Pacheca: Uma história por caminhos cruzados

Reportagem

Fotografia: Ricardo Garrido

Os novos proprietários da Quinta da Pacheca estão para ficar no vinho em Portugal. Após a aquisição dos Caminhos Cruzados, no Dão, criaram o Grupo Terras e Terroir, que haverá de se expandir no curto prazo a mais regiões do país.
No Douro operaram uma pequena revolução na histórica Pacheca, harmonizando o aumento de propostas de vinhos a experiências de enoturismo que têm encantado milhares de visitantes.

 

Para percebermos melhor a operação em Portugal temos que viajar até França. Maria do Céu Gonçalves é natural de Vila Real, mas aos dois anos acompanhou os pais na emigração para França; Paulo Pereira nasceu em Felgueiras e com a mesma idade conheceu destino semelhante. Após diferentes experiências profissionais, entre hotelaria e o ramo agro-alimentar, haveriam de fundar a Agribérica, em 1999, um gigante na comercialização de produtos alimentares portugueses na França, com um volume de negócios anual na ordem dos 60 milhões de euros. A sede está em Orléans, nas margens do rio Loire, cerca de 120 quilómetros de Paris.
Obviamente, o vinho é dos principais esteios da montra de produtos representados, com o consequente contacto e aproximação a diferentes produtores, de diversas regiões. O “bichinho” acabaria por nascer e ir crescendo com naturalidade, pelo que a aquisição de um projeto em Portugal tornou-se consequência previsível.


A Quinta da Pacheca é uma histórica propriedade duriense, em Lamego, margem esquerda do Douro, a Régua em frente. Consta que terá sido referida pela primeira vez num documento de abril de 1738, apresentada como Pacheca, uma forma feminina do sobrenome Pacheco por ser propriedade de uma senhora, D. Mariana Pacheco Pereira, “mulher imponente que cuidava sozinha do imóvel”. Mais tarde, em 1903, D. José Freire de Serpa Pimentel adquiriu a propriedade e deu início às obras de modernização da vinha e das estruturas da adega.


Em 2012 chegam os atuais proprietários e a Pacheca começa paulatinamente a mudar e a crescer. O usufruto da casa senhorial mantém-se na família Serpa Pimentel e a professora e enóloga Maria Serpa Pimentel, que muito contribuiu para corporizar a ideia dos vinhos DOC da Pacheca, permanece enóloga da casa, atualmente também com o contributo do experiente João Silva e Sousa.
“A família Serpa Pimentel integrou-nos muito bem”, observa Maria do Céu Gonçalves.
Procurando preservar o legado histórico, a autêntica revolução operada tem sido corporizada de modo racional e com números esmagadores. Em 2012, a Pacheca contava 12 colaboradores, hoje há 70 funcionários afetos ao turismo e mais 40 a trabalhar a componente agrícola.


O hotel que entretanto se ergueu tem 50 quartos, incluindo uma dezena de balseiros transformados em alojamento (experiência fortemente exaltada nas redes sociais por quem experimenta). Acrescem restaurante aberto o ano inteiro (não haja Covid a impedi-lo), spa, wine bar e loja de vinhos. Junta-se a isso um serviço de catering e eventos sociais, que tem atraído portugueses e milhares de turistas internacionais – em 2019 atingiram 90.000 visitas.
O investimento tem sido assinalável e a aposta equilibra turismo e produção de vinho. A visão hoteleira fica bem evidente, pelo que uma passagem pela Pacheca nestes dias implica observar a preparação de novos espaços para receção de eventos.

O Douro, o Dão e outros caminhos

No final de 2020, Paulo Pereira e o casal Maria do Céu e Álvaro Lopes anunciavam a formação do Grupo Terras e Terroir, na sequência da compra do projeto Caminhos Cruzados, em Nelas.
“Queremos comprar projetos com história, guardando o ADN das famílias que continuam a trabalhar connosco”, explica Maria do Céu. 
Curiosamente, foi também em 2012 que um outro empresário, ligado ao têxtil, decidiu investir no vinho. Paulo Santos começou aí a erguer o projeto Caminhos Cruzados, na Quinta da Teixuga, em Nelas, que em 2017 viu nascer uma adega de arquitetura vanguardista. A proposta de vinhos procurou desde o início combinar a tradição do Dão com formas de pensar e de fazer menos padronizadas, componentes que nos garantem ser mantidas nos próximos anos.
Lígia Santos, o rosto da Caminhos Cruzados, continua ligada ao projeto nesta nova fase e enfatiza a importância de prosseguir a experimentação “numa ótica de produções limitadas e exclusivas”, traçando o aumento das exportações como um desígnio do negócio a cumprir. O reforço da componente enoturística será outra inevitabilidade.


Os investimentos de Paulo Pereira e do casal Maria do Céu Gonçalves e Álvaro Lopes no setor do vinho em Portugal não se ficarão pelo Douro e pelo Dão. A abrangência do Grupo Terras e Terroir será mais significativa em breve, sempre aliando o vinho ao turismo, à hotelaria e aos eventos. Os números atuais da Pacheca encorajam: 1,2 milhões de garrafas de vinhos DOC e 300.000 de Vinho do Porto, França, Brasil e EUA como mercados principais além, claro, de Portugal.
“Os franceses ainda pensam que o vinho português é apenas de entrada de gama, temos que ir pela qualidade, até porque quando provam ficam surpreendidos com os nossos vinhos”, observa Maria do Céu que, com um sorriso no rosto, nos promete novidades.

 

Vinhos da Pacheca…

Maria Serpa Pimentel e, mais recentemente, também João Silva e Sousa estão focados na manutenção de premissas que há muito são reconhecidas aos vinhos da Pacheca – elegância e frescura. Apesar de alguns monocastas, o lote será privilegiado nos topos de gama DOC, sendo que a nova adega exclusiva para vinificação de brancos, a recuperação dos lagares de granito e o aumento do parque de barricas e de balseiros (a Pacheca é o maior projeto da tanoaria Seguin Moreau em Portugal) ajudará bastante a aprimorar algumas arestas.
No caso dos Portos, os tawnies velhos são autênticas preciosidades e a Pacheca tem uma biblioteca de Portos Colheita bem generosa: 1934, 1947, 1951, 1962, 1969, 1974, 1982, 1985, 1990, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2004, 2005 e 2007.
Entre DOC e Porto, incluindo pré-lançamentos, partilhamos o resultado da prova realizada na Pacheca. 


19
Pacheca Porto Colheita 1934

Vinho do Porto / Fortificado / Quinta da Pacheca
Mogno, rebordo âmbar. Expressivo nas notas de gengibre, cominhos e canela. À especiaria junta caramelo, noz, torrados, fumo, aromas de farmácia e um notável vinagrinho. Imperial na dimensão, desvenda-se por camadas sucessivas de complexidade. Termina em profundidade, combinando exotismo com folha de tabaco e salinidade. Parece intemporal!
Consumo: 2021-2034
800,00 € / 14ºC

18,5
Pacheca Porto Colheita 1962

Vinho do Porto / Fortificado / Quinta da Pacheca
Âmbar, reflexos esverdeados. Notas de avelã, noz, caramelizados, massapão, verniz, especiaria muito exótica e um vinagrinho que só o valoriza. Magistral pela forma como soube aportar frescura à imensa complexidade, de grande volume e final muito demorado. Um grande Porto Colheita, para apreciar serenamente.
Consumo: 2021-2030
450,00 € / 14ºC

17,5
Pacheca Lagar Nr. 1 2017

Douro / Tinto / Quinta da Pacheca
Rubi escuro, matizes púrpura. Algum floral seguido de cereja vermelha e ameixa seca, especiaria fina e balsâmicos. De tanino portentoso, expressa grande volume, boa acidez, estrutura firme e final prolongadíssimo, com apontamentos apimentados e de folhas secas. Temperamental, terá larga margem de progressão.
Consumo: 2021-2030
39,00 € / 16ºC

17,5
Pacheca Grande Reserva 2019

Douro / Branco / Quinta da Pacheca
Amarelo, laivos dourados. Notas de tília e toranja, ligeiro fumo. Muito boa dimensão, acidez vincada, frescura geral, de final untuoso e prolongado. Tem um porte senhorial, promete saber evoluir e mostra como o trio Viosinho, Rabigato e Arinto pode funcionar bem no Douro.
Consumo: 2021-2029
39,00 € / 11ºC

17,5
Pacheca Sousão 2019*

Douro / Tinto / Quinta da Pacheca
Retinto. Notas de framboesa, alguma folha de tomate e balsâmicos. Tanino muito firme, presença notória de barrica nova, boa dimensão, grande acidez em fundo mas sem beliscar as balizas do bom senso. Termina bastante prolongado e persistente. Resumindo, um grande Sousão! 
Consumo: 2021-2029
**€ / 16ºC

17
Pacheca Grande Reserva Touriga Francesa 2018
Douro / Tinto / Quinta da Pacheca
Rubi escuro. Notas florais elegantes complementadas por cereja negra, amora, folha de tabaco e balsâmicos de boa barrica. Tanino senhorial mas simultaneamente fresco, bom volume, estrutura firme e bem definida. Termina longo, profundo, com um traço vegetal que o complementa. Saberá evoluir.
Consumo: 2021-2028
29,00 € / 16ºC

17
Pacheca Arinto 2020*

Douro / Branco / Quinta da Pacheca
Verde limão. Aromas de limão, maçã verde e lima, complementos salinos e de algum fumo. Acidez nervosa, boa postura geral, final muito persistente e tenso. De uvas do Baixo Corgo e do planalto de Murça, promete saber evoluir em garrafa.
Consumo: 2021-2028
**€ / 11ºC

17
Pacheca Porto Colheita 2000

Vinho do Porto / Fortificado / Quinta da Pacheca
Âmbar, reflexos atijolados. Nariz de geleia de fruto vermelho, licor, figo desidratado e amêndoa. Na boa mostra-se equilibrado, sabendo combinar doçura e acidez. Tem grande volume, final saboroso, com alguns mentolados a complementar.
Consumo: 2021-2025
150,00 € / 14ºC

*lançamento previsto para o outono
**preço de venda ao público ainda a definir


… e dos Caminhos Cruzados

A dupla Manuel Vieira e Carlos Magalhães continua a assegurar os vinhos Caminhos Cruzados. A ideia é explorar o manancial de vinhas e de castas da Quinta da Teixuga, por entre variedades autóctones e exotismos como o Sémillon e o Chardonnay, o Merlot ou o Syrah.
“Continuar o caminho de pesquisa e potencialidade do Dão, a diversidade de castas e de terrois que lá existem”, garante-nos Manuel Vieira.
Nesta prova, a Revista de Vinhos teve acesso a algumas novidades “en primeur” e verificou a evolução de outros exemplares, já não disponíveis no mercado. A casta Alfrocheiro – que esteve na origem do primeiro vinho elaborado no projeto – é das que apresenta maior potencial, bastante para isso verificar o muito bom nível da edição de 2016 (verificar a Revista de Vinhos nr. 365). Com o leitor, partilhamos agora os novos lançamentos.


18
Teixuga 2015

Dão / Branco / Caminhos Cruzados
Dourado. Notas de flor seca, noz e amêndoa torrada. O contexto terciário de aromas é complementado com especiaria de boa barrica. Tem uma untuosidade gigante, que a boa acidez consegue empolgar, nervo estrutural, final prolongado e de alto gabarito. Um branco de perfil assumidamente oxidativo, com larga margem de progressão no tempo. 
Consumo: 2020-2027
52,00 € / 11ºC

17,5
Caminhos Cruzados Encruzado 2019

Dão / Branco / Caminhos Cruzados
Cor palha. Nariz de flor do campo, roseira, maçã, nectarina e notas de barrica. Mostra boa frescura em prova, untuosidade e firmeza, acidez muito bem explorada. De final especiado e fino, expressa com elegância os méritos da casta. Chega ao mercado no início do verão e merece que sejamos pacientes com ele, porque tem largo potencial de evolução em garrafa.
Consumo: 2021-2029
25,00 € / 11ºC

17
Caminhos Cruzados Reserva 2019

Dão / Tinto/ Caminhos Cruzados
Rubi. Floral elegante, cereja escura, mirtilo, notas de mato e de cedro. Fino, tem tanino de matriz silvestre, está moldado em perfil elegante, o final apresenta balsâmicos e especiaria. Lote de Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Roriz, ilustra bem a frescura do Dão. Esta nova edição chega ao mercado no outono.
Consumo: 2021-2029
18,50 € / 16ºC


16,5
Clandestino 2018

Terras do Dão / Tinto / Caminhos Cruzados
Rubi. Notas de urze, amora, cereja escura, algum balsâmico, pimento e grau de café. Tanino silvestre, estrutura muito solta, elegância geral, final mais guerreiro e persistente. Tem bastante versatilidade.
Consumo: 2021-2025
15,00 € / 16ºC

16
Clandestino 2020

Terras do Dão / Branco / Caminhos Cruzados
Amarelo limão. Notas de palha seca, maçã, toranja e sensação de pedra molhada. Revela uma amplitude interessante, a frescura corre em fundo, tem boa acidez e um final muito curioso – levemente especiado, persistente, de nuance doce. Uma espécie de pecado, sem necessidade de apreciação clandestina.
Consumo: 2021-2024
 

Texto e Notas de Prova José João Santos