Monte Bluna, o renascimento da Arruda dos Vinhos

Fotografia: Fabrice Demoulin
Célia Lourenço

Célia Lourenço

Estamos a 350 metros de altitude, sob um vento inclemente, e, do Moinho do Céu, onde termina a rua com o mesmo nome, vê-se toda a Arruda dos Vinhos e Sobral de Monte Agraço, mesmo ao lado. A norte, a Serra de Montejunto. A nascente, o rio Tejo.

 

Para chegarmos ao Monte Bluna, temos que subir a um dos pontos mais altos da região da Arruda dos Vinhos pelo caminho de nome enigmático “Rua do Moinho do Céu”. O Moinho do Céu é uma ruína-monumento nacional, que faz parte das “Linhas de Torres”, estando assim numa das dezenas de fortalezas que defenderam Lisboa das Invasões Francesas.


“O vento faz de nós o que quer”, diz-nos o produtor António Guerreiro. Com ele está Nuno Martins Silva, o enólogo que desde a primeira hora se juntou ao projeto Monte Bluna. Ali, naquele ponto alto e desafogado, os dois amigos explicam-nos que o frio e o vento que sentimos são uma constante. E, se há meia hora tínhamos estado no centro de Arruda a tomar um café numa esplanada, aqui, depois de uma subida que durou apenas 5 ou 10 minutos, a temperatura desceu vários graus e começa a ser difícil ter as mãos fora dos bolsos. A poucos metros, as vinhas do Monte Bluna. “Inspirador”, pensamos…


Quando casou, António Guerreiro mudou-se para Arruda dos Vinhos, aqui mesmo, para a rua do Moinho do Céu. Depressa percebeu que queria mais que apenas uma casa. Em 2015 comprou uma vinha de Aragonês com 50 anos e o primeiro vinho de 2016 (que ainda não foi comercializado), ditou um futuro que é já um passo importante para o renascimento de uma região vitivinícola há muito esquecida, Arruda dos Vinhos.

A descoberta do Sítio do Moinho do Céu

Arruda dos Vinhos é uma das sub-regiões de Lisboa, a 30 km da capital, que apesar da história antiga que a coloca na rota dos romanos, e de uma produção importante no séc. XX, caiu no esquecimento. O que é quase um paradoxo, sendo uma região que carrega em si o nome “vinhos” (!). Para António, as palavras importam e aqui a relação era tão óbvia que em pouco tempo foi comprovada. A esse primeiro vinho de Aragonês foi dado o nome Bluníssima, “o superlativo do nome da casa”, explica-nos o produtor. Depois, é comprada mais vinha com cerca de 20 anos e, em 2017, iniciam-se novas plantações. Reúne-se, assim, um conjunto de castas DOC Arruda - Aragonês, Tinta Miúda e Syrah, nas tintas, enquanto nas brancas a escolha recaiu sobre Arinto e Vital. Nuno Martins Silva esteve largos anos na Quinta do Rol, na Lourinhã, é um enólogo com muita experiência na região de Lisboa e foi a escolha de António para os seus vinhos. Além da amizade e da cumplicidade, “foi ele que me ensinou que o solo pode dar coisas extraordinárias”, diz-nos o produtor.


O entusiasmo de Nuno com o que vai descobrindo nestas terras é bem visível. Estamos numa região de clima mediterrânico, temperado, com noites frias e seca moderada, com zonas de vale e zonas de encosta, estas últimas com maiores amplitudes térmicas como é o caso do sítio do Moinho do Céu. O mar a 30 km e o Tejo a 10. E solos argilo-calcários, os tais que “podem dar coisas extraordinárias”. Em termos geológicos, Nuno tem vindo a estudar a região, nomeadamente as zonas onde estão implantadas estas vinhas e refere 4 formações fundamentais com idades geológicas distintas. São originárias do período Jurássico, duas delas de origem marítima, mais antigas, as chamadas unidades geológicas das Camadas Corálicas do Amaral e as Camadas de Abadia. Outras duas, de origem calcária, mais recentes, as formações de Arranhó e do Sobral. Todos os solos são calcários e argilo-calcários, com ph de 8,5 a 9.


Neste momento, existem 6 ha de vinhas em plena produção, todas a mais de 300 metros de altitude, muitas delas delas em encostas de declive muito acentuado, sempre com vento norte. Aqui, defende-se uma agricultura sustentável, com uma filosofia de pouca intervenção. Filosofia que António Guerreiro nos diz estender-se a todo o projeto e resume com a máxima “mais é menos” (do original “Less is More”, do arquiteto Mies Van der Rohe).

Castas esquecidas

No Monte Bluna acredita-se que nos vinhos DOC Arruda pode estar uma importante mais-valia para toda a região de Lisboa. António diz-nos que foi com muita alegria que lançaram o primeiro DOC Arruda em muitos anos. E é também sua intenção continuar a descobrir castas que há muito quase desapareceram. A Vital e a Tinta Miúda são as primeiras, sendo a Tinta Miúda protagonista de um varietal que conhecemos com entusiasmo. O Monte Bluna Tinta Miúda 2019, é um vinho cheio de potencial, com uma patine antiga. O enólogo diz-nos que é uma casta temperamental na vinha, de maturação tardia e que aguenta verões tórridos, sendo esta uma boa qualidade para enfrentar as alterações climáticas. Este vinho foi feito com pouca extração e pouco álcool, numa homenagem aos vinhos antigos da região. Ao bebê-lo, pensamos que acorda memórias para um português como nós, enquanto tem a capacidade de, num estrangeiro, provocar muita curiosidade.


Quanto à Vital, é uma casta branca que já foi muito usada em toda a região de Lisboa e que acabou por cair em desuso. É também temperamental, muito exigente na fase da maturação e com a qual se tem que ter especial atenção na produção. Nuno Silva explica-nos que com os devidos cuidados e um quase obsessivo acompanhamento na maturação, é extraordinária, muito bem em lotes e no registo varietal, tendo particular expressão com vinificação em madeira. Provámos, em estreia, a primeira edição do Monte Bluna Reserva Branco 2020, um lote de Arinto e Vital em cofermentação. Quando a fermentação estava a meio, metade do lote foi para cascos de carvalho francês de diferentes volumes, onde estagiou ainda 9 meses. Trata-se de um vinho com personalidade distinta, com algum desassossego, que exprime muito bem o calcário e que, mais uma vez, nos leva a pensar onde podem ir estes vinhos.


E a essa pergunta, “onde podem ir estes vinhos?”, António responde que vai continuar a recuperar castas raras, como a Camarate e a Preto Martinho, sempre na demanda do DOC Arruda. O vinho Tictac, que usa uvas da Lourinhã, o único que não é DOC Arruda, vai passar a sê-lo, usando Syrah das vinhas Monte Bluna. Na calha, está o aumento da área de vinha e a atual produção de 21.000 garrafas anuais vai também aumentar um pouco, não deixando de ser um produtor de boutique.
Com uma história que começou em 2015 e apresentação ao mercado há pouco mais de um ano, o Monte Bluna pretende manter um caminho sempre na lógica da qualidade, procurando fazer coisas distintas, que realcem o local e a especialidade do sítio. A mínima intervenção é uma linha de orientação muito clara, mesmo em detalhes como a sala de provas, uma ruína de uma casa simples que se mantém com aspeto de ruína, camuflada na paisagem tranquila da vinha. António Guerreiro é poeta, com obra publicada. E faz vinho no Sítio do Moinho do Céu. CL

 

Monte Bluna 
Rua Moinho do Céu
Arruda dos Vinhos
M. 961 113 812
E. info@montebluna.pt