VINHOS DE SUPERMERCADO

Afinal, o que valem?

Fotografia: Ricardo Garrido
Marc Barros

Marc Barros

O que podemos esperar de vinhos de “marca branca” ou de marcas exclusivas para supermercados? Corremos sério risco de desilusão ao adquirirmos um vinho abaixo de 2€, preço muito comum em prateleira como daqui a pouco demonstramos ao leitor?

A Revista de Vinhos – A Essência do Vinho esqueceu o preconceito e tirou as medidas a 120 referências de supermercado. Houve algumas boas surpresas e vinhos que ficaram aquém dos mínimos. O exercício foi duro mas ajudou-nos a perceber que apesar de a oferta neste segmento ter aumento exponencialmente nos últimos anos, não há milagres, antes opções a ter em conta quando procuramos bons compromissos entre qualidade e preço.

 

PAINEL DE PROVAS Célia Lourenço, José João Santos, Luis Costa, Manuel Moreira e Nuno Guedes Vaz Pires

 

Há vinhos de sonho, há vinhos memoráveis, há vinhos que consideramos serem grandes e há ainda aqueles que aconselhamos como valores seguros para um consumo quotidiano. Mas o mundo do vinho, Portugal incluído, tem muitos outros milhares de vinhos que, a crer simplesmente no preço, vários de nós desdenhariam. Ora, esse foi o primeiro dos exercícios que fizemos à partida para uma intensa manhã de provas. Mente arejada, preconceitos fora da sala, e venham de lá as amostras dos supermercados Modelo Continente, Pingo Doce, Jumbo, Lidl, Minipreço, Intermarché e El Corte Inglès. Os provadores avaliariam vinhos brancos, rosés e tintos, tendo somente conhecimento prévio da região e do ano de colheita. Nada de rótulos, esta foi uma prova às cegas.

Se a mente estava arejada e o preconceito posto de parte, partilharam-se expetativas iniciais. Se há uns dez anos a realidade destes vinhos de “marca branca” e de marcas exclusivas para supermercados se resumia a apenas alguns exemplares, hoje é distinta; há muitos vinhos, bem mais do que imagináramos. Se a quantidade aumentara exponencialmente seria de esperar que a qualidade tivesse acompanhado a evolução, mas não havia excessos de confiança neste ponto.

À partida para uma prova temática como esta devemos, antes de mais, assumir que todos nós somos consumidores e que muitas vezes adquirimos vinhos nos supermercados, baseando a escolha final, em larga medida, no preço. Se esse for o critério dominante, sublinhe-se que muitos dos vinhos provados encontram-se disponíveis a menos de 2€… garrafa, rolha e rótulo incluídos. O PVP mais baixo foi de 1,29€, com a particularidade de um dos rótulos marcado a esse preço ter sido o segundo mais bem pontuado! Na primeira posição ficou classificado o vinho com PVP também mais alto, 8,86€.

Há dezenas de exemplares com preçário inferior aos 2€, como se essa fosse uma espécie de primeira barreira psicológica de preço. Notamos uns quantos na casa dos mais de 2€ e de 3€, sendo bem mais escassos aqueles que vão além dos 4€. Como seria de esperar, o primado do preço.

 

Os altos e baixos da prova temática
 

Generalizando, a qualidade peca bastante mais nos vinhos brancos por contraponto com os tintos e os rosés cumprem o papel. Sim, nem todos os vinhos têm que ser grandiosos, bem o sabemos, mas um vinho honesto, capaz de transmitir ao que vem sem recorrer ao subterfúgio do uso e abuso de produtos enológicos para disfarçar eventuais problemas e dar um ar do que não tem, merecerá sempre o nosso respeito. 

Entre as pontuações mais elevadas há somente um vinho branco. Muitos representantes da tipologia denotaram falta de equilíbrio, uns abusando dos aromas tropicais, uns quantos sem frescura, outros que tais com acidez volátil desproporcionada. Nos tintos também alguns perfis de exageros, ora de fruta ora de sensações abaunilhadas, para lembrar barrica. Há, no entanto, uma esmagadora maioria (91 vinhos) de exemplares de qualidade média, que almejaram pontuações a partir dos 13 valores. E esta última observação torna-se decisiva na relação qualidade/preço.

A classificação mais elevada desta prova foi de 16 valores, atribuída ao vinho Selecção de Enófilos Private Collection 2013, um tinto do Douro produzido pela Quinta das Bandeiras, disponível no Intermarché por um PVP de 8,86€. Meio ponto abaixo, quatro vinhos com 15,5 valores: Torre de Ferro 2014, um tinto beirão elaborado pela bairradina Adega de Cantanhede, disponível no Lidl ao preço imbatível de 1,29€; Torre de Ferro Reserva 2013, outro tinto, este do Dão, elaborado pela Global Wines, igualmente à venda no Lidl com um PVP de 2,95€; Pingo Doce Reserva Enólogo Osvaldo Amado 2014, um tinto do Dão produzido pela Global Wines para o Pingo Doce, com PVP de 2,98€; e Contemporal Selection Jaime Quendera 2012, um tinto da Península de Setúbal, elaborado pela Cooperativa Agrícola Santo Isidro de Pegões para o Modelo Continente, com PVP de 6,99€. No “ranking” segue-se uma mão cheia de vinhos pontuados com 15 valores. Depois, vários outros com 14,5, 14, 13,5 e 13 pontos.

Vinte e cinco vinhos obtiveram classificações médias entre os 11,5 e os 12,5 pontos (ver caixa). Não constam da tabela que no final deste trabalho apresentamos porque ficam abaixo dos 13 valores que consideramos como nota mínima para menção nas provas da revista. Três outros vinhos foram desclassificados. Um deles por manifesta falta de qualidade, os outros dois por apresentarem contaminação por TCA (o vulgarmente chamado “cheiro a rolha”, nas duas garrafas por cada referência que a prova disponibilizou).

Finda a contenda, várias conclusões podemos retirar. Fica desde logo claro que estes vinhos de supermercado poderão ser apostas seguras para um consumo descomprometido e diário, tornando-se por esse prisma particularmente atraentes pelo preço. Fica ainda comprovado que a qualidade média geral é aceitável, mas muito poucos são os vinhos que verdadeiramente atingem um patamar de qualidade acima dessa média. Não há milagres, apetece-nos dizer.

O desafio que lançamos ao leitor é um convite à reflexão. Valerá a pena optar exclusivamente por estes vinhos ou, com um ligeiro esforço orçamental (muitas vezes traduzido em mais alguns cêntimos ou um ou dois euros mais), será preferível atingir o patamar seguinte de qualidade e satisfação? Como sempre, uma decisão individual.
 

Os 10 vinhos mais bem pontuados...

 

16

SELECÇÃO DE ENÓFILOS PRIVATE COLLECTION

QUINTA DAS BANDEIRAS VINHOS, LDA / TINTO / DOURO / 2013

A densidade de cor tem correspondência na fruta preta esmagada, no alcaçuz, na erva doce e nos balsâmicos. Robusto mas fresco, largo e com profundidade bem sugestiva. LC/MM

8,86€ / Intermarché

 

15,5

TORRE DE FERRO

ADEGA COOPERATIVA DE CANTANHEDE / TINTO / BEIRAS / 2014

Matiz cromática que impressiona, perfil elegante de fruta silvestres envolta em tons florais. Boa estrutura de boca, com personalidade e sabor alongado. LC/MM

1,29€ / LIDL

 

15,5

TORRE DE FERRO RESERVA

GLOBAL WINES / TINTO / DÃO / 2013 

Generoso de cor, aroma bem complexo, tons de bosque que envolvem a fruta madura. Cheio mas elegante, com rigor na boca, eacabamento sofisticado. LC/MM

2,95€ / LIDL

 

15,5

PINGO DOCE RESERVA ENÓLOGO OSVALDO AMADO

GLOBAL WINES / TINTO / DÃO / 2014

Tonalidade rubi rica. Imensa fruta, mas com balanço e critério. Suculento na boca, novamente com boa fruta, estrutura e de evidente vocação gastronómica. LC/MM

2,95€ / LIDL

 

15,5

CONTEMPORAL SELECTION JAIME QUENDERA

COOPERATIVA AGRÍCOLA DE STº ISIDRO DE PEGÕES / TINTO / P. DE SETÚBAL / 2012

Aromaticamente complexo, revela especiarias, louro e pimenta branca em evolução. Impera a frescura, a suculência e uma muito apelativa persistência. LC/MM

6,99€ / Modelo Continente

 

15

TRICANA

MAGNUM - CARLOS LUCAS VINHOS / BRANCO / DÃO / 2015

Expressivo nas sugestões florais e tropicais. Aparecem a flor de chá e os frutos de caroço. Aveludado e fino na boca, cremoso e apelativo. LC/MM

2,99€ / LIDL

 

15

HERDADE DAS MOURAS DE ARRAIOLOS TOURIGA NACIONAL

HERDADE DAS MOURAS DE ARRAIOLOS / TINTO / ALENTEJO / 2015

Vibrante de frescura nos tons de violeta e no polimento de fruta. Na boca, a fruta silvestre e a vivacidade comandam uma prova de apelo e boa disposição. LC/MM

 

15

RIO NOVO

ENG. 242 DIA PORTUGAL SUPERM. / TINTO / BAIRRADA / 2013

Impera a fruta envolta nos tons balsâmicos, folha de chá e fumados delicados. Na boca, a secura e firmeza de carácter adequam-se a uma mesa de qualidade. LC/MM

1,79 / Minipreço

 

15

PINGO DOCE ENÓLOGO ANSELMO MENDES

CALHEIROS CRUZ / TINTO / DOURO / 2013

Destaque à fruta madura, groselha, mirtilo. É ainda floral e tem sugestões balsâmicas. Na boca é suculento, cheio de fruta, com intensidade e final de sotaque duriense marcado. LC/MM

1,95€ / Pingo Doce

 

15

PINGO DOCE ENÓLOGO ANSELMO MENDES RESERVA

CALHEIROS CRUZ / TINTO / DOURO / 2014

Brilha pela componente floral e pela frescura de fruta. Na boca, o polimento e a proporção conferem equilibrio. Tem uma profundidade bem sugestiva. LC/MM

3,48€ / Pingo Doce

 

Para conhecer os outros vinhos pontuados e as respetivas classificações, consulte a edição nº 329 da sua Revista de Vinhos.