart, da Cossart Gordon. Bem mais recente é a chegada do gigante francês dos espirituosos, La Martiniquaise, que igualmente detém a Gran Cruz (o gigante do Vinho do Porto) e a Justino’s (o maior produtor de Vinho Madeira). Todavia, a H&H mantém bastante autonomia e preserva um posicionamento próprio, procurando no grupo a alavanca de contactos comerciais e de sinergias operacionais que de outra forma não conseguiria.

Presente e pensamento futuro coexistem com o passado. A H&H é das poucas a ter apostado forte numa vinha própria, na Ribeira do Escrivão (Câmara de Lobos). Vinhedos de pés assentes no basalto tradicional na ilha, em espaldeira, a altitudes que vão dos 600 aos 750 metros. O encepamento é dominado pelo Verdelho e o Sercial.

A compreensão do património genético disponível na ilha é uma pedra de toque na conversa com Humberto Jardim. Defende que todos deverão apostar forte no Verdelho e não é entusiasta da possível importação de variedades não cultivadas na ilha. Depois, o exercício de adaptar cada variedade a uma determinada tipologia de Vinho Madeira. “Cada casta tem uma identidade própria. Por exemplo, o Sercial não tem perfil para ser vinificado como um doce”, observa.

“Identidade” é uma palavra que usa bastante enquanto caminhamos pelos corredores repletos de pipas, balseiros e tonéis de variadas tanoarias e de uma multiplicidade de anos. Diz, a propósito, que os armazéns “são parte do ´terroir´ dos vinhos”, numa alusão à importância de saber envelhecer e lotear o Vinho Madeira. É ali mesmo que muito se aprende e é também assim que ao longo de décadas e décadas vão sendo criados vinhos de sonho.

A H&H ganhou fama e prestígio em leilões internacionais de vinhos raros com o chamado “Heavenly Quartet”, um quarteto celestial de vinhos muito velhos, embora não datados. W.S. Boal e Grand Old Boal (ambos engarrafados em 1927), Reserva Malvasia (engarrafado em 1964) e Reserva Sercial (engarrafado em 1965). No dia-a-dia coabitam os 3 e 5 Anos, os 10 e os 15 Anos, seguindo-se toda uma restante sequência de vinhos de patamar elevado, incluindo Frasqueiras notáveis.

Provamos algumas das mais recentes propostas que a H&H disponibiliza ao mercado. Um trio de vinhos mostrou-se particularmente soberbo: o Verdelho 1981, austero, tenso e intemporal; o Boal 1997, que mais parece ligado à corrente de tão elétrico e vibrante que é; e o Terrantez 20 Anos, que lembra um jardim.

Num contínuo equilíbrio entre tempos, a H&H trabalha com mestria património, inovação, mercado e a inevitável convicção que é necessária no Vinho Madeira.

TEXTO Alexandre Lalas, José João Santos, Nuno Guedes Vaz Pires