Pintas - um amor perfecionista e consistente

Do primeiro ao novo lançamento, 20 anos de um ícone do Douro 

Fotografia: Ricardo Garrido
José João Santos

José João Santos

Para celebrar os 20 anos da Wine & Soul, a Revista de Vinhos apresenta uma prova vertical de algumas das mais emblemáticas edições do Pintas. Do estreante 2001 ao “preview” do novíssimo 2019, expomos a equação dos equilíbrios da vinha velha que lhe está na origem: generosidade de fruta, apontamentos complementares vegetais bons, acidez natural, tensão estrutural.

 

Quando hoje relembram a primeira vindima, sorriem. Mas, na verdade estavam com o coração nas mãos. Convenhamos que não será fácil iniciar a elaboração de um vinho pensado ao detalhe com o teto de uma adega ainda por reconstruir. Hoje, 20 anos depois, o exterior da dita adega mantém a aparência inicial. E para atestar o sucesso do projeto basta constatarmos que as paredes exteriores pintadas de branco, apenas com a designação Wine & Soul, tornaram-se num postal ilustrado de Vale Mendiz.
Jorge Serôdio Borges e Sandra Tavares da Silva são a Wine & Soul. Enólogos e companheiros de vida, palmilharam o Douro à procura de uma vinha que lhes permitisse concretizar o sonho de um vinho de autor, só deles. Jorge estava na Niepoort, Sandra na Quinta Vale D. Maria, o Douro fervilhava nessa viragem de século.


Em 2001 encontraram a vinha que viria a ser do Pintas, cepas na altura com 70 anos que se espraiavam por singelos três hectares, em solo pobre e pouco profundo, ladeadas por mato. Exposição Sul-Poente, inclinações acentuadas, altitude máxima de 400 metros. “Foi amor à primeira vista”, lembra Sandra.
Conseguiram ficar com as uvas nesse ano de 2001, mas só em 2003 convenceram o então proprietário a escriturar o terreno. 
Hoje, estamos diante de cepas com 90 anos, xisto à flor da pele da rocha-mãe, alta densidade de plantação – 6.000 a 7.000 plantas por hectare – , rendimentos que nos anos mais produtivos não ultrapassam as 3.000 toneladas/ha. Hoje, 20 anos volvidos da primeira vez da Wine & Soul nesta vinha, há um trabalho meticuloso de identificação de castas, tendo já conseguido nomear 42 variedades. Não menos importante, estão a criar um campo de seleção massal, para que todas as retanchas tenham material genético com o ADN da vinha original, facultando ainda a possibilidade de um dia poderem replicar a vinha do Pintas noutros pedaços de terra.
Em abono da verdade, neste último caso é bem possível que isso nunca venha a acontecer. Jorge e Sandra estiveram prestes a fazê-lo, admitindo plantar mais vinha na área de mato que circunda o vinhedo do Pintas. Curiosamente, quando ficaram em posse da Quinta da Manoella, nas proximidades, outra propriedade com uma larga extensão de mato, perceberam que qualquer alteração na biodiversidade existente poderia motivar desequilíbrios ou mesmo alterações profundas no comportamento da videira. Num e noutro cenário, a decisão passou por manter as proporções entre área cultivada e terra bravia.


Regressamos à vinha do Pintas no primeiro dia em que estava a ser vindimada neste ano de 2021. O cinzento do céu e os ameaços de chuva por entre raios de sol motivaram a decisão de avançar com a apanha no dia 6 de setembro, um pouco mais cedo do que o habitual, opção mais segura face às previsões meteorológicas que apontavam alguma instabilidade daí para a frente.
“Apesar da diversidade de castas há uma aproximação muito forte nos pontos de maturação”, nota Sandra Tavares da Silva, para logo reconhecer tratar-se da vinha “que nos dá maior nervoso miudinho”, pelo que a visitam várias vezes até fixar a data da colheita.

 

Lagares, barricas e EUA

Pintas era o cão de raça pointer de Jorge e Sandra, cujo nome acabaria por ser o de batismo do vinho. Morreu já velhote, após a vindima de 2016, tendo sido substituído pelo Guru (também nome do vinho branco de maior nomeada da Wine & Soul).
Ao longo dos anos, a evolução no processo de vinificação tem conhecido ligeiras alterações. Os lagares de granito da adega são sempre usados, mas as macerações têm-se tornado cada vez mais suaves e menos prolongadas. As barricas sempre foram de carvalho francês de 225 lts., mas se chegaram a recorrer a 60% de barrica nova, as edições mais recentes apenas usam 15% a 20% de madeira nova. “A forma como integramos a madeira também mudou, está hoje muito mas integrada. A barrica é que tem que encaixar no vinho, não o contrário”, sublinha Jorge Serôdio Borges.


A consistência tem sido um ponto a favor na criação deste ícone do Douro. O Pintas não é um exclusivo de anos considerados excecionais, como tantas vezes acontece em topos de gama, antes uma garantia anual de um vinho de enorme qualidade.
“O que nos orgulha na Wine & Soul é a consistência, não defraudar as expetativas”, nota Jorge.


Admitem que o projeto surgiu no momento certo, na medida em que na atualidade é muito mais difícil alcançar notoriedade no Douro face à oferta de projetos e de vinhos, incomparavelmente superior à do início do milénio. 
A produção do Pintas, entre as 4.000 e as 6.000 garrafas por edição, é 70% exportada para destinos como os EUA, o Brasil ou a Suíça. A imprensa norte-americana colocou um holofote permanente neste vinho, estando bem presente na memória coletiva os 98 pontos atribuídos pela Wine Spectator ao Pintas 2011 ou as presenças regulares no “TOP 100” anual da mesma publicação.


Jorge e Sandra enfatizam tratar-se do reconhecimento da consistência, bem como de uma presença efetiva naquele mercado, com viagens recorrentes para encontros com clientes, distribuidores e imprensa, algo que os EUA valorizam.
Para celebrar os 20 anos da Wine & Soul, a Revista de Vinhos lançou o desafio para uma prova vertical de algumas das mais emblemáticas edições do Pintas. Iniciamos com o estreante 2001 e terminamos com o “preview” do novíssimo 2019. Uma prova de nível superior, que demonstra a fantástica evolução deste vinho e expõe a equação dos equilíbrios da vinha velha que lhe está na origem: generosidade de fruta, apontamentos complementares vegetais bons, boa acidez natural, tensão estrutural.
Jorge Serôdio Borges e Sandra Tavares da Silva são dois perfecionistas apaixonados: um pelo outro; ambos pela vinha que também a nós nos apaixona.

 

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