A Malhadinha está bio e olha à parcela

Reportagem

Fotografia: Fabrice Demoulin
José João Santos

José João Santos

Há um novo tempo na Herdade da Malhadinha Nova. Concretizadas as diferentes dimensões do projeto enoturístico chegou a hora de desfrutar do lugar. A família Soares continua a concretização do sonho, que agora encara os vinhos à escala da parcela e sob um entendimento de produção biológica certificada.

 

A vindima que está à porta será particularmente simbólica na Herdade da Malhadinha Nova. Em 2021 será a primeira vez que vinificará a totalidade da uva própria obtida a partir de um total de 75 hectares na propriedade, a que se juntam outros 22ha de diferentes parcelas em Vale Travessos, a poucos quilómetros de distância. Não menos significativo, a família Soares cruza literalmente o Alentejo, na medida em que adquiriu um património de 4ha de vinhas em Portalegre, na Quinta da Teixinha, a 700 metros de altitude. São 2ha de uva branca e outros tantos de tinta, plantações de 1997 que serão por lá mesmo vinificadas para beneficiar da denominação DOC Portalegre. Para lá da vinha, a propriedade contempla uma interessante mancha de pinhal.
A pretexto da apresentação de novos vinhos e da imagem renovada da Malhadinha, percecionámos a concretização de um caminho iniciado em 2016 – o da reconversão da viticultura em sistema de proteção integrada para biológico. A certificação, obtida em 2020, sela um desejo que Nuno Gonzalez, o enólogo residente da Malhadinha (Luis Duarte é o consultor), acredita aportar mais-valias aos vinhos. 


“No futuro, os nossos vinhos serão mais puros, mais focados e bastante mais equilibrados devido à passagem para biológico”, prevê.
Até chegar a este ponto, o caminho não foi um mar de rosas, implicou estudos profundos e sobressaltos de produção em 2017 e 2018, tendo a videira começado a responder bem em 2019. Margarete Soares, também investigadora na Universidade do Algarve, supervisionou o projeto de estudo “Micro Bio Wines”, que comparou as diferenças de práticas agrícolas entre a produção integrada e a biológica para captar o impacto na biodiversidade e no produto final vinho. As castas Touriga Nacional e Aragonez, por exemplo, foram alvo de atentos ensaios de vinificação com leveduras indígenas, que permitiram perspetivar resultados.
“Verificamos que temos uma enorme diversidade nas nossas vinhas”, diz-nos Margarete.


Hoje, não apenas o vinho mas também o azeite e a produção de gado da Malhadinha estão em modo biológico, sendo que no caso concreto do vinho a maior dor de cabeça tem sido a praga da cigarrinha verde, razão pela estão a fixar todos os auxiliares que existem na vinha para a combater. O verde, que se nota bem verde na paisagem das videiras, compensa o risco.
Os novos vinhos expõem um entendimento suplementar, o da parcela. O Viosinho da Vinha do Olival, o Antão Vaz da Vinha dos Eucaliptos e o Antão Vaz da Vinha da Peceguina ilustram esse zoom mais apertado.


“Mais vinhos de parcela deverão surgir”, antecipa Nuno Gonzalez, salientando que além deste primeiro Viosinho, vinificado em inox, há um outro que está a prometer muitas alegrias e que permanece adormecido em três barricas de 500 ltrs.

“Chegou a altura de desfrutar da Malhadinha”

Adquirida em 1998, foi um 2003 o primeiro vinho da Malhadinha. Hoje engarrafam 350.000 garrafas anualmente, 75% das quais vendidas em Portugal.


“A Malhadinha tornou-se numa marca querida em Portugal”, nota João Soares. O irmão, Paulo Soares, sublinha a ideia e refere que em plena pandemia as quebras “foram baixas face ao que chegou a ser expectável, na ordem dos -10%”.
O projeto ajudou a criar um novo paradigma de enoturismo, não apenas no Alentejo, no país. A reabilitação permanente de ruínas, que deram lugar a confortáveis apartamentos e quartos, as experiências de passeios de jipe, de cavalo e de balão, os piqueniques na vinha, as refeições nos restaurantes (sob consultoria de Joachim Koerper vai para 12 anos) serviram de exemplo para dezenas de outras propostas de enoturismo.


Hoje, a Malhadinha fatura quase tanto em turismo como em vinho, 3,5 milhões de euros (contas de 2019) que deverão atingir os cinco milhões em 2022. Os investimentos têm sido constantes e o turismo motivou a maioria deles, desde 2017, tendo superado a fasquia de cinco milhões.


“Já não peço às pessoas para andarem mais depressa. Chegou a altura de desfrutar da Malhadinha”, garante João Soares.
A conclusão assenta no culminar das estruturas de enoturismo. A mais recente é a transformação das antigas cavalariças num espaço que contempla receção de visitantes e hóspedes, loja, wine bar e taberna (espaço para apreciação de petiscos e vinhos).


“Aproveitamos as treliças em ferro no teto como ponto de partida para a restante decoração do espaço”, observa Rita Soares.
O designer Eduardo Aires ajudou no processo, bem como no rebranding e reformulação da identidade visual da herdade permitindo “combinar as diferentes dimensões da Malhadinha – hotelaria e produção agrícola”. O perfil cromático de cores pastel predomina, nas decorações dos espaços e nos novos rótulos de vinhos. A preocupação generalizada é hoje com a sustentabilidade.  “Todo o caminho da Malhadinha foi bem-sucedido porque foi bem pensado”, sublinha João Soares.


Por entre os 455ha de área total na imensidão alentejana, a Herdade da Malhadinha Nova tem agora 400m2 de painéis solares, o que permite reduções de até 35% na fatura energética. Integrante do “Plano de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo” e da Rede Natura 2000, procura preserva a biodiversidade de aves que a sobrevoam, criou uma rede de reaproveitamento de águas, está a ser meticulosa no cuidado com alguns bosques que pontificam a paisagem geral. Apesar de produtora de gado, apela ao consumo equilibrado de carne e decidiu recusar qualquer produção intensiva.


“Sonhei a Malhadinha quando ainda era criança, sonhava ter uma quinta, animais…”. 
O sonho de João materializou-se e partilha-o com a mulher Rita, o irmão Paulo e a cunhada Margarete. E, claro, com os filhos e os sobrinhos, a nova geração da família de quem se espera manter vivo o lema de “fazer da vida uma festa”.

 


Os novos lançamentos Malhadinha

Entre estreias absolutas e atualização de colheitas, a Revista de Vinhos provou as novidades da Herdade da Malhadinha Nova.

17
Antão Vaz da Malhadinha Vinha da Peceguina 2020

Regional Alentejano / Branco / Herdade da Malhadinha Nova
Amarelo palha, rebordo limão. Elegante, expressa lima, toranja, maracujá e um floral bonito. A boa acidez surge em primeiro plano, tem firmeza geral e volume devidamente esculpido. Final longo, persistente e austero, com derradeira nuance apimentada. Saboroso e bem conseguido.
Consumo: 2021-2025
15,00 € / 11ºC

16,5
Antão Vaz da Malhadinha Vinha dos Eucaliptos 2020

Regional Alentejano / Branco / Herdade da Malhadinha Nova
Verde limão. Nariz de madressilva, maçã e toranja. Seco, mostra polpa de fruto branco a meio palato, acidez bem conseguida, final mais volumoso, com geleia de fruto no fecho. Exótico, amplo, apimentado e gastronómico.
Consumo: 2021-2024
15,00 € / 11ºC


16,5
Viosinho da Malhadinha Vinha do Olival 2020

Regional Alentejano / Branco / Herdade da Malhadinha Nova
Amarelo limão. Aromas de lima, toranja, maçã e perceção de pedra molhada. Seco, tem tensão fresca, boa acidez, volume contextualizado e toque amendoado. O final revela exatidão. Uma estreia auspiciosa na vinificação da casta pela Malhadinha.
Consumo: 2021-2025
20,00 € / 11ºC


15,5
Monte da Peceguina 2020

Regional Alentejano / Branco / Herdade da Malhadinha Nova
Antão Vaz, Arinto, Verdelho, Gouveio, Roupeiro e Viognier. Amarelo, laivos limão. Nariz de palha seca, ameixa e alperce. Volumoso, denota untuosidade mas tem acidez em fundo, que o mantém vivaz. O final está seco e de perfil amendoado. Exprime um Alentejo mais quente.
Consumo: 2021-2023
12,50 € / 11ºC