Ramisco

Fotografia: Arquivo
Marc Barros

Marc Barros

Poucas castas estão tão intrinsecamente associadas a um território como a variedade Ramisco o está a Colares. Os vinhos desta casta tinta gozam de enorme fama, verdadeira sobrevivente da praga da filoxera do século XIX. Como se explica que, de uma área que rondava os 2000 hectares à data da demarcação de Colares, em 1908, tenha passado para as cerca de duas dezenas nos nossos tempos?


Vários fatores contribuíram para a desventura da casta. Desde logo, o facto de estar implantada junto à costa, bem próximo da capital, numa zona que viria a despertar enormes apetites imobiliários. Bem como a apropriação indevida da marca - já Eça se referia ao “Colares peçonhento!” - que, ao longo de décadas, desprestigiou e desvalorizou estes vinhos.

Instalada em solos arenosos em pé franco, a técnica de implantação é difícil, assim como duras são as condições de granjeio da vinha. É necessário escavar o solo de areia, a vários metros de profundidade – manobra perigosíssima dado do risco de soterramento -, até atingir a camada argilosa, onde as varas são “unhadas”, ou seja, entaladas no solo. 

Parte considerável da originalidade destes vinhos prende-se com o sistema de condução das vinhas e a paisagem das paliçadas, feitas com canas secas, que lhes servem de proteção dos ventos atlânticos. As videiras, que prolongam as suas raízes até à camada argilosa do solo, crescem estendendo-se pelo chão de areia. Na fase de maturação, as vinhas são elevadas utilizando os “pontões” e os cachos são cobertos com ervas secas resultantes da operação cultural anterior, a “arrenda”, a fim de se evitar o escaldão. Os vinhos DOC Colares são provenientes das vinhas instaladas em chão de areia. No entanto, podem incorporar até um máximo de 10% de produtos (uvas ou mostos), provenientes de vinhas instaladas em chão rijo. 

Dicas:

1 – Trata-se de uma casta de enorme interesse enológico devido à sua elevada acidez natural, superior a 6 gr./lt, volume alcoólico reduzido, cerca de 11 - 12% vol., e assinalável carga tânica. Por outro lado, o ciclo vegetativo é tardio, com maturações lentas. De bago médio e película espessa, é extremamente resistente a pragas e doenças, fator essencial quando a casta vive tão em cima do Atlântico.

2 – Os vinhos da casta Ramisco podem ser duros e adstringentes quando jovens, quase imbebíveis. Porém, beneficiam com o envelhecimento, aptos para evoluir em madeira ou na garrafa. Transformam-se, assim, em vinhos de enorme elegância e finura, visível quando a sua cor ganha rebordo acastanhado. Nessa fase, salientam-se os aromas terciários de trufas, resina, madeiras nobres que, em alguns casos, fazem-se ainda acompanhar de bagas silvestres e cereja, ou até o toque floral que os caracterizam enquanto jovens.  Preservam, no entanto, toda a frescura e grau alcoólico reduzido.

3 – Estas características são também induzidas pelo terroir: solos de areia secos, vastas manchas de pinhal, o ambiente húmido e salgado do Atlântico, manhãs e tardes nubladas, com escassas horas de sol, conferindo aos vinhos níveis elevados de acidez e salinidade. Sendo uma casta usualmente vinificada em estreme, pode beneficiar se loteada com outras variedades, como a Aragonez.

4 – Apesar do risco de extinção dos vinhos da casta Ramisco de Colares, ou seja, plantada em chão de areia, alguns novos operadores vêm entrando na região, juntando-se a históricos como a Adega Regional de Colares ou a Adega Viúva Gomes, que colocam no mercado exemplares que honram a herança da variedade: aos vinhos da Fundação Oriente, desenhados pela mão do enólogo Jaime Quendera, somam-se outros como os vinhos do Casal Sta. Maria, de Hélder Cunha, da Casca Wines, ou da Ramilo Wines, com enologia de Jorge Mata. Boas notícias para a região. Fica o desafio para todos os que pretendem (re)descobrir estes vinhos.