Quinta da Boa Esperança: Vinhos com consciência ambiental

Fotografia: Fabrice Demoulin
Manuel Moreira

Manuel Moreira

Na Quinta da Boa Esperança, a experimentação e produção de vinhos em pequenos volumes são opção, mesmo que signifique esticar o número de referências do portefólio. Afinal, a variedade encontrada pelas diversas encostas, exposições, nuance dos solos e castas a isso obriga. 


Chamava-se Antigo Casal do João Dias, até que, em 2014, Artur Gama e Eva Moura Guedes adquirem a propriedade. Aqui na Zibreira, num vale de encostas, a vinha é uma constante para onde quer que se olhe. Combina a proximidade ao Atlântico, que está a menos de 20 km, com o Montejunto a nordeste, pelo que as vinhas, em encostas de exposição nascente-poente, tiram partido dos raios solares que as acariciam durante todo o dia. 

A amplitude térmica entre maio e setembro em muito contribui para a boa formação de aromas e balanço entre acidez e açúcar. Já a humidade não deixa relaxar ou descurar a vigilância. Nos solos argilo-calcários corre um lençol freático que vem de Torres Vedras e já na superfície se deparam vestígios de algas que, no conjunto, atuam no perfil dos vinhos. 

Nos 11,5 hectares há uma dezena de castas das quais se fazem treze referências. Integra uma vinha em biológico de Touriga Nacional ainda em regime experimental. Por aqui a consciência ambiental é atitude praticada. Sente-se o cuidado na exploração e conhecimento do potencial vitícola da propriedade, que conjuga a vontade dos proprietários com o saber de Paula Fernandes que, além de enóloga, tem percurso profissional e académico na área da viticultura e integra o projeto desde o primeiro instante. Fez parte da coordenação do Catálogo Nacional de Variedades e, em 2009, a sua tese de mestrado sobre os comportamentos das castas Touriga Nacional e Syrah em diferentes terroirs, desde o Minho ao Baixo Alentejo valeu-lhe várias distinções, entre elas a nomeação do Melhor Trabalho do Ano, pela Associação Portuguesa de Enologia, ou o prémio da Confraria do Dão. De referir, ainda, o apoio ao projeto do enólogo consultor Rodrigo Martins. 


Evolução e afinação


Os vinhos Quinta da Boa Esperança são constituídos pela gama colheita (branco, rosé e tinto), colheita selecionada tinto, seis monocastas, dos quais três de castas brancas (Arinto, Fernão Pires e Sauvignon Blanc) e três de tinto (Syrah, Touriga Nacional, Alicante Bouschet), bem como três vinhos reserva (rosé, branco e tinto). Percebe-se por esta diversidade o verdadeiro quebra-cabeças do quotidiano da adega. “Como um jogo de Tetris”, refere com graça Paula Fernandes. 

A solução passa pela construção, em curso, de um pequeno complexo que centraliza a vinificação, estágio dos vinhos e escritórios. Dessa forma liberta os pequenos edifícios, de arquitetura histórica, para o enoturismo e outras atividades, que hoje dão suporte à vinificação e estágio. Como a vontade da equipa é a de “fazer vinhos pedagógicos, mostrar as castas e experimentar”, como refere Artur, as instalações devem responder a essa vontade. Neste momento produz cerca de 70 mil garrafas, mas com potencial para 150 mil. 

A prova dos vinhos mostra o natural percurso de evolução e afinação no desenho e perfil, bem percetível ao percorrer as poucas colheitas realizadas. Os vinhos brancos são muito fiéis ao estilo “Lisboa”, com a frescura ácida e salinidade marcantes. Contudo revelam sofisticação crescente na definição aromática e nada exuberantes. Os cuidados com origem na individualidade das parcelas, das castas, a vindima nos tempos certos, as minúcias e o foco nos procedimentos à entrada da adega, como por exemplo os regimes de prensagem e esmagamento, fazem sentir-se no primor e precisão geral. Excelentes na estrutura e balanço, a combinar volume com acidez elevada e de qualidade. 

Como exemplo, o Quinta da Boa Esperança Fernão Pires 2017, a referência de maior produção (35 mil garrafas), que revela fruta madura e algum mel, sugestões de querosene em contraste com forte impressão salina e vibrante acidez. Já o 2018 é mais focado e preciso, pois impera a frescura e sobriedade num todo muito sofisticado. Belíssimo o Arinto de 2018, de estrutura notável e muito séria. Talvez o melhor e mais distinto branco da Quinta da Boa Esperança! 

A gama Colheita apresenta muita qualidade e ambição, a mostrar ser ótimo porta-estandarte do projeto. Os vinhos tintos confirmam a região de Lisboa como produtora de tintos “amadurecidos” mas de frescura incrível. 

O Colheita Seleccionada 2015 é um verdadeiro “vinho de sommelier”. O Alicante Bouschet que, para os proprietários e enóloga tinha tudo para não ser feliz ali, surpreende e contraria as previsões, ao manifestar-se em força e elegância na edição de 2017. O ímpeto de experimentação, conjugado com a gestão da operacional, levou ao surgir de um Rosé Reserva de 2018. Peripécia que se conta de forma rápida. Para não deixar uma barrica de 500 litros em vazio, esta foi cheia com rosé de Touriga Nacional, resultando original, diferente e curioso, que lhe vale vir a ser replicado no futuro. 

São vinhos que, de modo explícito, abrilhantam momentos à mesa. Na capital inglesa estão presentes em mais de 30 restaurantes, através de Tim McLaughlin-Green, fundador da sommelierschoice.co.uk, no qual a Quinta da Boa Esperança tem parceiro e embaixador entusiasta. A exportação já representa mais de 60% do negócio, com os vinhos presentes em dez países. No mercado nacional, o foco é o canal Horeca e figuram em alguns restaurantes referência da capital. 

O enoturismo começou de forma espontânea, ao receber visitas e dar os vinhos à prova e naturalmente teve de passar a ser abordado de uma forma estruturada. “Queremos que seja um enoturismo familiar e intimista”, sublinha Artur Gama. Visitas, provas e refeições fazem parte da oferta. São quatro pacotes de provas que percorrem as gamas de vinho e quatro propostas de refeição harmonizadas com vinhos. Bom vinho, simpatia, charme, tudo bem perto de Lisboa.