Quinta do Ameal: 20 anos depois, novos desafios

Fotografia: Ricardo Garrido

O Esporão está, pouco a pouco, a interiorizar os últimos 20 anos da Quinta do Ameal, em Ponte de Lima. Marca de pergaminhos no país e em mercados externos como o Brasil ou a Bélgica, o futuro antevê novas expressões da casta Loureiro, reforço do enoturismo, um aumento da presença na restauração e a garantia de respeito pelo legado de Pedro Araújo.


A oficialização da compra tornar-se-ia pública em 16 de setembro de 2019. O Esporão adquiria a Quinta do Ameal a Pedro Araújo, formalizando a entrada na região dos Vinhos Verdes e, com isso, completando uma trilogia que contempla o Alentejo de origem e também o Douro (Quinta dos Murças, desde 2008).

João Roquette e Pedro Araújo conheceram-se num evento do setor. João foi convidado a visitar o Ameal e o “namoro” começou. Ambos partilhavam visões coincidentes nalguns pontos, incluindo a necessidade de valorizar a região dos Vinhos Verdes e a importância de produzir uvas de acordo com práticas ambientalmente sustentáveis. Equacionaram uma parceria mas o negócio acordado acabaria por ser o da aquisição. O anúncio da compra manteve Pedro Araújo como parte integrante da equipa num primeiro momento e, a pedido do próprio, a desvinculação foi total meses depois.

A Quinta do Ameal foi adquirida pelo pai de Pedro Araújo em 1990. Após a experimentação de diferentes castas, decide-se que o caminho assentaria na exploração das virtudes do Loureiro. O primeiro Ameal Loureiro é de 1999, o primeiro Ameal Escolha é de 2000. O lançamento do Ameal Special Harvest (estilo vindima tardia) dá-se em 2007, o Ameal Espumante Bruto surge em 2009, o Ameal Solo Único (vinho de parcela) estreia-se em 2011. O projeto de enoturismo, contemporâneo, sofisticado e confortável, abre em 2015.

A cronologia desta linha do tempo pode ir mais além. Os primeiros registos da Quinta do Ameal datam de 1710. Mas a história dos últimos 20 anos é essencialmente acompanhada pela criação de uma marca de valor junto de um nicho de consumidores nacionais e de outros nichos, nalguns mercados internacionais. Por exemplo na Bélgica, onde os Ameal constam das cartas de vinhos de uma importante franja de restaurantes estrela Michelin, ou no Brasil, onde figura entre os brancos portugueses mais conceituados.

Foi precisamente esta singularidade e potencial do Ameal que chamou a atenção ao CEO do Esporão. João Roquette explica que foi pelo Ameal que o Esporão decidiu entrar nos Vinhos Verdes, tendo agora em mãos uma espécie de diamante por lapidar. “Tudo isto pode ganhar mais vida, mais dinâmica”, observa.

O objetivo de médio prazo é “levar o vinho a mais pessoas”. O Loureiro continuará a ser a matriz da propriedade mas já no próximo ano, com uva própria e uva adquirida a viticultores da região (em 2019, o Ameal elaborou 90.000 garrafas), haverá um entrada de gama posicionado até 6,00€, que permita uma visão diferente dos Vinhos Verdes. O Ameal estará focado no canal Horeca, apesar das atuais dificuldades causadas pela pandemia e, no caso português, procurar-se-á presença assídua na pujante cena gastronómica minhota.

Beneficiando de uma localização privilegiada em Ponte de Lima, de acessos rodoviários fáceis e um anfiteatro natural único que inclui 800 metros de margem do rio Lima, o Ameal verá em breve reforçada a oferta de enoturismo, através de um projeto que seja “mais abrangente e consistente”, nas palavras de João Roquette.

Um contexto que obriga a ponderação


A Quinta do Ameal estende-se por um total de cerca de 30 hectares. Oito são de floresta, existindo uma variedade apreciável de pinheiros mansos (alguns com mais de 200 anos), nogueiras e castanheiros. 

Os 14 hectares de vinha estão exclusivamente plantados com Loureiro. Depois de boa parte ter sido dizimada, em 2014, pelos ataques de flavescência dourada (uma das doenças de vinha mais severas da atualidade na Europa, resultado de um microorganismo que é transportado pela cigarrinha da flavescência dourada de plantas contaminadas para vinhas saudáveis, podendo ainda desenvolver-se na seiva da videira), Pedro Araújo abandonou a viticultura biológica.

Neste momento, o Esporão tem limitado o recurso a herbicidas na propriedade, mas para controlar com maior exatidão o que acontece na vinha a cada momento apenas tem feito ensaios que permitam avaliar os prós e contras de um regresso ao biológico numa região de risco como é a dos Vinhos Verdes, com humidade e pluviosidade elevadas. Este ano, por exemplo, face à pressão de míldio houve necessidade de intervir com fungicidas, embora os tratamentos sejam cada vez menos invasivos.

Tal como aconteceu na duriense Quinta dos Murças, também no Ameal serão iniciados estudos intensivos de solos, palmos de terra maioritariamente graníticos com alguma presença de argila junto ao leito do rio. As vinhas estão expostas a sul, a amplitude térmica é significativa, o que auxilia à preservação da acidez natural das uvas mas também permite uma plena maturação do fruto.

Na vinificação, o enólogo José Luis Moreira da Silva explica que a ideia é preservar o bom trabalho desenvolvido por Pedro Araújo, mantendo o perfil Ameal e explorando ainda mais as diferentes expressões do Loureiro. Uma parte do novo Solo Único já conheceu fermentação em cuba oval de betão, um bonito foudre austríaco já habita na adega, um destes dias não será de descartar uma talha…

Vinte anos depois, o Ameal reinventa-se para abraçar mais públicos, procurando beber do passado recente importantes ensinamentos. Neste regresso, a Revista de Vinhos provou novidades e edições de colecionador.

TEXTO: José João Santos e Nuno Guedes Vaz Pires