Ornellaia, um "Super Toscan"

Fotografia: Fotos D.R.
José João Santos

José João Santos

A crítica norte-americana trouxe para a ribalta a Toscana, em especial os “Super Tuscan”, habitualmente lotes de castas francesas com a tradicional Sangiovese. Mas, sendo um super toscano, Ornellaia não recorre à variedade italiana, centrando-se no Cabernet Sauvignon e no Merlot, sem esquecer o Cabernet Franc e o Petit Verdot. A convite da Luxury Drinks, que representa o produtor em Portugal, a Revista de Vinhos provou o novo Ornellaia 2019, um vinho com nervo italiano mas finura francesa…

 

Ornellaia é um enredo digno de boa novela. Lodovico Antinori criou a propriedade em 1981, tendo a primeira colheita sido de 1985. Em 1999 vendeu 50% ao amigo Robert Mondavi, tendo em 2002 alienado os restantes 50%. À época, a Mondavi tinha a política de não assumir por inteiro a gestão de propriedades fora dos Estados Unidos, pelo que procurou um novo parceiro local. Como já estava em Itália com os Frescobaldi (Tenuta Luce), vendeu 50% a dois membros da família. Entretanto, em 2004, a Constellation toma conta da Mondavi e tenta alterar a posição no projeto. Porém, os Frescobaldi tinham direito de preferência em contrato, acionam a opção e passam a totais detentores de Ornellaia.
Os Marchesi de´ Frescobaldi, com Marquis Ferdinando Frescobaldi como presidente e Giovanni Geddes da Filicaja como CEO, lideram.


A direção foi entregue, desde 2015, ao enólogo e diretor de produção Axel Heinz. Alemão de nascimento, francês de formação e de nacionalidade, “um toscano adotivo”, enfatizam os proprietários. Olga Fusari, essa sim, toscana de nascimento, é a enóloga que gere o quotidiano. Michel Rolland, “globetrotter” da enologia mundial, continua consultor. É o “dream team” que tem em mãos um dos “Super Tuscan” que a crítica norte-americana ajudou a valorizar e a popularizar mundo fora.
A matriz é claramente mediterrânica. Aliás, estima-se que há milhões de anos a atual área de Ornellaia tenha estado submersa no Mediterrâneo, suspeita alicerçada na quantidade apreciável de fósseis marinhos que se encontram no chão – os solos têm bastante argila, há aluviões e apontamentos calcários, à medida que se progride em altitude (suaves colinas até 120 metros acima do nível do mar) encontram-se até pedras vulcânicas.


Estamos na Denominação de Origem de Bolgheri, nome bem conhecido dos apreciadores de vinho mais atentos mas, na verdade, com legislação ainda muito recente. O decreto da primeira regulamentação apenas foi assinado em 1 de agosto de 1983 pelo então Presidente da República de Itália, Sandro Pertini, e somente estipulava a produção de vinhos brancos e rosés. Só com a revisão de 1994 passou a ser possível engarrafar tintos sob o chapéu Bolgheri Rosso DOC e Bolgheri Superiore DOC, para lá da Bolgheri Sassicaia DOC.

 

As castas francesas

A fama de Bolgheri nos tintos não se construiu sob a bandeira da Sangiovese, a uva tinta de eleição na Toscana. Cabernet Sauvignon e Merlot, castas privilegiadas de Bordéus e com provas dadas diante a por vezes inclemente influência marítima, são protagonistas e, no caso de Ornellaia, sem integrar a Sangiovese nos blends. Quando o tema é lotear, outras variedades francesas são chamadas – Cabernet Franc e Petit Verdot (há ainda pequenas zonas de ensaio com Alicante Bouschet e Montepulciano). 
A procura incessante por resultados de eleição tem motivado a separação dos 108 hectares de vinhas tintas em parcelas de menor dimensão, que permitam não só adaptar cada casta ao mais indicado pedaço de terra como as plantar em diferentes exposições e altitudes, qual puzzle. Assim, a posterior vinificação separada de cada parcela permitirá sempre, e em última análise, a obtenção de um vinho diferente, aumentando-se as possibilidades de loteamento.


Ornellaia também possui encepamento branco. Sauvignon Blanc, Petit Manseng, Viognier, Verdicchio e Vermentino. Estão na base de dois vinhos brancos, o Ornellaia Toscana IGT Bianco (81% Sauvignon Blanc e 19% Viognier, em 2019) e o Poggio Alle Gazze Dell´ Ornellaia Toscana IGT Bianco (69% Sauvignon Blanc, 22% Vermentino, 5% Viognier e 4% Verdicchio, em 2019).

Ornellaia tinto, o vinho-monumento

Os três principais vinhos de Ornellaia são tintos e seguem os princípios bordaleses de padronização de portefólio.


Le Volte Dell´Ornellaia IGT Toscana, pela primeira vez produzido na vindima de 1991, é o terceiro vinho, blend em que predomina o Merlot. A vinificação decorre separadamente em cubas de inox, de modo a preservar o carácter mais primário, seguindo-se um estágio de 10 meses, parte em barricas usadas onde já repousou anteriormente o Ornellaia, outra parte em tanques de betão. Pode ser tido como uma introdução à forma de fazer do produtor, tendo em 2020 sido elaboradas cerca de 700.000 garrafas.
Le Serre Nuove Dell´ Ornellaia é um DOC Bolgheri, o segundo vinho de Ornellaia, cuja primeira edição é da vindima 1997. Em 2019 foi obtido a partir de Merlot (54%), Cabernet Sauvignon (28%), Cabernet Franc (14%) e Petit Verdot (4%). Cada parcela de cada casta é vinificada isoladamente, a fermentação arranca em cubas de inox e termina em barricas (25% novas, 75% de segundo uso). O loteamento é realizado volvidos 12 meses, regressando já loteado às barricas, por mais três meses. Uma vez engarrafado, integra-se durante seis meses em garrafa antes de ser lançado no mercado.


Ornellaia tenta ser a obra-prima do ano. No caso de 2019, conheceu um inverno regular, tendo o abrolhamento das videiras sido registado na primeira semana de abril. O resto desse mês e também maio tiveram frio e chuva anormais, o que motivou um atraso que atingiu os 10 dias no ritmo normal de desenvolvimento vegetativo. Em junho tudo mudou, com dias muito quentes que chegaram a atingir 37ºC. O resto do verão foi quente e seco, registando-se 45 dias consecutivos sem episódios de chuva. Na última semana de julho, dois dias chuvosos contribuíram para uma descida gradual da temperatura, ainda assim suficiente para permitir maturações normais. A vindima iniciou-se em 5 de setembro e terminou em 4 de outubro.
Este DOC Bolgheri Superiore foi alcançado, em 2019, a partir de Cabernet Sauvignon (62%), Merlot (31%), Petit Verdot (4%) e Cabernet Franc (3%). Castas vinificadas separadamente, num primeiro momento em cubas de inox e tanques de betão, depois em barricas (70% novas, 30% de segundo uso). Após 12 meses foi decidido o lote, regressando às barricas por mais meio ano. Depois de engarrafado, o vinho adormeceu 12 meses até chegar ao mercado.


É um vinho com nervo italiano mas finura francesa. Tem dimensão, é portentoso, mostra o carácter mediterrânico do lugar mas tudo é apresentado em equilíbrio, sem que nada se sobreponha ou fique dominante. À medida que deixamos o vinho ficar pelo copo, vamos captando-lhe camadas, texturas e subtilezas extra.

Numa palavra, Axel Heinz considera o Ornellaia 2019 “il vigore”. Depois de provarmos o vinho, percebemos quão feliz é essa síntese.

 

Vinhos do produtor disponíveis em VINHA.PT.

 

Ornellaia e Masseto Società Agricola S.r.l.
Localitá Ornellaia, 191, Bolgheri
57022 Castagneto Carducci (LI), Itália
T. +39 0565 71811
ornellaia.com / info@ornellaia.it