Vieira de Sousa: A rusticidade pode ser elegante

Fotografia: Ricardo Garrido
José João Santos

José João Santos

É difícil provarmos um Porto Tawny Vieira de Sousa que apresente uma cor cristalina no copo. Curiosamente, reside aí o charme dos Portos envelhecidos deste produtor, que durante gerações vinificou e envelheceu vinhos para posterior venda a granel às grandes casas. A rusticidade que lhe identificamos é apenas um primeiro cartão de visita, que frequentemente dá aso, logo a seguir, à descoberta de surpreendentes subtilezas, moldadas em elegância. 


É a quinta geração que está a modificar o curso desta história. Luísa e Maria Borges, na enologia e na comercialização, respetivamente, tratam com delicadeza cada área, deixando o nervo de cada Porto expressar-se como uma espécie de manifesto individual – de lugar e de tempo. 

No século XIX, José Silvério Vieira de Sousa, tetravô de Luísa e Maria, criou a marca. Todavia, na sequência da praga da filoxera, José Ermelindo (bisavô) optou por vendê-la para, com o dinheiro resultante da operação, replantar as vinhas entretanto dizimadas. Começava aí a jornada da produção e do envelhecimento para posterior venda à pipa, que foi passando de geração em geração.

Hoje, Vieira de Sousa detém cerca de 70 hectares de vinhas dispersas por quatro propriedades na sub-região do Cima Corgo: Quinta da Água Alta (inclui Quinta do Bom dia e Quinta do Espinhal), Quinta do Fojo Velho, Quinta da Fonte e Quinta do Roncão Pequeno. Algumas têm singelas adegas e os tradicionais lagares de granito, estando o centro da operação na zona industrial de Sabrosa. O encepamento é dominado pela Tinta Roriz, somente três hectares são de variedades brancas, apenas vinificam uva própria.

A casa de família, onde provamos os vinhos, localiza-se em Celeirós do Douro. Está planeado abri-la ao enoturismo, uma recuperação que culminará com a disponibilização de oito suites. Ao lado, uma capela datada de 1710, que terá sido mandado erigir por Francisco Furtado de Azevedo Sotto Maior em honra a São Francisco de Assis. Também a ser recuperada, vai sendo aberta uma vez por ano, numa cerimónia que celebra o fim das vindimas.

Mas, além de peças de arte e de coleção da família e do enorme alpendre rasgado para a paisagem exterior, o que mais nos chama a atenção são os cinco lagares de granito e os misteriosos tonéis e balseiros. 

Luísa é quem cuida deles. A par da enologia tornou-se na tanoeira da casa, uma arte que foi aprendendo por gosto pessoal. Entra e sai dos tonéis, trata das reparações de menor monta, o que lhe falta em força braçal sobra em perseverança e paciência. Tem sido a maior protagonista desta nova fase do projeto de família. Não por acaso, a Revista de Vinhos nomeou-a na categoria “Enólogo Revelação do Ano 2019”, igualmente foi distinguida pelo IVDP – Instituto dos Vinhos do Douro e Porto com o prémio “Revelação”. Formada em Viticultura e Enologia pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, defende a prevalência da vinha sobre a enologia cabendo-lhe, no caso específico dos Portos, o papel de cuidadora de vinhos velhos e muito velhos, e de pensadora de vinhos futuros, para novas décadas, para novas gerações.

Existirá rusticidade elegante?


Em 2008 iniciou-se o novo capítulo desta história de família. Em 2011 foi lançado no mercado um primeiro Ruby Reserva, um Tawny e um Branco 10 Anos. Ao longo desta primeira década de ressurgimento têm apostado nos LBV, sempre não filtrados – “Chamamos-lhes os segundos Vintage”, diz-nos Luísa.

Todos os Portos são envelhecidos no Douro, em armazéns com chão de terra e beneficiando de localizações mais frescas, a altitudes em torno dos 500 metros. Junto ao rio fica boa parte das vinhas, todas em solos de xisto e idades médias superiores a 40 anos. Os envelhecimentos privilegiam balseiros e tonéis, de maior capacidade por comparação com as pipas. As vasilhas são antigas, o perfil genérico dos vinhos é rústico, seco, com muito bom equilíbrio entre doçura e acidez.

Aliás, a acidez que conseguimos percecionar nalguns Portos chega a ser estonteante e certamente contribui para aquilo que poderá parecer um contrassenso mas que faz todo o sentido quando provamos os vinhos Vieira de Sousa – rusticidade (na cor e na densidade) com elegância (na finura da estrutura geral, no prolongamento que nos fica no final).

Por entre os vinhos provados foi impossível não nos rendermos a duas criações maiores, que são o que são porque conheceram décadas e décadas de envelhecimento. António Vieira de Sousa Very Old Tawny Port é uma edição muito limitada de 90 garrafas, um lote de vinhos muito antigos em garrafas de cristal Vista Alegre de 0,5 lts. com inscrições a ouro e numeração à mão. Foi lançado para celebrar, há dois anos, o 90º aniversário do pai de Luísa e Maria. Em setembro será oficialmente lançado o Vieira de Sousa Porto Tawny Colheita 1950, que celebrará o ano de nascimento da mãe, Lurdes Fialho. Outro vinho memorável, obtido a partir de uma única pipa de 600 lts., de um exotismo de valorizar.

Os vinhos são trabalhados por Luísa Borges, que conta a ajuda do enólogo Pedro Sá (com vasta experiência em fortificados) na afinação dos lotes. Mais recentemente começou a aventura dos DOC Douro, que já representam metade das 120.000 garrafas de produção média anual. Uma consequência lógica no percurso da casa, que tem feito particular sentido para afirmar o portefólio em mercados como a Dinamarca, Suíça, Bélgica, Holanda e Reino Unido.

O futuro da Vieira de Sousa parece adivinhar que o melhor está ainda por chegar, estando nas mãos da Luísa e de Maria o sempre difícil equilíbrio entre passado e presente.