Extensão dos danos ainda por apurar.
As fotografias que acompanham este texto já não correspondem à realidade - são o retrato de uma vinha tal como era há poucas semanas, antes de ser consumida pelos incêndios que têm assolado as regiões da Beira Interior e do Douro.
No caso concreto, as imagens, que ilustraram uma reportagem alargada sobre a Mêda que publicamos na recente edição de agosto na Revista de Vinhos, pertencem a um conjunto de vinhas com mais de 40 anos da família Carvalho Martins, produtora dos vinhos Golpe e Pacto. Foi o próprio produtor, Rui Martins - que, juntamente com o irmão Vasco, correspondem à quarta geração desta família e granjeiam 26 hectares de vinha da Quinta do Vale do Olmo, em Longroiva -, quem nos alertou para o facto.
Este foco, que tem assolado a Mêda nos últimos dias, resulta da união de duas deflagrações, ocorridas em Trancoso (distrito da Guarda) e Sátão (distrito de Viseu), alastrando a 11 municípios dos dois distritos – Mêda, Sátão, Moimenta da Beira, Penedono, Sernancelhe e São João da Pesqueira, no distrito de Viseu e, em Aguiar da Beira, Trancoso, Fornos de Algodres, Celorico da Beira e Vila Nova de Foz Côa, já no distrito da Guarda - incluídos nas denominações Douro e Beira Interior. A estes, juntam-se os danos provocados pelos incêndios ocorridos no distrito de Vila Real, mais concretamente em Vila Real, Sabrosa e na Serra do Alvão.
Segundo dados oficiais provisórios, arderam até ao momento cerca de 250 mil hectares no país. Cerca de um terço desta área foi consumida em apenas dois dias - entre 14 e 16 de agosto, arderam 64.160 hectares, representando 46% do total ardido desde o início do ano. Esta área representa 28 vezes mais do que a área ardida no mesmo período de 2024, colocando Portugal como o país da União Europeia com maior percentagem de território ardido (2,69%).
A vinha como protetor
São cada vez mais as vozes e os estudos que apontam para a importância da vinha no seu papel de corta-fogo e como defensor de comunidades. Aqui ao lado, na vizinha Espanha, a Red PAC, que agrega as políticas de desenvolvimento rural e agrário, aponta que “a Comissão Europeia e vários Estados-Membros estão a promover iniciativas que integrem esta função estratégica nas suas políticas agrícolas, ambientais e de proteção civil, de acordo com a recente proposta de reforma do chamado Pacote do Vinho”.
A referida função estratégica da vinha conta o fogo pode manifestar-se de várias formas, desde logo pela criação de “interrupções no material combustível que alimenta as chamas”, fornecimento de “acesso a equipas de emergência”, redução da “intensidade do fogo em áreas de interface entre áreas urbanas e naturais” e criação de “paisagens de mosaico, mais resistentes a grandes focos de fogo”. No entanto, nota, o correto granjeio da vinha é essencial, já que “a cobertura vegetal descontrolada do solo pode ser contraproducente e incentivar a propagação de chamas”.
São vários os exemplos apresentados, como o catalão Vins de Foc, ou Vinho de Fogo, levado a cabo pelo Centro de Ciência e Tecnologia Florestal da Catalunha. Este programa, incluído no Horizonte 2020, abrange vários produtores locais. Neste âmbito, destaca-se a produção de vinhos diferenciados, feitos a partir de uvas expostas ao chamado ‘smoke taint’, em práticas de recuperação agrícola que podem contribuir para a prevenção de incêndios e gerar valor. Estes produtores recebem um rótulo de reconhecimento ambiental e social, pela aplicação de técnicas sustentáveis e colaboração com os serviços florestais.
Por sua vez, o programa Mas Marès, que reúne produtores de Alt Empordá com outros territórios em La Rioja, Aragão e Catalunha, conseguiu, através da construção de uma paisagem agroflorestal em mosaico, mais resiliente, parar o fogo durante os incêndios florestais de fevereiro de 2022. Os resultados confirmam que esta gestão também pode ajudar a prevenir a erosão do solo, pois evita a sobreexploração e perda de biodiversidade. Os estudos e consequentes resultados podem ser lidos aqui: https://life-midmacc.eu/wp-content/uploads/2024/06/MIDMACC_2024_CAST_red.pdf.
Já nos Pirinéus catalãos, existem intervenções específicas, como o plantio de vinhedos em encostas íngremes, com vista a “restaurar terras em desuso e estabelecer barreiras naturais aos incêndios”.
A Red PAC assinala ainda que a Política Agrícola Comum (PAC), através do PEPAC 2023-2027, contempla instrumentos de apoio para a implementação de práticas ambientais em culturas lenhosas; a Intervenção Setorial do Vinho (ISV); e intervenções de desenvolvimento rural, que permitem o financiamento de medidas de prevenção de incêndios ligadas à agricultura.
*Notícia atualizada a 27/08 com a revisão da área ardida e inclusão de novo entretítulo.