Rui Roboredo Madeira, uma história com duas décadas

Fotografia: Ricardo Garrido
Luís Costa

Luís Costa

O périplo da Revista de Vinhos pelo universo de Rui Roboredo Madeira começou na zona raiana, nas terras altas da Beira Interior – mais concretamente em Vermiosa, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo –, onde o solo granítico se confunde com filões de quartzo em vinhedos localizados a 750 metros de altitude.


E fazia todo o sentido começar por aqui, porque é nestas paragens que o prolífico enólogo e produtor tem as suas raízes (“Estamos a oito quilómetros da casa do meu avó-paterno, aqui conheço a vinha, conheço as pessoas, conheço tudo”, diz-nos Rui Madeira); porque fez aqui a sua primeira vindima – já lá vão 35 anos; porque a adega e vinha da Beyra foi o seu mais recente investimento; e porque são daqui alguns seus vinhos mais diferenciados, mais singulares ou com mais “personalidade” – se quisermos chegar ao ponto de dar ao vinho características antropomórficas.

Depois ainda passaríamos por Freixo de Numão, para provarmos vinhos na Quinta da Pedra Escrita, fechando o dia em São João da Pesqueira, onde o criador dos vinhos Castello d’Alba tem montado o seu centro operacional, as cubas de maior dimensão e uma vasta zona de armazenagem.

Mas é na adega e vinha da Beyra que percebemos melhor a essência (e os vinhos) de Rui Roboredo Madeira, porque é aqui que lhe detetamos um indisfarçável brilhozinho nos olhos, sinais de maior afetividade e uma inegável ligação telúrica à zona onde nasceu e cresceu, uma vez que não estamos muito longe de Almendra onde fica a casa dos seus progenitores, a conhecida Casa Agrícola Roboredo Madeira (CARM), também produtora de vinhos e azeites de enorme qualidade.

Embora tenha alicerçado a sua carreira de produtor e enólogo no Douro, é nestas altitudes (e latitudes) frias da Beira Interior, portanto, que Rui Roboredo Madeira mais gosta de estar: “Aqui temos uma liberdade criativa que o Douro não tem, onde há constrangimentos de diversa índole, políticos, sociais, etc. Aqui sinto-me mais livre, esta é a menina dos meus olhos”, confessa o enólogo e produtor, lembrando que “sempre quis ter alguma coisa independente da família, pois desde os 16 anos que já comprava e vendia coisas, sempre fui um bocado empreendedor, e se não fosse isto da Covid já estava seguramente a fazer mais uma coisa nova”.

Além do mais, foi precisamente nas instalações que agora são suas, reconvertidas e ampliadas para o projeto Beyra, que Rui Madeira teve o primeiro contacto a sério, digamos assim, com o mundo do vinho: “Em 1986 estava em Lisboa no terceiro ano de Economia, na Universidade Católica. Mas tive um acidente grave, vim cá para cima recuperar e foi nesta adega da Vermiosa que acabei por fazer a minha primeira vindima, em 1987, onde perdi sete quilos de peso. Na altura, o meu pai andava a plantar vinhas, a aumentar a área fundiária, eu fui fazer Biologia do 12º ano para poder ir para Enologia e pronto, comecei a apanhar o bicho disto”.

O resto da história é mais ou menos conhecida, com destaque para a criação da VDS (Vinhos do Douro Superior) em 1999, as consultorias de enorme e reconhecido sucesso com a Adega de Vila Real e com a Adega Cooperativa de Freixo de Espada à Cinta (em torno da bem-sucedida marca Montes Ermos) e a afirmação dos vinhos Castello D’ Alba em parceria assumida com a grande distribuição, nomeadamente com a Sonae. Como observa Rui Pinto, gestor e sócio de Rui Madeira desde 2006, também enólogo de formação, “Castelo D’ Alba é a marca que justifica o crescimento e existência de todas as outras. Até dada altura, investir no nosso projeto era investir nesta marca. Depois é que surgiu a Pedra Escrita em 2010 e a Beyra em 2011”.

O projeto Beyra já representa 24 por cento do volume de vendas do universo Rui Madeira Vinhos e é, de longe, a marca com mais peso nas exportações da empresa, com destaque para o emergente mercado dinamarquês. “Fomos os primeiros a falar em vinhos de altitude, agora toda a gente fala…”, faz questão de notar Rui Madeira, orgulhoso por ter desbravado um determinado caminho: “Eu acreditei sempre em fazer projetos de raiz, sem um tostão, sem ter herdado nada. Mas sempre achei que, para ter uma empresa a sério, precisava de crescer. Ora, para crescer é preciso fazer vinhos que as pessoas comprem uma garrafa e depois repitam essa compra. Comecei a fazer isso com o projeto Castello D’ Alba, que neste momento está com grande maturidade, qualidade e posicionamento.”

Quando foi para a Vermiosa criar de raiz o projeto Beyra, há sensivelmente dez anos, foi para trilhar um caminho diferente, na busca de fazer “o clássico dos clássicos”. Por isso, “em vez de ter prensas pneumáticas que custam 150 mil euros”, recorre aos métodos mais antigos de fazer vinho branco: prensa as uvas inteiras com engaço (em prensas usadas que comprou em segunda mão em França) e depois faz uma seleção dos mostos. Basicamente, procura fazer aqui vinhos que reflitam a zona de origem, o “terroir” da Beira Interior em altitude, onde acredita haver mais valor do que a Síria, “pois existe uma mistura de vinhas velhas que é verdadeiramente única.”

E quanto aos tintos da adega Beyra, que também já os produz? “Para os tintos, reparei as cubas de cimento que havia aqui e comecei a fermentar em 2015, obtendo fermentações mais lentas, com gráficos mais uniformes, menos reduções, tudo mais natural. Na Vermiosa ando sempre em permanente experimentação, sobretudo nas castas tintas”.

Neste discurso de Rui Madeira – que é confirmado pelos vinhos que faz na Beira Interior, mas também pelos vinhos da Quinta da Pedra Escrita, em zonas altas de Freixo de Numão – percebe-se hoje a mudança de paradigma, uma vez conquistado o sucesso comercial que tanto porfiou com a tal lógica de que “é preciso fazer vinhos que as pessoas comprem uma garrafa e depois repitam essa compra”. Nesse sentido considera, sem hesitar na reposta, que Portugal “tem de vender a diferença”: “Não temos futuro a fazer grandes volumes, porque não produzimos 20 ou 30 toneladas por hectare. Portugal não é o Chile ou a Califórnia. Temos de vender a diferença”.


Quinta da Pedra Escrita, a sala de visitas do projeto 


Na Quinta da Pedra Escrita, também visitada pela reportagem da Revista de Vinhos, a filosofia de trabalho vai um pouco no mesmo sentido. Aqui já estamos em terras durienses, em Freixo de Numão, a cerca de três quilómetros em linha reta da emblemática Quinta do Vesúvio da família Symington, embora a uma altitude consideravelmente superior – pelo menos 500 metros mais altos –, quase paredes-meias com outra quinta bem conhecida, esta do universo da Ramos Pinto: a Quinta de Bons Ares.

Com um edifício central exemplarmente recuperado, no respeito pela tradição, mas com imenso bom gosto e apontamentos contemporâneos, a Quinta da Pedra Escrita – uma das primeiras quintas do Douro Superior a ser demarcada pelo Marquês de Pombal – funciona como sala de visitas do projeto, um local privilegiado para Rui Madeira e Rui Pinto receberem os seus clientes. 

Explica-nos Rui Madeira que sempre foi seu objetivo “ter alguma coisa da família” no seu projeto empresarial, e a Quinta da Pedra Escrita corresponde precisamente a esse desiderato: são 37 hectares localizados numa das zonas mais altas do Douro, em solos pouco férteis de granito puro, que esteve no universo familiar da mãe de Rui Madeira nos últimos 300 anos. “Sempre achei que as empresas familiares são complicadas, mas, na verdade, sempre quis ter alguma coisa que fosse da minha mãe”, confessa Rui Madeira, contando-nos que comprou a quinta ao seu pai em 2006 – “uma vez que o meu pai e o meu irmão não estavam interessados nela”.

A quinta estava completamente abandonada, mas proporcionava a Rui Madeira explorar a potencialidade do “terroir” de Freixo de Numão para fazer vinhos brancos, tendo então começado por plantar Verdelho, Rabigato, Alvarinho e Viognier, única casta estrangeira deste conjunto, mas cuja untuosidade ajuda a compensar a acidez, por vezes excessiva, que as outras castas alcançam nestas paragens. Mais tarde, em 2011, plantou as três castas tintas que ainda hoje constituem o encepamento local, um terço de cada uma delas: Touriga Nacional, Jaen (por ser uma casta mais precoce) e Sousão.

É com esta matéria-prima, em terras de raízes familiares ancestrais que apresenta baixíssimas produções (“no caso dos brancos, aqui não passamos das duas toneladas e meia por hectare”), que Rui Madeira quer fazer “vinhos que durem no tempo, com interferência mínima de barrica, que tenham alguma tradição, que correspondam a algum classicismo”.

O percurso da Rui Roboredo Madeira Vinhos assenta precisamente nesta diversidade de portfólio – e complementaridade de opções. São caminhos cruzados em terras altas do Douro Superior e da Beira Interior que, em grande medida, contrastam com os vinhos “blockbuster” do universo Castello D’Alba. Mas, como gosta de dizer (e de insistir) Rui Madeira, “para crescer é preciso fazer vinhos que as pessoas comprem uma garrafa – e depois repitam essa compra.” Uma tese irrefutável, em boa verdade.