Já passaram mais de 20 anos desde que Celso Pereira e Jorge Alves conheceram-se nas Caves Transmontanas. Haveriam de lançar um primeiro vinho conjunto, o Quanta Terra 1999 tinto, e desde aí não mais pararam, qual irmandade de enólogos. Como numa relação de longa duração, impõem-se quebrar rotinas com novas vinhas, com o apuro de vinhos e, mais recentemente, também com uma adega que tornou-se muito mais do que isso.
O edifício é uma antiga destilaria da Casa do Douro, situada na freguesia de Favaios, concelho de Alijó, que transformava excessos produtivos em aguardente para Vinho do Porto. Decorria a vindima de 2015 quando concretizaram a compra do imóvel e estiveram quatro anos a maturar o que fazer com ele. Queriam, claro, um local que fosse suporte de vinhos mas que pudesse igualmente funcionar como uma casa para receber quem passa. Carlos Santelmo arquitetou o que hoje vemos e parece ter sido feliz na sensibilidade de preservar e até conferir nova vida ao que já ali tinha sido construído. Os depósitos de cimento preservaram as bonitas fachadas exteriores e passaram a albergar interessantes salas de exposição; o telhado e a maioria das portas e janelas mantiveram-se; o enorme pé direito do corpo central do edifício transmite amplitude; a loja e o terraço cimeiros convidam a estar.
Terminada a obra, que conheceu tempos de pandemia, um cruzamento de vontades trataria de lhe conferir uma inesperada vida. Joana Vasconcelos expôs ali peças únicas e tornou o local alvo de uma romaria não prevista a Favaios. O sucesso foi de tal ordem que a parceria com a artista plástica acabaria por resultar na elaboração de dois vinhos – um espumante rosé 2018, da casta Pinot Noir, e um tinto de 2017, a partir de Touriga Franca, Touriga Nacional e Sousão, ambos vendidos em packagings especiais, por si só peças de arte complementares.
Apanhado o embalo, a segunda etapa. A adega esteve novamente transformada em galeria de arte. Leni van Lopik, artista plástica holandesa radicada no Douro desde 1982, apresentou 11 peças produzidas com base em materiais naturais/orgânicos, como folhas de eucalipto, bugalhos e pedras, quase sempre recolhidos durante as caminhadas pelos socalcos durienses. A mostra teve por título “Cor no Douro” e foi um dos contributos levados em consideração pela rede de capitais dos grandes vinhedos do mundo, a Great Wine Capitals, que distinguiu a Quanta Terra como vencedor global dos prémios “Best of Wine Tourism 2023”, na categoria “Arte e Cultura”.
Na terra, sem terra
Quanta Terra no nome, sem terra na prática. Celso Pereira e Jorge Alves palmilham o Douro com o à vontade de quem respira a região e o conforto de quem sabe o que está a fazer. Baseiam o projeto nas virtudes de Alijó – os 650 metros de altitude, o granito e o xisto de transição, os 600 a 800 ml. de pluviosidade , a amplitude térmica e a frescura do planalto; o xisto, a concentração, as vinhas velhas e a potência das uvas tintas do Vale do Tua, pouco acima do rio.
“Convivemos bem com o facto de não termos terra”, observa Celso Pereira. “Temos ligações a viticultores desde 1999, remuneramos bem e ensaiamos sempre os vinhos antes de assumirmos um compromisso. Há uma relação de verdade com os fornecedores”, explica.
Cota acima, cota abaixo, exploram pedaços de terra com o faro de enólogos tarimbados, cientes da uva que precisam obter para alcançar vinhos simultaneamente poderosos e elegantes, sempre com largo potencial de guarda. Contas feitas, trabalham com 16 viticultores que perfazem 10 hectares de vinhas e a produção média anual ronda as 70.000 garrafas. Não pensam crescer exponencialmente nas quantidades, querem fazer os vinhos que o gozo pessoal lhes dá e que o mercado aceita. Tiago Pereira, no marketing, e Pedro Alves, na enologia, são uma segunda geração que já contribui para o andamento da locomotiva.