Invicta Gin, alquimia na Praça da Corujeira

Fotografia: Ricardo Garrido
Marc Barros

Marc Barros

A Praça da Corujeira, na zona oriental do Porto, seria o local mais improvável para estabelecer uma destilaria, onde são elaborados rum e gin de mais elevadíssima qualidade. Foi preciso que dois australianos, o casal Andy Mayer e Travis Cunningham, tenham arriscado criar o seu projeto, inicialmente de produção de rum e, mais tarde, gin. Nasceria assim, em pleno cenário pandémico, a Scoundrels Distilling e a Invicta Gin.

 

Este casal trota-mundos, que já viveu em locais como Iraque, Mongólia, Nigéria ou Arábia Saudita, visitou o Porto em 2017 e decidiu que seria na Invicta que iriam criar os seus dois filhos. “O Porto é uma cidade com um ‘je ne sais quoi’, onde podemos encontrar as pipas de Vinho do Porto para envelhecer o Rum, Leixões para distribuição e o melaço, primeiro da Madeira, agora de Ramalde”, explicou Andy.
O processo de licenciamento demorou 18 meses e inclui não apenas destilaria, mas também “experiências”, o que inclui cursos e formações, bem como serviço de bar, apenas no interior. Não obstante, um balcão aberto para a rua convida à entrada para a sala de provas, de onde se vislumbra uma ampla área de produção e armazenamento, pontuada por cubas, pipas e um imponente alambique.


E se o projeto inicial de Travis passaria pela produção de rum, logo Andy enveredou pelo gin, por uma simples razão: “Não gosto de rum…”. Confessa-se mais atraída pelo vasto mundo dos botânicos e de todas as essências, aromas e perfumes que o gin consegue aportar. Essa sabedoria e conhecimento, Andy transmite-a a quem pretende fazer um curso de destilação de gin, que se desenrola no centro do espaço, ao redor de uma ampla mesa onde pontificam os vários tipos de botânicos, divididos em diferentes famílias: floral, herbal, doce, cítrico, especiarias, aromas de madeira/terra, compostos amargos e as chamadas estrelas do gin (zimbro, angélica ou coentro).

A melhor receita

O gin, enquanto bebida, nasceu nos Países Baixos, algures no século XVII, como produto medicinal, tendo como base o zimbro, de propriedades reconhecidamente diuréticas. Este sabor aromático foi, no entanto, popularizado enquanto espirituoso e disseminado pelos britânicos. Por aqui se vê, portanto, que o zimbro é essencial em qualquer ‘spirit’ desta categoria e “não existe gin sem zimbro”, assinala Andy.
A partir deste elemento estrutural, as possibilidades para desenhar gins diferentes são quase infindas. A ‘receita’ Invicta Gin tem, na base, o álcool, destilado de arroz ou trigo, a 97%, desdobrado em concentrações de 42%, 45% e 57%. O obrigatório zimbro (importado da Macedónia, praticamente o único botânico que não é adquirido em Portugal) oscila entre 18 e 24 gr./lt para elaborar um gin mais seco, ao estilo London Dry, como o International Dry (44%, 39,95€) da marca. Para além do zimbro, são adicionados 10 outros botânicos, entre os quais raiz de alcaçuz, que “não tem sabor mas dá um pouco de doçura”. Para um gin mais doce, a quantidade de zimbro não deverá ultrapassar 4 gr./lt.


A Invicta elabora duas outras referências: Portuguese Citrus (42%, 45,00€) e Navy Strength (57%, 54,00€). No primeiro caso, os citrinos utilizados, dos quais apenas a casca, depois de seca, é aproveitada, são de origem nacional. “Os italianos pensam que teêm os melhores limões e os espanhóis pensam que tem as melhores laranjas, mas não”, confia Andy. “Portugal tem os melhores” citrinos. A laranja provém de Tomar, que tem “uma casca muito doce”. A toranja chega do Algarve e a tangerina é apanhada em Melres, Gondomar, cuja casca “é muito forte e deliciosa”. Andy acrescenta que, “quando usamos cascas com óleos”, que “são pesados”, ao “adicionarmos água tónica e gelo, o gin fica branco”, numa turbidez semelhante à que se gera noutras bebidas, como absinto, ouzo ou pastis. “Não é mau porque tem muitos óleos e, por isso, sabores”. Nesse sentido, não é aconselhável a utilização de mais de 5 gr./lt de citrinos. A terceira referência, Navy Strenght, possui 57% álcool e é adequada para a preparação de cocktails, como Negronis, com Campari e Vermute, porque “precisa de sabor”. Os aromas “de Natal” de cassis e canela suportam a fortaleza do álcool. No total, para a elaboração de um gin, os botânicos não deverão ultrapassar 35 gr./lt.

Cabeça, coração e cauda

Todos estes são destilados num alambique de 150 litros, o mesmo onde Travis elabora o seu rum. No processo de destilação, a produção pode ser dividida em três partes: cabeça, coração e cauda. Na primeira, produz-se metanol, que deve ser eliminado, o que acontece por ebulição, a mais ou menos 64,5 graus centígrados. Na segunda, dita coração, gera-se etanol, o álcool propriamente dito para consumo. Nesta fase, o zimbro e coentros são colocados na caldeira do alambique e os restantes botânicos na cesta de vapor. “Quando o etanol sobe, os botânicos transmitem os óleos essenciais”, o que constitui “o essencial da produção do gin”, explica Andy.
Parte importante da sua missão é a formação. É no centro da destilaria, ao redor de uma mesa com todos os botânicos disponíveis (mais de 50!), que se juntam os alunos. Aqui, cada um aprende a fazer o seu gin, ao seu estilo e receita pessoal. A destilação é efetuada em pequenos alambiques de cobre, sendo que cada qual elabora os seus 50 cl. de gin, que pode engarrafar e levar para casa (o preço do curso, de três horas, é de 85,00€).
A ligação à comunidade, às artes e cultura, mas também a outros produtores artesanais, não foi esquecida. Pequenas feiras, workshops, gastronomia, fotografia e outras artes, são e serão parte integrante deste projeto. Afinal, faz-se alquimia na Praça da Corujeira.

 

Scoundrels Distilling e Invicta Gin 
Praça da Corujeira 154-158, Porto
M. 914208078