SUSANA ESTEBAN - Alentejo com sotaque galego

Fotografia: Ricardo Garrido

Susana Esteban não é portuguesa por uma questão de metros. Nasceu do outro lado do rio Minho, em Tui, na Galiza. Mas a nacionalidade, neste caso, não passa de mero detalhe. A casa é onde a alma está. E Susana Esteban é portuguesa de corpo, alma, vinha e vinhos. A enóloga começou no Douro. Passou pelas quintas do Côtto e do Crasto. Fez parte da geração que mudou para sempre os vinhos da região. Migrou para sul e, depois de se aventurar pelo Alentejo, fincou raízes no granito de Portalegre, bem antes de a região se tornar a nova terra prometida da viticultura portuguesa. 


“Passei oito anos no Douro. Estava no lugar certo, na hora certa. Acompanhei uma geração espetacular e vivi o momento de transformação da região. Depois vim para o Alentejo, não exatamente para começar do zero, mas tive que aprender e habituar-me a uma realidade completamente diferente, em termos de solo, condições, práticas, pessoas”, conta Susana. “Desde que cheguei a Portalegre, fiquei fascinada por esta região. Em todo o tempo que trabalho como enóloga nunca tinha encontrado um lugar com o qual me identificasse tanto. Senti-me em casa nesta zona. Tem tudo. Vinhas velhas, castas portuguesas, altitude, frescura. Eu gosto dos vinhos que se fazem na vinha. E em Portalegre consigo fazê-los”, revela.

A procura começou em 2009. A enóloga rodou meio Alentejo em busca do lugar perfeito. E apenas em 2011 encontrou duas parcelas de vinhas como queria. Era o início do tão sonhado projeto pessoal de Susana Esteban. No princípio, dois vinhos que, no próprio nome, traziam muito da odisseia da enóloga: Aventura e Procura. Aos poucos, a família foi crescendo. Ideias transformaram-se em vinhos. E Susana não faz questão de estancar a criatividade. “Já tenho onze referências, mas não vou parar por aqui. Dá-me muito gozo descobrir e tentar coisas novas. Ter uma ideia e ir atrás dela. E ver aquele pensamento, um ano depois, dentro de uma garrafa, dá-me uma grande satisfação. Dá imenso trabalho, até porque são quantidades muito pequenas de experiências que nem sempre sabemos como irão correr, mas no fim das contas traz-me bastante felicidade”, explica Susana. “Para o ano, não faço ideia do que farei. Os vinhos surgem aos poucos. O Procura na Ânfora surgiu depois de uma viagem à Geórgia. O Foudre surgiu por conta do tonel 
que tinha aqui. Ou seja, gosto de não ter regras. Assim consigo ser mais criativa e inventiva”, explica. 

Vinhos de precisão

No meio de tantas possibilidades criativas, uma certeza: manter os pés no chão e não crescer mais do que Susana é capaz de controlar. Uma das marcas da enóloga é a precisão que cada vinho tem. E que, segundo ela, só é possível alcançar se houver a possibilidade de manter o controlo sobre todas as etapas da produção. Trocando em miúdos, prosseguir com o caráter artesanal dos vinhos. 

“Não quero crescer muito. Só posso fazer as coisas como quero se puder controlar todos os aspetos da produção. É a única forma de manter o nível de precisão e qualidade que tenho. Não tenho condições de ir além das 50 mil garrafas. Sei que se vou além disso, não terei capacidade de ir aos pormenores de cada vinho. Mas quero diversificar ainda mais a produção”, garante Susana. 

Mas manter os pés no chão não significa parar de sonhar. A enóloga já se imaginou em aventuras errantes, desbravando vinhas em territórios distintos. Hoje os sonhos são outros. Mas não menos lúdicos. E trabalhar onde nasceu não é um destes objetivos mais imediatos. “Hoje não é um objetivo específico fazer um vinho nas Rias Baixas, mas quem sabe. Nunca estou fechada para nada. Quando comecei nesta vida, o meu sonho era fazer vindimas em lugares diferentes. A cada dois anos, uma região. Uma vida de cigana. Claro que adoraria fazer vinhos na Borgonha ou em Champagne, mas hoje, que finquei raízes em Portalegre, acho que se trata mais de pessoas do que lugares. No Sidecar tenho esse conceito. Chamar alguém de fora para trazer ideias para um projeto em comum. Aprendo com cada experiência. Acho que, para além do terroir, os vinhos também são as pessoas que o fazem. E hoje tenho mais esse pensamento. Dividir ideias e experiências com pessoas. Pode passar por ir fazer o vinho noutra zona, ou outra pessoa vir a Portalegre fazer comigo na minha região”, filosofa. 

Experiência e mundo são coisas que não faltam a Susana Esteban. A enóloga adora visitar regiões e produtores. Conhecer o lugar e suas vinhas, as pessoas e os vinhos que fazem. E para ela, cada vinho é uma história. Alguns, até mais do que isso. “Há muitos vinhos que me marcaram. Alguns fizeram um clique. Por exemplo, no último verão, bebi um Vega Sicília 1998, em garrafa magnum. E depois de bebê-lo fiquei uns dois meses a pensar nesse vinho. Era a perfeição pura. E isso deixa-nos a pensar e, principalmente, ajuda-nos a por os pés no chão. Quem dera conseguir um dia fazer um vinho daqueles, que se abra 30 anos depois e esteja perfeito”, revela Susana. 

Ao provar os vinhos que a enóloga faz, em especial o recém-lançado Susana Esteban Foudre 2018, talvez nos apercebamos que o desejo da mais portuguesa das galegas esteja muito próximo de ser realidade…

TEXTO: Alexandre Lalas e Nuno Guedes Vaz Pires