O coração e a alma da Real Companhia Velha

Quinta das Carvalhas

Fotografia: Jorge Matos
Luís Costa

Luís Costa

A visita da Revista de Vinhos à Quinta das Carvalhas tinha um propósito muito especial: provar todos os vinhos DOC topo de gama ali produzidos desde 2010, brancos e tintos. Uma prova magnífica no berço notável que lhes dá origem – a imponente Quinta das Carvalhas, defronte do Pinhão, onde éramos aguardados pelos três elementos essenciais deste projeto: o presidente da Real Companhia Velha, Pedro Silva Reis; o enólogo Jorge Moreira; e o máximo responsável pela viticultura, Álvaro Martinho.

 

Da célebre casa redonda no Alto das Monteiras, epicentro visual da Quinta das Carvalhas, o deslumbre da paisagem rasga-se num horizonte de 360 graus. A toda a volta da casa, agora pintada numa discreta tonalidade ocre, que ajuda a diluir o seu impacto na paisagem, vemos o Douro em todo o seu esplendor, por entre vales, rios e montanhas – e vinhas, muitas e belíssimas vinhas, ou não estivéssemos no coração do Douro vinhateiro, em pleno Cima Corgo, na quinta mais emblemática da Real Companhia Velha, cuja história de 266 anos se confunde com a história da própria região demarcada.
Para chegarmos ao topo da quinta, já depois de termos feito uma notável prova vertical dos vinhos DOC Carvalhas, tintos e brancos (prova de que damos conta nestas páginas e que englobou a totalidade das colheitas existentes desta marca topo de gama DOC Douro, desde 2010 – cinco brancos e dez tintos) percorremos centenas de metros exemplarmente tratados que constituem um regalo para os olhos, seja nas vinhas, nos caminhos de ligação, nos arruamentos ou no aspeto visual da quinta, onde não faltam jardins e uma flora diversificada.


Trata-se, efetivamente, de uma propriedade de enorme beleza e espetacularidade, cuja referência escrita mais antiga data de 1759, embora tenha sido mais recente a sua expansão para os atuais 515 hectares (dos quais 135 são de vinha), através da aquisição e posterior emparcelamento de diversas propriedades adjacentes. Uma propriedade que é, em si mesma, um marco incontornável de uma das mais importantes regiões vitivinícolas do mundo e na qual, nos últimos 20 anos, a Real Companhia Velha investiu no paisagismo cerca de quatro milhões de euros.


E foi precisamente no zénite das Carvalhas, lá no Alto das Monteiras, que falámos com Pedro da Silva Reis, presidente da Real Companhia Velha, sobre a pérola da empresa onde começou como provador de Vinho do Porto, no já longínquo ano de 1982, então recém-regressado da formação em enologia em Bordéus: “A importância desta quinta para a Companhia é enorme. É, de facto, o coração do nosso negócio, uma quinta que surpreende pela sua dimensão, pela sua exposição, pela sua visibilidade e pela qualidade do seu “terroir”. Esta mancha de vinha é determinante na qualidade dos nossos vinhos, sejam os vinhos Carvalhas sejam os Vinhos do Porto. A Quinta das Carvalhas é, de facto, o coração e a alma da empresa e do nosso projeto vitícola.”


Mesmo não se conhecendo as Carvalhas é fácil explicar o seu carácter único, seja pelas vinhas centenárias, pela dimensão muito considerável, pela sua orografia peculiar, pelos graus de exposição solar diversificados, pelas encostas com inclinação até 70 por cento, pelo enquadramento paisagístico, ou pela visão 360 graus – aqui, na Quinta das Carvalhas, quase tudo é especial, o que torna bem compreensível o orgulho de Pedro Silva Reis: “As Carvalhas simbolizam o Douro. É uma amostra concentrada do que é o Douro em todo o seu esplendor, em todo o seu mosaico paisagístico, em toda a sua beleza, em toda a sua espetacularidade. E a visibilidade que ela nos proporciona dá a quem nos visita uma emoção muito grande, porque consegue-se ver tanto Douro em tão pouco tempo.” 
Para reforçar ainda mais os elos emocionais que a Quinta das Carvalhas suscita, foi o pai de Pedro Silva Reis que a trouxe para o universo da Real Companhia Velha: “O meu pai ter-se-á apaixonado por esta quinta desde o primeiro momento em que a visitou. Ela fazia parte da empresa onde ele trabalhava, e que depois veio a adquirir, a Miguel Sousa Guedes. Naquela altura era uma quinta muito mais pequena, cerca de um oitavo da dimensão que hoje tem. Foi ao longo de um processo aquisitivo, que durou várias décadas, que ela foi crescendo. O Alto das Monteiras já fazia parte do núcleo original da quinta. Mas as aquisições deram-lhe uma diversidade enorme em termos de exposição solar e de altitudes que fazem das Carvalhas uma quinta muito especial.”


Quem também faz parte da história das Carvalhas nas décadas mais recentes é o enólogo Jorge Moreira, que presenciou a chegada à Real Companhia Velha do conceituado enólogo californiano Jerry Luper – conhecido pelo seu envolvimento na produção do famoso Chateau Montalena Chardonnay 1973, em Napa Valley – na segunda metade dos anos 90. Nesse momento, Jorge Moreira estava a iniciar o seu estágio na empresa e, desse modo, acabou por ser selecionado para enólogo assistente de Luper, contribuindo para a criação da Fine Wine Division, setor da empresa voltado para a experimentação e inovação. 

 

O peso da responsabilidade

Atual máximo responsável pela equipa de enologia da Real Companhia Velha, foi Jorge Moreira quem nos acompanhou na prova vertical dos Carvalhas, que era o pretexto essencial desta visita da Revista de Vinhos. Concluída a prova, em sua opinião “os brancos mostram um bocadinho o mesmo que os tintos”, apesar da sua diferente tipologia. É a “personalidade do local” a traçar a bissetriz: “Nestes vinhos temos generosidade, excesso, concentração, densidade e complexidade, mas tudo envolto numa base de acidez, de frescura, de equilíbrio e de elegância, o que faz com que os brancos e os tintos desta quinta sejam únicos.” E há uma outra explicação: “Aqui no Douro temos uma característica que outras regiões não têm, que é a altitude. Temos condições de maturação das uvas muito diferentes a 500 metros ou a 100 metros. Os nossos tintos estão entre 100 e 200 metros de altitude, e os nossos brancos entre 500 e 600 metros. Ora, isto corresponde a uma diferença de dois a três graus de temperatura média, que é a diferença entre o dia e a noite na Natureza. Dois graus de temperatura mais alta fazem tintos incríveis; e três graus de temperatura mais baixa fazem brancos harmoniosos, expressivos e frescos.”


A propósito dos dez tintos Carvalhas Vinhas Velhas que provámos, Jorge Moreira diz-se um “privilegiado” por poder trabalhar com as vinhas centenárias que lhe dão origem: “É inacreditável poder trabalhar com vinhas que foram plantadas há 100 anos, que foram preservadas, que foram mantidas em condições estes anos todos, de tal modo que nos permitem agora fazer estes vinhos – e provar estes vinhos. É um peso e uma responsabilidade que temos de transportar para as próximas gerações. O ADN dos tintos das Carvalhas é a concentração, a potência de estarmos no coração do Douro, no Pinhão, com baixa altitude, mas ao mesmo tempo com exposição Norte. Ou seja, conseguimos maturações muito profundas, mas preservando os aromas frescos e a acidez. Nestes vinhos, o bosque é marcante. Mas há anos em que se nota mais o fruto do bosque; e há outros – nos anos mais frescos – em que é mais o mato, a componente vegetal. Penso que esta potência equilibrada, este carácter da fruta com a componente vegetal bem integrada, é mesmo a característica fundamental dos tintos das vinhas velhas das Carvalhas.”


Mas uma visita à Quinta das Carvalhas não seria a mesma coisa sem a presença de Álvaro Martinho Lopes, que em finais dos anos 90 fez parte da jovem equipa de agrónomos que “revolucionou” a viticultura da Real Companhia Velha. A nossa conversa tem lugar no meio de uma vinha velha com 42 castas misturadas, uma das “meninas dos seus olhos”, onde mais facilmente pode exprimir toda a emoção que sente (e transmite) quando fala da “sua” Quinta das Carvalhas: “Eu chamo-me Álvaro Martinho Dias Lopes, mas sou conhecido aqui na região do Douro por Álvaro das Carvalhas. Isso já diz tudo. Esta é a minha casa de trabalho, mas também a minha casa de grande aprendizagem. Dediquei os últimos 25 anos da minha vida, a tempo inteiro, a perceber-me a mim próprio como viticultor, como agrónomo, a tentar conhecer melhor a vinha, mas também todo o mundo vegetal, as plantas que aqui coabitam, que são imensas. A Quinta das Carvalhas é uma quinta que é muito importante para a minha vida. Aqui praticamos uma viticultura pura e dura de encosta, uma viticultura heroica onde a mão de obra representa mais de dois terços do custo de produção. E uma viticultura difícil. Nesta vinha, por exemplo, temos necessidade de fazer entre 16 a 18 passagens por ano, desde a poda até à colheita. E fazemos a colheita por duas vezes. É pura viticultura de montanha, com todas as dificuldades inerentes, mas que nos garantem a diferenciação.”


Refira-se que a Real Companhia Velha – então designada Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto-Douro – é a mais antiga empresa de Portugal, fundada a 10 de setembro de 1756 por Alvará Régio de D. José sob os auspícios do seu Primeiro-Ministro, Sebastião José de Carvalho e Mello, Marquês de Pombal. Como é consabido, a ela foi confiada a missão de estabelecer a Região Demarcada do Douro – a primeira demarcação do mundo – com o propósito de organizar o sector do Vinho do Porto e conceber a regulamentação que viria a controlar a produção e o comércio do Vinho do Porto.

 

Todos os vinhos da Real Companhia Velha em VINHA.PT

 

Quinta das Carvalhas
EN323, Pinhão, Alijó
T.254 738 050
E.carvalhas@realcompanhiavelha.pt