Gruta: um oásis luso-brasileiro na Baixa do Porto

Restaurante

Fotografia: Fotos D.R.
Luís Alves

Luís Alves

No número 447 da frenética Rua de Santa Catarina, no Porto, existe um segredo guardado por um portão de ferro. Ao transpô-lo e descer a rampa, a cidade ruidosa parece desaparecer. Entramos no Gruta, um refúgio de tranquilidade marcado por plantas verdejantes e cerâmica de autor, que vive agora um novo e vibrante capítulo. Não é o primeiro, nem sequer o segundo. O Gruta tem já uma história longa. Em 2021, a chefe Rafaela Louzada conheceu o dono que estava prestes a reformar-se. Fizeram negócio pouco antes da pandemia rebentar. Depois de uma reformulação profunda, o Gruta abriu portas sob o comando da chefe brasileiro e assim continuou durante alguns anos.

Mais recentemente, há cerca de um ano e meio, Louzada passou o testemunho e a cozinha é agora o palco de Caroline Giandalia, carioca de 29 anos. Caroline não é uma estranha na casa. Está na equipa do restaurante há três anos e integrava a equipa da Rafaela. A sua ascensão a chefe principal, há cerca de um ano e meio, consolidou uma identidade muito própria. Com um passado que inclui a rigidez técnica do The Yeatman e do grupo de José Avillez, a chefe traz agora para a mesa, nesta nova vida do Gruta, uma fusão que vai muito além do cliché. Aqui, a escola francesa de cozinha, onde a chefe se formou ainda no Brasil, encontra os ingredientes desconhecidos do norte brasileiro e o melhor peixe da costa portuguesa.

E há uma energia diferente no ar. O Gruta é movido por uma força feminina impressionante. A equipa é integralmente composta por mulheres, especialmente interessante num mundo gastronómico habitualmente liderado por homens. É uma vontade antiga que se tornou imagem de marca - explica a chefe - refletindo-se num serviço que acolhe com uma gentileza e subtileza já raras.

O início da viagem

A sala e todo o restaurante são intimistas. O nome não é por acaso. Parece de facto uma gruta mas acolhedora. São 40 os lugares entre a sala principal e um outro espaço, mais pequeno, no fundo do restaurante. O Gruta abre apenas ao jantar.
São vários os motivos gastronómicos que podem convencer alguém a descobrir o restaurante Gruta. Desde logo, o couvert: foccacia deliciosa feita dentro de portas, um estaladiço biscoito de polvilho - que acena claramente às raízes da chefe -, uma manteiga fermentada com algas, igualmente feita no restaurante e um azeite virgem extra.

Imperdível é também a “Vieira, Tucupi e Tangerina”. Uma lição de geografia sob a forma de entrada. Caroline explica-nos o produto tucupi não como um ingrediente exótico, antes como parte da sua cultura: um subproduto fermentado da mandioca, cujo sumo amarelo e ácido corta a doçura da vieira com uma precisão cirúrgica. Logo de seguida, as "Gambas, castanha de caju, alho e malagueta"  envolvem-nos num jogo de texturas, onde o picante funciona como um fio condutor e não uma eventual agressão.


Do açaí salgado ao carabineiro

Antes de seguir viagem, pausa para observar a carta de vinhos e bebidas. Cervejas artesanais, bebidas não alcoólicas e destilados estão presentes mas em grande destaque está uma seleção de vinhos que é curta mas relevante e precisa. As referências são totalmente portuguesas, à exceção de um Champanhe da casa Philiphonatt. Verdes, Douro, Dão, Açores e Bairrada são as regiões representadas. A harmonização faz-se em concordância, sobretudo para as sobremesas. Insula Verdelho, Poço do Lobo ou um Sobre Lias Casa do Capitão Mor são algumas das boas propostas do Gruta.

De volta à comida, é talvez nos pratos principais que a filosofia de Caroline ganha vida. “O processo criativo parte sempre do produto", explica, sem rodeios nem complicações de retórica. O prato de "Peixe, Açaí e Castanhas"  desafia o preconceito português de ver o açaí apenas como sobremesa. Aqui, a corvina selvagem curada repousa sobre um puré de castanhas e um molho de açaí que, com a sua nota terrosa, faz todo o sentido num prato salgado, tal como é consumido no Brasil. O beurre blanc liga tudo, lembrando-nos a base clássica da chefe.
Para quem procura o conforto do mar, o "Arroz de Carabineiro" é incontornável e uma escolha segura. Cremoso, frito com o molho intenso das cabeças do marisco algarvio e finalizado com um aioli de lima e coentros, é um prato que conforta e desperta ao mesmo tempo.

A sobremesa traz o Brasil de volta - como se em algum momento tivesse estado ausente - com o "Bolo de Mandioca". Húmido e denso na medida certa, é servido com cocada morena e o toque de mestre: queijo coalho grelhado com mel. O contraste entre o salgado do queijo e o doce do mel é o fecho perfeito.

Antes de partirmos, o café chega acompanhado por um "Casadinho", um pequeno mimo típico no Brasil e com origem em Portugal e que encerra a noite com um sorriso. E sorrisos já terão sido muitos os que saíram da Gruta depois de uma boa viagem à mesa. Sorrisos mais anónimos ou mesmo mais conhecidos - como é o caso de Caetano Veloso, Adriana Calconhoto ou, muito recentemente, Martinho da Vila.

O Gruta não é apenas um restaurante brasileiro, nem apenas português. É o lugar de Caroline Giandalia e da sua equipa de mulheres, onde apetece voltar não apenas pela permanente travessia da ponte Brasil - Portugal, como pelo conforto de um espaço tranquilo, cuidado e intimista.

Gruta Restaurante
Rua de Santa Catarina, 447, Porto
Horário: Segunda a domingo, das 18h00 às 23h00
Reservas: 911 017 007

www.grutaporto.com/